Atelier Sophie 2: The Alchemist of the Mysterious Dream – Review

Se tem um jogo da série Atelier que eu dificilmente teria previsto, este é Atelier Sophie 2. Não porque Sophie Neuenmuller não mereça, afinal, ela é facilmente uma das protagonistas mais amadas que a franquia já teve (e minha favorita pessoal), mas porque a Gust sempre se mostrou presa a sua própria fórmula de lançamentos.

No entanto, os sinais estavam presentes. Primeiro, a Gust quebrou a tradição de não retornar a uma trilogia com o lançamento de Atelier Lulua em 2019. Então, no ano passado, tivemos Atelier Ryza 2 e a primeira sequência direta com a mesma protagonista em décadas. Por fim, as questionáveis versões DX da trilogia Mysterious também em 2021.

Talvez a surpresa se dê porque, mesmo sem uma sequência direta, a Gust seguiu contando a história de Sophie através dos jogos subsequentes da trilogia, colocando-a como mentora da jovem Firis e, posteriormente, auxiliando as irmãs Lydie e Suelle em seu momento de maior necessidade.

Mas, por melhor e mais interessante que tenham sido essas interpretações de Sophie, Atelier Sophie 2: The Alchemist of the Mysterious Dream retorna a melhor versão dela, logo depois de concluir os eventos do primeiro jogo e no comecinho da sua jornada junto com Plachta para aprender mais sobre alquimia. E, é claro, com o jogador assumindo o controle da doce jovem alquimista.

Aqui temos Sophie e Plachta no comecinho da sua jornada ao redor do mundo para realizar o exame de alquimista, quando elas decidem descansar sob uma árvore. Essa árvore, no entanto, passa a reagir magicamente e cria um portal que suga Sophie e Plachta para um misterioso mundo de sonhos.

Sophie então se vê, então, sozinha nesse mundo chamado Erde Wiege, para onde pessoas de diferentes momentos do tempo são levados, com sua autorização, para viver lá pelo tempo em que quiserem. Acontece que, ao contrário dos outros moradores, Sophie não teve um encontro prévio com a deusa daquele mundo, chamada de Elvira, e não teve suas regras explicadas e muito menos aceitas

Cabe então a Sophie desvendar o porquê ela e Plachta foram transportadas para esse mundo, o que aconteceu com Plachta, que está desaparecida e como ela poderá retornar para sua realidade. Para isso, é claro, todo o carisma de Sophie vem a calhar já que ela logo se vê rodeada de novos companheiros, incluindo a mercadora Alette (que encontrou Sophie), os guarda-costas Olias e Diebold e duas jovens alquimistas de Erde Wiege: Ramizel e Plachta.

E é aqui que Atelier Sophie 2 vai demonstrando toda a sua solidez e força como jogo. Por mais que ambos os Atelier Ryza já tivessem caminhado mais em direção a uma narrativa mais expansiva e melhor elaborada que jogos anteriores, Sophie 2 é o jogo mais dedicado a sua história que a franquia já teve aqui, dando uma forte motivação para Sophie e dando o alicerce necessário através de um elenco de personagens carismático e muito bem escrito.

Se valendo da premissa de que Elvira pode convidar pessoas de qualquer ponto no tempo para o seu mundo, Sophie se vê guiando uma jovem Plachta, muito mais inexperiente do que a Plachta que vemos no primeiro jogo, invertendo a dinâmica de mentor e aprendiz que norteava a amizade das duas, mas sem se esquecer da versão original de Plachta que dá a grande motivação para as ações de Sophie.

Convém destacar também o papel importantíssimo exercido pela terceira alquimista dessa equação: Ramizel. Se você jogou o primeiro jogo (e, por se tratar de uma sequência direta, eu recomendaria isso), esse nome não lhe é estranho. A versão DX se dedicou a adicionar várias novas cenas focadas na relação de Sophie com sua avó, a grande inspiração por trás do sonho da jovem Sophie em se tornar alquimista.

Ramizel Erlenmeyer é exatamente a versão mais nova e solteira da alquimista que se tornaria a avó de Sophie. O jogo faz um trabalho primoroso e vai evoluindo essa relação aos poucos já que, enquanto Sophie sabe quem Ramizel é, o contrário não seria possível. E ver Sophie se comparando e lutando lado a lado com a mulher que a inspirou e vendo o quanto suas habilidades cresceram ao longo da sua jornada é outro ponto fortíssimo do jogo.

É preciso dizer também que cada um dos 06 personagens, e isso inclui Alette, Olias e Diebold, que são personagens secundários mais próximos da “tradição” da série tem um arco de história bem desenvolvido, com suas motivações, personalidades, desejos e medos melhor explorados que em qualquer outro jogo da franquia. Eles parecem muito mais reais aqui, ao invés do que tradicionalmente se vê em que os coadjuvantes são formas de direcionar a protagonista para um ponto ou outro. A química entre eles e o fato de nenhum personagem ser chato ou mal-escrito é um ponto brilhante para o jogo.

Não menos importante é o fato de que o mistério central da trama sobre onde a Plachta “versão boneca” foi parar, quem é Elvira e qual o motivo da existência desse mundo de sonhos é muito bem tecido e vai se desenrolando num ritmo bem satisfatório. Há sempre um desejo de progredir com a história e ir avançando aos poucos, mesmo que, novamente, o jogo não tenha o mecanismo de urgência e pressão que era a antiga fórmula de tempo que a franquia abandonou.

Falando em tempo, algo que deverá tomar bastante do seu é o novo sistema de alquimia do jogo. Como já era de se esperar, trata-se de uma versão melhorada do que já havia sido visto em Atelier Sophie, que já era um dos melhores, se não o melhor que a Gust criou. Ao explorar o mundo de Erde Wiege ou criar novas receitas, Sophie e Plachta vão pensando em novas receitas para novos itens que você pode criar em seu atelier.

Ao iniciar a preparação de um item você precisará escolher os materiais, cada qual com uma série de elementos. Durante o processo você precisa, então, encaixar os elementos num tabuleiro numa espécie de quebra-cabeça, buscando ligar o máximo de elementos da mesma cor possíveis para maximizar os efeitos obtidos e a qualidade do item. Alguns elementos são bem difíceis de encaixar e é comum a síntese demorar um bom tempo, mas é muito satisfatório conseguir produzir o material da forma como você realmente quer.

A exploração no jogo parece ter sido um ponto de especial foco para a equipe de desenvolvimento. Atelier Sophie 2 traz alguns dos maiores mapas que a franquia já viu, facilmente maiores que os de Ryza 1 e 2 e bem em linha com o visto em Firis, mas mantendo a riqueza de opções, densidade e atenção aos detalhes que foram vistos nos jogos da Ryza.

A principal adição no sistema de exploração fica por conta da habilidade de manipular o clima. Logo no começo do jogo, Sophie recebe dois itens que podem ser usados para mudar o clima de quente para chuvoso (e vice-versa). A dinâmica disso é que novos caminhos, pontos de coleta e novos inimigos vão surgir a depender do clima atualmente em vigor na região. Avançar pela história irá te fazer resolver quebra-cabeças com esses itens, mudando o clima várias vezes numa mesma área para conseguir encontrar uma saída.

Por fim, cabe ressaltar que o último dos três tradicionais pilares de Atelier também está presente: o sistema de combate. Nem todos os problemas em Atelier podem ser resolvidos coletando plantas e pedras ou sintetizando itens, então, com uma considerável frequência, Sophie e seus amigos precisarão batalhar contra os vários monstros espalhados pelo mundo.

Ao contrário de Ryza que vem experimentando com um sistema de combate mais próximo da ação, Atelier Sophie 2 se mantém fiel às raízes da série Mysterious com um combate inteiramente por turnos. Como em outros jogos da franquia, cada personagem atua em seu turno, sendo determinado pela sua SPD, e pode atacar, defender, usar itens (que precisam ser equipados previamente no seu atelier) ou usar habilidades especiais.

A grande “novidade” fica por conta do sistema de “Twin Actions”. A medida em que você vai atacando em uma luta, você vai acumulando TP que pode ser utilizado para ativar as Twin Actions, que são ataques em conjunto entre um membro da sua equipe ativa (de três personagens) e um membro da sua equipe de back-up (de até três personagens). 

Estes ataques consistem em utilizar suas habilidades ou itens ambas no mesmo turno e com o personagem até então na sua equipe ativa sendo substituído na linha de frente pelo back-up. TPs também podem ser utilizados para uma outra mecânica, chamada de Support Guard, no qual um personagem back-up sofre o dano no lugar do personagem até então ativo. Não é algo exatamente novo, já que um sistema similar já existia em jogos anteriores da série, mas é algo que adiciona um outro nível de estratégia ao combate.

O que é totalmente novo é o sistema de “auras” de alguns inimigos. Em certos momentos, inimigos mais poderosos surgem em combate e são protegidos por “auras”, uma espécie de escudo que reduz a eficiência dos seus ataques diretos. Você precisa então explorar a fraqueza do inimigo e zerar a barra de aura dele para então paralisá-lo e poder causar muito mais dano com seus ataques.

Todos esses elementos, casados com o quão belo Atelier Sophie 2 é, tornam o combate um show à parte. Apesar de ser um elemento divertido, as batalhas sempre foram a parte menos interessante dos jogos da franquia, mas aqui temos um esforço considerável em torná-lo algo que realmente irá te manter divertido e desafiado constantemente, já que um balanceamento mais adequado com os níveis de dificuldade aqui.

Cabe dizer também que o jogo mantém o sistema de progressão visto no primeiro jogo. A lógica segue a mesma, com os personagens subindo de nível através do combate e ganhando novas habilidades a cada cinco níveis. O que mudou é que, ao invés de esperar até o final para ganhar Ability Points para desbloquear novos benefícios, aqui você começa a ganhar essas coisas desde o comecinho.

AP nesse jogo pode ser utilizado para desbloquear bônus para suas estatísticas, melhorar a qualidade dos materiais conquistados ao usar uma certa ferramenta (cada personagem do jogo está ligado a uma delas e a um elemento) e outras melhorias que vão sendo bem convenientes ao longo do jogo. É interessante também que ao gastar AP você também irá desbloquear habilidades, o que só reforça a necessidade de prestar atenção nisso.

Para ganhar AP você precisará encontrar monumentos espalhados pelo mapa e completar missões chamadas de Party Quests, que vão desde derrotar certos monstros, usar certas habilidades ou criar certos itens, a depender dos desejos dos personagens. Isso funciona também para avançar a história individual de cada um e aumentar o seu nível de amizade com cada um deles. Aumentar esse nível também tem outros reflexos, como desbloquear habilidades de assistência na alquimia e melhorias similares.

Pode parecer exagero a quantidade de elogios que eu tenho feito ao jogo, mas ainda cabe mais um: ele não só é o jogo mais bonito que a franquia já teve, tanto na parte técnica quanto de direção de arte, graças ao quão colorido e vibrante o mundo e os personagens são, mas sua trilha sonora também é mais uma jóia na rica coroa da Gust, conhecida pelas suas trilhas espetaculares.

Ao longo dos últimos três anos, mais ou menos, em que eu tenho mergulhado mais à fundo nos detalhes e peculiaridades da franquia Atelier, meu carinho pela série foi crescendo bastante, ao ponto de hoje ser uma das minhas favoritas, atrás apenas de outras duas. E é difícil não ver Atelier Sophie 2: The Alchemist of the Mysterious Dream como o ápice dessa jornada até aqui.

O jogo original já era um dos meus favoritos, junto com Ryza 2 e Escha & Logy, mas AS2 se coloca facilmente no topo graças ao quanto ele acerta em cada mínimo detalhe. É o tipo de jogo que te faz se perder no seu mundo e perder horas e horas mexendo e brincando com as melhores formas de criar um item, daqueles que ficam na sua mente mesmo quando você não está jogando.

O jogo segue uma progressão natural e se vale de tudo o que a franquia veio melhorando ao longo dos seus lançamentos mais recentes para entregar uma experiência tão boa, tão bem amarrada e tão cheia de qualidades que é difícil dizer que ela é algo além de obrigatória para os fãs da franquia ou para qualquer fã de JRPGs espalhados por aí.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Koei Tecmo.