Desde o final de 2022, após a conclusão do processo eleitoral brasileiro e ainda durante o período de análise das contas da União, começou-se a ventilar a possibilidade de serem revogados alguns decretos do governo anterior que haviam determinado a redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre artigos considerados como “itens de luxo”.
Dentre esse artigos, que conforme matéria publicada em 01/12/2022 pela jornalista Mariana Carneiro d’O Estadão, estariam os videogames. Cabe dizer que durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, videogames foram objeto da redução de alíquota quatro vezes, juntamente com itens como jet skis, veleiros e bolas de tênis. Eventual revogação levaria as alíquotas de volta ao que eram até 2020, ou seja, 40% para consoles e máquinas de jogos e 32% para partes e acessórios dos consoles.
Desde então, mais notícias não foram dadas até a polêmica surgida através da escolha de palavras utilizadas pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em uma longa entrevista ao portal UOL. Entre os vários pontos levantados por Haddad em sua entrevista tocando em diversos aspectos da política econômica que vem sendo e deverá ser adotada pelo novo governo, chamou a atenção a fala sobre taxar “jogos eletrônicos”.
Durante a entrevista, ao tratar sobre eventual impacto nas contas do governo que a correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF), cuja faixa de isenção subirá de R$1.903,98 para R$2.640,00, Haddad mencionou que o governo compensará eventuais perdas na arrecadação com a taxação de “jogos eletrônicos”.
Mas especificamente, Haddad diz que “vamos compensar a pequena queda de arrecadação com a tabela do IR com a tributação sobre esses jogos eletrônicos que não pagam nenhum imposto e levam uma fortuna de dinheiro do País”. “Jogo mundo inteiro é tributado e no Brasil não é”, adiciona.
Ao leitor mais atento, a fala sobre a não-tributação de jogos pode parecer estranha, já que ela parece ser fruto de uma certa “confusão” do Ministro da Fazenda com termos apropriados para descrever dois tipos diferentes de jogos. Afinal, como poderia o governo estar estudando anteriormente a revogação da redução de alíquotas do IPI se o produto não fosse taxado até hoje?
Ocorre que, ao que tudo indica, Fernando Haddad não se refere aos videogames, mas sim aos jogos de azar/casas de apostas que se tornaram progressivamente mais populares ao redor do mundo e hoje são parte intrínseca de qualquer transmissão esportiva, chegando a serem nomeadas como patrocinadores principais de algumas das maiores competições do Brasil e do mundo.
Esses sites/aplicativos possuem modalidades de “jogos eletrônicos” muito similares a cassinos e movimentam quantidades astronômicas de dinheiro, com uma estimativa da BNL Data de 2020 estimando que tenham sido movimentados 7 bilhões de reais naquele ano e o mercado supere a marca de 12 bilhões de Reais só em 2023. Em termos globais, a Grand View Research estima que só em 2022, 63,5 bilhões de dólares tenham sido movimentados entre casas de apostas.
Teoricamente, esses valores deveriam ter sido regulados em razão da Lei 13.756/2018 que autorizou a criação dessas Casas de Apostas no Brasil e deu o prazo até 12 de dezembro de 2022 para regulamentação o que não ocorreu. Com isso, o novo governo parece estar estudando uma forma de regular e taxar eventuais lucros que os apostadores tenham tanto em apostas quanto nesses jogos eletrônicos existentes nesses sites/aplicativos.
Mas isso não significa, necessariamente, que não vá afetar os videogames ou que não era em relação a isso que Haddad se referia. A análise de que se aplica a essa vertente de jogos eletrônicos que, com toda sinceridade, não devem ser classificados dessa forma mas sim como “jogos de azar”, é baseada numa tentativa de entender a fala do Ministro à luz do regramento legal existente no Brasil, mas um que pode não ser real com base no que vimos do novo governo e da tradicional falta de contato dos políticos com a realidade financeira dos jogadores de videogame no Brasil.
Ao se referir apenas à “jogos eletrônicos” e em análise conjunta com o já demonstrado interesse do Governo Federal de revogar decisões do governo anterior no que se refere à política econômica, é possível, sim, entender que haverá um aumento da alíquota sobre consoles, acessórios e jogos em um futuro próximo. Afinal, videogames são tradicionalmente nominados com essa alcunha e por serem vistos como itens de luxo, facilmente mais taxáveis do que itens básicos como alimentos e combustíveis. Fora a longa associação feita por políticos entre jogos de azar e videogames como sendo uma coisa só, algo só recentemente superado do ponto de vista jurídico em nosso país.
De toda forma, é notório que o Congresso Federal vem se movimentando para regulamentar a questão fiscal envolvendo videogames, dando maior solidez legal ao assunto sem depender de decretos ou medidas provisórias presidenciais. Como noticiamos em outubro, a Câmara dos Deputados aprovou o Marco Legal dos Games e o texto segue em análise no Senado onde, caso seja aprovado, deverá reduzir consideravelmente os impostos aplicados sobre videogames e, principalmente, ajudar no fomento da indústria local.
Dito isso, nada é concreto até eventual publicação ou anúncio oficial do Governo Federal e a ideia de um aumento de preço de consoles e jogos, por mais preocupante que seja, ainda parece uma realidade levemente distante que precisa ser constantemente monitorada, sempre com responsabilidade.