JRPGs. A sigla utilizada para identificar com maior facilidade os RPGs desenvolvidos no Japão (e que, por vezes, é expandida para englobar jogos desenvolvidos em outros países da Ásia) é uma das definições mais clássicas da história dos videogames, com uma linhagem cuja gênese pode ser traçada até o começo dos anos 80, com jogos como Dragonstomper para Atari 2600, Bokosuka Wars para ASCII e Sharp X1 e Dragon Slayer para PC-88.
Altamente influenciada pelas primeiros adventures em forma de visual novel e com muitos dos seus clichês sendo estabelecidos coma explosão mais mainstream do gênero com o lançamento dos primeiros Dragon Quest e Final Fantasy na segunda metade da década de 80, JRPGs tem sido sinônimo de experiências de qualidade nos videogames desde a segunda geração de consoles.
E, enquanto passamos por uma série de altos e baixos com o gênero, da ascensão durante a segunda geração ao “período de ouro” que, a depender de qual fã você ouvir a opinião, ocorreu durante a era do SNES, PS1 ou PS2, a suposta derrocada durante a geração passada (se você não tinha um portátil ou só dava atenção aos jogos da Square-Enix) e ao ressurgimento atual, é inegável que sempre houveram jogos especiais sendo lançados todos os anos.
Enquanto a maior parte dos jogadores conhecem as franquias mais populares do gênero, das já mencionadas Final Fantasy e Dragon Quest a Pokémon, Kingdom Hearts, Tales, Fire Emblem e Persona ou até mesmo séries que alguém não associa com gênero inicialmente mas são, de fato, RPGs desenvolvidos no Japão, como Dark Souls e Monster Hunter, muita gente tem um pouco de dificuldade em encontrar jogos menos conhecidos dentro do gênero.
É para isso, então, que temos este especial. Ao longo dos próximos artigos, vamos explorar séries menos conhecidas mas que possuem uma linhagem tão – ou até mais – rica do que alguns dos mais famosos nomes do gênero. Enquanto qualquer um pode lhe recomendar o mais novo Final Fantasy, Dragon Quest ou o jogo do garoto de cabelo espetado amigo do Pateta e do Donald (que são todos, diga-se, fantásticos), eu, na qualidade de host do nosso podcast e auto-proclamado especialista em JRPGs, vou lhes guiar até o fundo do lago, garimpar os verdadeiros diamantes escondidos.
Nessa primeira parte, nós vamos nos focar nos jogos que se atém mais às bases iniciais do gênero: os RPGs por turno. Nós vamos explorar mais à frente RPGs de Ação, de Estratégia e Dungeon Crawlers, mas é importante primeiro estabelecermos quais são os parâmetros básicos que a grande maioria associa ao gênero. Além disso, não vamos falar das franquias mais populares da Square-Enix, Atlus e Bandai Namco, então não esperem nenhum dos nomes mencionados acima. Por fim, todos os jogos aqui mencionados estão disponíveis para PS4, apesar de nem todos terem legendas em português, talvez uma das maiores barreiras para nós jogadores brasileiros.
Então, quais são esses clichês que costumam facilitar a identificação pelo jogador do que um JRPG? Há uma miríade de artigos dedicados a identificar quais são as principais diferenças entre RPGs Ocidentais e Orientais (e nós podemos dedicar um especial a isso mais pra frente), mas para esse artigo nós vamos usar como referência este artigo do Gamasutra e este artigo do NZGamer (via web archive). De ambos, é possível que, no geral, RPGs Orientais são facilmente identificáveis pelo seu visual mais colorido e vibrante, inspirado por animes, mangás e pelo Kabuki, em comparação aos tons mais monocromáticos de jogos ocidentais, sem tentar se prender a tentativas de fotorealismo.
Além disso, costumamos ter um foco maior em personagens pré-definidos, contrastando com o foco maior em criação de personagens em jogos feitos deste lado do mundo, com tanto personagens femininos quanto masculinos sendo criados para apelar para os fãs (a famosa cultura de waifus e husbandos), tanto no seu design quanto personalidade. Há também um foco maior em cinematografia, muitas vezes em troca da liberdade, e em contar histórias épicas, o que acaba fazendo com que elas sejam muitas vezes mais lineares e faz com que o combate sendo mais uma avenida do que o foco principal de design do jogo.
Então… Visual colorido, foco em cinematografia, personagens pré-definidos e histórias mais lineares e, no geral, com um ar mais épico, sem tanto foco no gameplay em favor de uma história melhor desenvolvida. Isso estabelecido, quais são os cinco JRPGs para PS4 que você precisa jogar?
5. Dark Rose Valkyrie
Para começar a nossa lista, poderíamos ter optado por quase qualquer outro jogo da Compile Heart, um pequeno estúdio japonês fundado em 2006, desde a relativamente mais conhecida série Neptunia ao recente Dragon Star Varnir. O estúdio, cujos jogos são publicados no Ocidente pela Idea Factory International, meio que é especializado em jogos mais simples, com orçamento bem limitado, sendo comum vê-los em promoções com descontos altíssimos na PSN.
Mesmo com os limites orçamentários, a Compile Heart costuma contar com nomes famosos dentro do gênero contribuindo para os seus jogos (Fair Fencer F, por exemplo, conta Yoshitaka Amano e Nobuo Uematsu na equipe). Dark Rose Valkyrie, jogo lançado em 2016 no Japão e em 2017 no Ocidente, não é muito diferente disso, trazendo a participação de membros importantes da equipe da série Tales, especial o desenhista Kosuke Fujishima e o roteirista Takumi Miyajima, famosos pelo seu trabalho em Tales of Symphonia e Tales of the Abyss.
A história se passa em uma versão alternativa do Japão em 1929, girando em torno de Asahi, membro da equipe Special Force Valkyrie, encarregada de erradicar os membros da população infectados com uma doença chamada Chimera, surgida após a queda do meteorito Black Garnet, que causou a morte de 3% da população e infectou uma outra grande parcela.
O combate é um sistema por turnos bem tradicional, com o jogador escolhendo as ordens da equipe em seu turno e elas sendo executadas em uma determinada ordem, sendo possível optar por usar ataques, itens, arts, alterar a formação da equipe, além de usar algumas mecânicas especiais chamadas de Charge e Ignition. Não é nada muito especial, mas o combate é bem divertido.
O grande diferencial mecanicamente de Dark Rose Valkyrie está no sistema de investigação que o jogo possui, bem similar ao de uma visual novel nos moldes das famosas Ace Attorney e Danganronpa, ou até mesmo o jogo da Rockstar, L.A. Noire.
Logo cedo o jogador descobre que possivelmente há um traidor dentro da equipe, sendo necessário investigar os indícios dessa traição, encontrar contradições nas declarações dos membros da equipe para salvar o restante dos membros inocentes do seu time.
Isso tudo contribui para que Dark Rose Valkyrie, por mais que não seja uma experiência extremamente memorável ou especial, valha muito a pena, ainda mais por ser uma ambientação bem única e ter ideias interessantes e bem executadas dentro do seu orçamento. O baixo preço pelo qual é possível comprar o jogo na PSN constantemente é um bônus, sendo uma boa forma de conhecer o estúdio (e esses RPGs de menor orçamento) sem ter que gastar muito.
4. The Alliance Alive HD Remastered
Uma das coisas que torna o PS4 uma ótima plataforma para JRPGs não são apenas os novos jogos desenvolvidos para ela, mas a boa quantidade de remasterizações e ports que foram lançados ao longo desses seis anos (e contando) da geração atual. A NIS America tem feito um trabalho muito bom nisso, trazendo toda variedade de jogos lançados para PS3, PS Vita e Nintendo 3DS para as plataformas disponíveis hoje no mercado.
Um desses jogos recentemente remasterizados foi The Alliance Alive, jogo publicado pela NISA, talvez a principal distribuidora desse estilo de RPGs no Ocidente, e desenvolvido pela Cattle Call, estúdio fundado em 1998 e talvez mais conhecido por dois jogos da série Arc the Lad lançados para PS2 (Twilight of the Spirits e End of Darkness) e por co-desenvolver a série Metal Max.
Há um motivo pelo qual o jogo, lançado no último dia 11 de outubro para PS4, foi chamado pelo nosso ilustre Luís Guilherme Machado Camargo de “um dos melhores exemplos de como aliar uma plataforma moderna ao design dos melhores RPGs desde a era do Super Nintendo”, dizendo que o mesmo “é um excelente jogo com uma história interessante, personagens carismáticos e um sistema de batalha profundo e que requer estratégia”.
A qualidade dos personagens e da história era de se esperar pelo envolvimento de um homem em específico: Yoshitaka Murayama, diretor, roteirista e produtor de dois dos mais seminais RPGs de todos os tempos: Suikoden. Murayama exerceu esses papéis nos três primeiros jogos da série, geralmente considerados como alguns dos melhores JRPGs de todos os tempos (Suikoden II, em especial, ocupa altíssimas posições em todo tipo de lista), com a série despencando de qualidade e eventualmente morrendo após a sua saída da Konami.
The Alliance Alive conta a história de um mundo onde os seres humanos perderam a guerra contra os Daemons após os habitantes do reino chamado Chaos criarem uma barreira que causou mudanças climáticas catastróficas e uma energia chamada de Dark Current, o que juntos causou a destruição de boa parte da humanidade, sendo papel do grupo de nove protagonistas, todos membros da grupo da resistência chamado Night Crows, lutar contra os Daemons e restaurar o controle do mundo sob a humanidade.
Como em Suikoden, o diálogo tem papel importante na história, alterando os rumos dela, refletindo a importância que saber dosar quando confrontar os personagens ou quando buscar soluções amigáveis teria em um mundo em conflito, alterando desde os personagens recrutáveis as recompensas obtidas pelo jogador.
Como nos outros jogos, o combate é bem inspirado pela série SaGa,com a formação da equipe influenciando quais técnicas ofensivas e defensivas poderão ser utilizadas. Os combates são por turnos, com apenas os Daemons aliados podendo usar magias ou caso o jogador tenha acesso a habilidades parecidas e com efeitos similares. O jogo traz algumas mecânicas únicas, como o estado de “Ignition”, uma barra que ao ser completada aumenta o poder do personagem com o custo de um custo maior para utilizá-las, e o “Final Strike”, um poderoso ataque que pode ser usado durante o Ignition e que, caso tenha um aliado da mesma classe próximo, causará um combo através do “Reinforce”.
Além disso, a evolução dos personagens e a forma como eles aprendem habilidades ocorrendo com o uso constante de equipamentos e evoluindo com o constante uso delas através do sistema de Awakening, substituindo o mais comum sistema de níveis e pontos, também de forma similar ao da série SaGa, em especial Romancing SaGa.
No geral, The Alliance Alive HD Remastered é um bom jogo que não só vale o preço atualmente cobrado pela NIS America (R$179,90 na PS Store brasileira e $49,99 na PS Store americana, mas provavelmente logo entrará em promoção, considerando a boa política de preço da NISA nas versões digitais dos jogos.
3. Blue Reflection
Uma desenvolvedora que não poderia faltar em qualquer relação de RPGs menos conhecidos mas de altíssima qualidade é a Gust, estúdio fundado em 1993 e que tem seu próprio DNA extremamente ligado à própria família PlayStation,começando a desenvolver para ela ainda nos primeiros dias da plataforma e lançando jogos para ela dentro do primeiro ano de existência do PS1.
Uma das principais caraterísticas da Gust sempre foram os jogos com um belo e único toque artístico e isso é uma das primeiras coisas que captura a atenção do jogador e Blue Reflection é um jogo especialmente focado nisso, sendo a terceira (e última) parte do projeto “Beautiful Girls Festival” da Gust que (englobou BR, Atelier Firis e Nights of Azure 2).
Esses projetos são algo bem comum para a Gust, normalmente envolvendo jogos em séries distintas, cada qual abordando um mesmo tema da sua maneira específica. O “Beautiful Girls Festival” teve uma recepção mista, com o Atelier Firis estando no mesmo patamar do seu antecessor (Atelier Sophie – parte da empreitada “Gust Social”), enquanto Nights of Azure 2 foi um completo desastre em comparação ao seu precursor.
Blue Reflection, em comparação, em uma absoluta obra de arte. O jogador assume o controle de Hinako Shirai, uma estudante e dançarina de balé que não pode mais dançar por causa de uma lesão no joelho. No entanto, ela recebe poderes mágicos que a permitem se mover livremente e visitar um outro mundo onde ela precisa lutar contra monstros.
Em sua essência, BR é uma reflexão sobre a vida de uma adolescente japonesa, crescimento e a formação de laços com outras jovens. É uma abordagem bem sucinta e doce que é muito raro de se ver em videogames e, ao mesmo tempo, se vale muito bem da sua escolha de temática para entregar um jogo que é agradável não só para as jogadoras, mas para qualquer um, independente do seu gênero, desde que as valorizem uma boa história mais focada em relações interpessoais do que no arco maior em si.
Para alcançar isso, Blue Reflection se vale muito bem de um dos gêneros mais versáteis dos animes/mangás, que é o Mahou Shoujo ou Magical Girl. Enquanto essa versatilidade é algo que poderia render um outro artigo por completo (e que é mais destinado a sites mais voltados cultura otaku no geral), é especialmente notório o quão bem ele funciona quando a Gust o utiliza.
Há bastante foco na exploração da escola, lembrando em vários momentos a fórmula consagrada pela sub-série Persona, com o jogador precisando dar atenção a enriquecer o seu relacionamento com suas colegas de sala durante o dia e resolver os problemas deles em missões secundárias.
Mecanicamente, ele é um RPG por turnos bem divertido e com um combate que funciona bem. As garotas assumem a sua forma de magical girl, aqui chamada de “Reflector”, podendo explorar o Other World, onde até três membros participam das lutas, com o turno de ação se movendo no ritmo dessa barra. Além dos ataques e magias normais, o jogo traz algumas variações, como ataques cooperativos que podem se tornar bem poderosos caso o jogador opte por carregar o seu “ether”. Ele consegue ser desafiador em uma boa medida, em especial nas batalhas contra os “Pure Breeds”, monstros capazes de destruir a equipe rapidamente.
Apesar do bom sistema de combate, ele ainda é um jogo mais interessante pela sua história, pelo seu belíssimo senso artístico e pela trilha sonora espetacular, todas as três características típicas dos jogos da Gust. Infelizmente, por se tratar de um jogo da Koei Tecmo, ele costuma ser um jogo mais caro e que raramente entra em promoção, apesar de valer cada centavo a ser investido.
2. Atelier Ryza: Ever Darkness & The Secret Hideout
A franquia Atelier é uma das séries que, apesar de estar intimamente alinhavada com a própria essência do PlayStation. Como mencionamos no tópico anterior, essa franquia da Gust foi uma das primeiras a serem criadas, iniciada no longínquo ano de 1997 com o lançamento de Atelier Marie: The Alchemist of Salburg e continuando ao longo dos anos com lançamentos anuais quase ininterruptos.
Apesar de termos escolhido o jogo mais recente da série, lançado a apenas alguns poucos dias, e que este que vos fala analisou recentemente para o PSX Brasil, poderíamos ter apontado qualquer um dos outros lançamentos mais recentes da série principal, seja a coletânea com os primeiros três jogos da série Arland, seja o quarto jogo da série, Atelier Lulua: The Scion of Arland e que, conforme o Luís Guilherme apontou em sua análise, é o jogo perfeito para novatos da série, seja a vindoura coletânea com a trilogia Dusk, há várias formas de se começar.
Mesmo com as sub-séries existentes dentro da franquia, sejam as primeiras trilogias Salburg, Iris, a dulogia Mana Khemia, a quadrilogia Arland, e as mais recentes trilogias, Dusk (tanto Atelier Arland Series DX quanto Atelier Dusk Trilogy DX são coletâneas de jogos de PS3 trazidos em HD para PS4) e Mysterious (a primeira série feita já para o PS4), várias e várias oportunidades para mergulhar nessa histórica série surgiram ao longo dos anos.
Mas, nenhuma delas, está no mesmo nível de Atelier Ryza. Há pouco que se possa falar sobre o jogo que eu já não tenha dito na análise que foi ao ar recentemente, na qual eu o chamei de “um dos, se não o melhor título nos 22 anos da franquia, se valendo muito bem de todos os seus pontos mais fortes para entregar uma experiência memorável”.
Sendo a série de jogos mais importante da Gust, tudo aqui é feito com muito cuidado e muito espero, desde a ótima qualidade dos gráficos, considerando as limitações técnicas que os jogos da Koei Tecmo, aqui muito bem dribladas com um estilo artístico muito refinado e que dão um ar de individualidade ao jogo, passando pela trilha sonora absolutamente primorosa e que facilmente fica entre as melhores de um JRPG lançado nessa geração.
Além desse aspecto técnico, o que realmente torna a série Atelier algo tão mágico é o quanto sua história, mesmo que em alguns jogos conte com um plot para “salvar o mundo”, é muito mais sobre as pequenas interações entre os personagens, sobre o quão bem as protagonistas são construídas e se apoiam em um elenco de apoio bem resolvido, algo bem notório em Atelier Ryza: Ever Darkness & The Secret Hideout.
Ryza é uma menina de bom coração, com seus defeitos, mas que tem um arco de crescimento e amadurecimento bem perceptíveis ao longo do jogo, algo que também ocorre com os seus amigos. Ele realiza bem a sua ideia de ser sobre fazer lembranças de verão e estreitar os laços de amizade que serão lembrados por toda a vida, trazendo para um RPG o espírito de alguns dos melhores animes slice-of-life que temos por aí.
O que temos aqui é um jogo que, apesar de ter mecânicas de gerenciamento de tempo, de estar constantemente te incentivando a explorar, coletar novos materiais para fazer suas receitas de alquimia e brincar com elas para aprender novas variações, consegue entregar uma experiência relaxante e confortável, como a de estar revivendo boas memórias ou estar de férias se divertindo com seus amigos.
Mesmo o sistema de combate, que entrega elementos mais ativos, como, por exemplo, as ações dos inimigos e aliados não pararem enquanto você decide o que fazer apesar de ainda ser um jogo por turnos, o que, em tese, traria maior imediatismo a ele, consegue ser divertido e condizente com a atmosfera da experiência como um todo, incorporando todos os outros elementos do jogo a ele de maneira bem pensada.
A verdade é que, apesar do preço salgado dos lançamentos da Koei Tecmo e da baixa perspectiva de promoções atraentes, como eu já tinha mencionado quando tava falando de Blue Reflection, a forma como todos os elementos de Atelier Ryza: Ever Darkness & The Secret Hideout se combinam para entregar uma mistura bem pensada e preparada fazem dele, até aqui, um dos melhores JRPGs da geração…
1. A série The Legend of Heroes
Só que é difícil chamar o Atelier Ryza de “melhor JRPG da geração”, quiçá melhor JRPG do ano, quando vivemos em um mundo em que The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel III foi lançado. Um jogo que surpreendeu mesmo até a mim quando eu o analisei, e olha que eu já vinha “calejado” ao me tornar fã da série anos atrás ao comprá-los após as belas análises de Trails of Cold Steel e Trails of Cold Steel II pelo nosso querido José Viana, voltar para jogar a outra sub-série, Trails in the Sky (cujo segundo jogo foi analisado pelo Luís Guilherme) e me apaixonar ainda mais perdidamente, o que me leva a “roubar” um pouquinho aqui e incluir a série como um todo.
Sendo provavelmente a franquia mais antiga das mencionadas aqui, começando com o lançamento de Dragon Slayer: The Legend of Heroes pela Nihon Falcom, desenvolvedora que já está no mercado desde 1981, prestes a celebrar o seu aniversário de 40 anos na indústria, The Legend of Heroes acabaria abandonando o nome “Dragon Slayer” a partir do seu terceiro jogo, conhecido no ocidente como The Legend of Heroes II: Prophecy of the Moonlight Witch.
A série sempre sofreu com lançamentos inconsistentes no Ocidente, com só o primeiro jogo chegando aqui por mais de uma década (e só em sua versão para TurboGrafx-CD), sua sequência nunca sendo lançada por aqui (apesar de ter sido portado para nove plataformas distintas), o terceiro jogo chegando ao ocidente após a sua sequência (The Legend of Heroes: A Tear of Vermillion chegou aqui 9 anos após o seu lançamento original) e mais uma série de mudanças de distribuidora (os três jogos da trilogia Gagharv chegaram ao Ocidente para PSP pelas mãos da Bandai Namco).
A série finalmente encontraria um lar junto à XSEED Games em 2011 com o lançamento de The Legend of Heroes: Trails in the Sky para PSP, com a sua sequência (e talvez o melhor RPG do primeiro portátil da Sony) chegando 04 anos depois após um longo e conturbado processo de localização também para PSP e o seu terceiro jogo saindo apenas para PC, dado que até mesmo o Vita já dava sinais de chegar ao final da sua vida quando o jogo saiu em 2017.
Apesar disso tudo (e sem mencionar a falta de localização dos remakes para PS Vita ou entrar na confusão do arco de Crossbell), uma coisa tem sido uma constante: a altíssima qualidade dos jogos. Desde o começo do arco do arco de Liberl com Trails in the Sky, passando pela duologia que compõe o arco de Crossbell até a atual quadrilogia de Erebonia, eles têm constantemente se mantido como a série de maior qualidade e mais consistente existente no mercado.
Apesar de não ser a plataforma mais indicada para jogar a série (posto ocupado pelo PC, dado o acesso à trilogia de Liberl e a dois dos três jogos da série Erebonia), felizmente, não só a XSEED lançou os jogos para PS Vita e PS3, mas também optou por lançar as versões remasterizadas dos dois primeiros jogos da série para PS4, dos quais você pode ler as análises escritas por mim clicando aqui e aqui.
Considerando que se trata de um arco de história só, é fundamental jogar ambos os jogos antes de pular na edição mais recente da série, o já mencionado Trails of Cold Steel III, o qual, apesar de poder funcionar como uma porta de entrada para a série, como a nova distribuidora, a NIS America, fez questão de ressaltar, se torna muito melhor caso o jogador tenha tido a experiência com os demais jogos.
Felizmente, tanto o primeiro quanto o segundo jogo estão constantemente em promoção para PS Vita e o preço pelo qual foram lançados para PS4 não é dos mais salgados (R$149,90 na PS Store brasileira), quando se considera que são jogos que rendem, facilmente, cerca de 100 horas cada e que possuem uma enorme qualidade entre si.
Os jogos da sub-série Trails of Cold Steel contam a história da Class VII, um grupo de alunos da escola militar imperial de Erebonia, contada do ponto de vista do protagonista Rean Schwarzer, enquanto eles crescem e se vêem envolvidos em uma guerra civil, desempenhando papéis fundamentais no desenrolar de um enorme conflito.
Não é possível falar muito sobre a história de ToCS sem entrar em spoilers, mas é suficiente dizer que a série como um todo consegue dar uma verdadeira aula sobre como contar uma narrativa gigantesca e épica sem desvalorizar os pequenos momentos mais íntimos entre os personagens e que são o que realmente dão o suporte emocional a essas batalhas pela sobrevivência do planeta.
O que assombra é que mesmo contando com um elenco de personagens gigantesco, Trails of Cold Steel te dá razões para se importar com todos eles (algo diferente do que Trails in the Sky faz ao tornar as equipes bem pequenas e desenvolvendo meticulosamente cada relacionamento), construindo nas mecânicas de construção de relacionamento (bem similares ao Social Link da série Persona) a sua ligação com os seus companheiros em armas, te dando motivos para querer salvar seus amigos e proteger as pessoas daquele império.
Apesar de alguns pequenos problemas com o ritmo do primeiro jogo e o fato de até a conclusão do segundo jogo ser bem com ele se apoiar no fato de que os protagonistas não sabem muito sobre o que está acontecendo, sobre os jogos políticos e as maquinações das várias entidades daquele mundo, isso tudo ajuda e permite que os eventos do terceiro jogo tenham o impacto que tem, fazendo com que todo o seu envolvimento emocional com os personagens (construído ao longo de mais de 150 horas de jogo) seja usado a favor da história, em especial ao entregar um dos plot twists mais corajosos e interessantes já vistos em um JRPG.
Em muitos aspectos, a comparação que ecoa com a série de The Legend of Heroes é muito com os Final Fantasy clássicos. Os jogos constroem muito bem sobre a estrutura típica daqueles jogos, em especial Final Fantasy IV e VI, tanto ao usar muito mais de nuance e construção de personagens do que muitos JRPGs fazem hoje, em um tempo em que muito jogo se vende na base do fan-service, quanto ao se valer de um sistema de combate aparentemente simples para entregar uma experiência desafiadora e divertida.
De todos os jogos mencionados aqui, talvez aqui seja onde se encontra o combate mais “tradicional” de todos, já que mesmo que existam algumas pequenas variações, como as S-Crafts e o “Tactical Link System” que permite que dois membros da equipe atuem em conjunto a depender do quão forte seja o laço entre eles, tudo parece muito mais um fortalecimento das bases que tornam o gênero tão atemporal do que uma tentativa de reinventar a roda.
E é em saber o que faz um bom JRPG e o que entrega uma experiência memorável e que te faz querer voltar a ela sempre e recomendar para todo mundo que a série The Legend of Heroes se torna tão especial e tão obrigatória para qualquer bom fã do gênero.
Ela respeita o jogador, sem simplificar demais as mecânicas ou se apoiar em tutoriais gigantescos, ela valoriza os fãs, com histórias incríveis e bem contadas, sem nubla-la com plot twists desnecessários e tentando esconder seus buracos de roteiro com fan-service, ao invés disso, fazendo com que o seu investimento de tempo seja recompensado com uma história concisa, bem planejada e que, mesmo envolvendo nove jogos distintos (e com muito mais por vir), não se torna confusa ou vazia.
Antes de conhecer a série, eu me perguntava porquê os fãs clamavam tanto pela localização dos demais jogos dela. Hoje, tendo tido contato com seis dos nove jogos, eu me vejo aguardando ansiosamente por notícias da localização de Trails of Cold Steel IV, Trails from Zero e Trails of Azure, a possibilidade (já mencionada pelo diretor da série) de remasterizações das versões de Vita da trilogia de Liberl e dos jogos de Crossbell para PS4 e me vejo teorizando sobre o futuro da franquia.
Porquê, no final das contas, mais do que os tons mais coloridos e chamativos, a história épica, apesar de mais linear, os ótimos personagens e o combate por turnos que não é o principal foco mas enriquece a experiência, Trails of Cold Steel entrega o último e mais importante ponto pelo qual tantos de nós nos apaixonamos por JRPGs: ele demanda investimento de tempo, mas faz com que cada hora e cada centavo gasto com ele valha a pena.
E é isso, amigos. Chegamos ao fim dessa primeira parte da nossa série sobre JRPGs fundamentais para qualquer fã do gênero. Nós voltaremos dentro de mais algumas semanas explorando as outras vertentes. Desde já, deixa sua sugestão de outros jogos que eu possa ter esquecido ou que eu deva olhar antes de falar sobre RPGs de ação, de estratégia ou os dungeon crawlers.