Às vésperas da BlizzCon 2019, várias polêmicas têm surgido ao redor da Blizzard, inundando a internet nas últimas semanas.
Com o anúncio da saída de Dustin Browder, Eric Dodds e Jason Cheyes (todos envolvidos no desenvolvimento de Hearthstone, e o que seria o novo jogo de tiro que se passaria no universo de StarCraft, de codinome Ares), além do banimento do jogador BlitzChung do GrandMasters de Hearthstone, os rumores sobre os prováveis anúncios de Overwatch 2 e Diablo 4 durante o evento têm sido ofuscados por assuntos mais sérios.
Portanto, vamos explicar os acontecimentos em ordem cronológica, para entender melhor toda a trama.
Em abril deste ano, um projeto de lei foi apresentado, o qual, caso aprovado, permitiria que moradores de Hong Kong suspeitos ou acusados de envolvimento em crimes pudessem ser extraditados para a China continental sob determinadas circunstâncias, fazendo com que eles passassem a ser julgados sob as leis chinesas e não do país em que são residentes.
Em razão da já tênue relação entre Hong Kong e China, os críticos dessa lei temem que ela exponha nativos da ilha a julgamentos injustos e tratamento violento por autoridades chinesas, além de dar maior influência à China sobre o governo de Hong Kong e poder ser utilizada para reprimir jornalistas e ativistas políticos residentes de lá. Essas preocupações levaram a vários protestos e manifestações em Hong Kong, os quais, após semanas de centenas de milhares de pessoas nas ruas, conseguiram a suspensão da referida lei.
Mesmo com o “sucesso” dos protestos, os manifestantes continuaram a ocupar as ruas, lutando pelo cancelamento da proposta, com os conflitos escalando exponencialmente, até a efetiva retirada do projeto em setembro. No entanto, com os embates cada vez mais violentos, em especial após o aniversário de 70 anos do Partido Comunista Chinês, os manifestantes continuam nas ruas, buscam maior qualidade de vida, liberação de presos extraditados e inquéritos sobre o comportamento dos policiais sobre a população.
E o que a Blizzard tem a ver com isso? No dia 6 de outubro, o jogador profissional de Hearthstone, Chung “BlitzChung” Ng Wai, em entrevista na transmissão do Asian-Pacific GrandMasters, em forma de protesto, usou uma máscara de gás e entoou o hino em mandarim: “Libertem Hong Kong! A revolução dos nossos tempos!” (símbolos das manifestações), ocasionando na suspensão da transmissão, e remoção da live do ar.
Além disso, a própria Blizzard puniu o jogador, removendo-o imediatamente do Grandmasters, bloqueando a premiação conquistada até ali e banindo de participar de competições de Hearthstone por 12 meses. O protesto foi tão intenso, que até mesmo os narradores e comentaristas do campeonato esconderam-se na mesa para não serem associados à declaração de BlitzChung. Em entrevistas dadas após o acontecimento, o jogador conta que se arrepende pelo tempo gasto com Hearthstone.
[BREAKING] Hong Kong Hearthstone player @blitzchungHS calls for liberation of his country in post-game interview:https://t.co/3AgQAaPioj
@Matthieist #Hearthstone pic.twitter.com/DnaMSEaM4g
— 🎃 Inven Global 🎃 (@InvenGlobal) October 6, 2019
Enquanto isso no Twitter, a hastag #BoycottBlizzard subiu nos trending topics da rede social, com vários internautas contra a atitude da companhia, que trouxe desconforto e a sensação de que não há liberdade de expressão, sim opressão chinesa. No dia 8 de outubro, numa declaração oficial na rede social Weibo, Blizzard afirmou que não admite opiniões políticas ao redor dos jogos ou eventos relacionados, e que qualquer atitude inapropriada será passível de demissão e punição. É importante ressaltar que a Tencent, uma das – se não a maior – empresa de tecnologia da China é acionista minoritária da Activision Blizzard.
Outro fato importante é que dois dias após essa polêmica, o logo da Mitsubishi não podia ser mais visto nos eventos de eSports da Blizzard. A confirmação de que o patrocínio foi removido ocorreu hoje.
A título de curiosidade, é importante apontar que as controvérsias envolvendo a situação política em Hong Kong não se restringem a Blizzard. A NBA, principal liga de basquete no mundo, se envolveu em um problema similar também neste mês após o Diretor Geral do Houston Rockets (franquia entre os 32 times da NBA com maior presença na China, em razão de ter sido o time onde a estrela Yao Ming jogou), Daryl Morey, demonstrar apoio a Hong Kong por ter amigos na região. Isso causou uma série de problemas à liga, uma vez que a Tencent é uma das suas principais parceiras internacionais, tendo anunciado que não iria mais transmitir jogos dos Rockets na China, tudo isso enquanto alguns times estavam no país para jogos de pré-temporada.
Ainda ao redor das polêmicas, no dia 11, o presidente da Blizzard, J. Allen Brack alegou que a decisão não teve nada a ver com a situação política de Hong Kong, e aliviou a punição de BlitzChung, porém isso não impediu que o público continuasse o boicote. Nesse meio tempo, até a personagem Mei de Overwatch foi envolvida, tornando-se mais um símbolo dos protestos, como pode ser visto no video abaixo. E, os próprios funcionários da companhia dividiram opiniões contrárias à atitude da Blizzard, e até mesmo senadores americanos opinaram no Twitter, criticando o apoio da companhia ao Partido Comunista Chinês, causando um raro alinhamento entre políticos republicanos e democratas.
Em paralelo, após a saída dos três desenvolvedores americanos de acordo com Kotaku, a Blizzard afirma que deixaram a companhia há meses, mas somente agora houve divulgação, para não interferir nas novidades da convenção. Em meados de junho, o jogo em que estavam envolvidos (Ares) foi cancelado, para dar foco em Overwatch 2 e Diablo 4, destaques mais que vazados da Blizzcon.
É importante ressaltar que essa não é a primeira vez que o Kotaku tem noticiado as sérias turbulências pela qual a Blizzard tem passado. Além do já mencionado FPS cancelado no universo StarCraft, o jornalista Jason Schreier foi o primeiro a falar sobre o cancelamento do anúncio de Diablo 4, além de detalhar mais sobre os problemas de desenvolvimento do jogo, a segunda expansão para Diablo III que foi cancelada e o spin-off de Diablo, codinome Hades que também foi cancelado.
Apesar de todas estas situações, e a convenção passada que foi um fracasso em anúncios, em especial por Diablo Immortal, acredita-se que desta vez, a Blizzcon deverá ser um divisor de água, mesmo que muito precise ser feito para tirar as impressões cada vez mais negativas sobre a companhia, ainda mais com funcionários importantes e de longa data deixando os seus postos. Dustin Browder foi ex-diretor de Heroes of the Storm e designer-chefe de StarCraft 2, enquanto Eric Dodds e Jason Chayes estavam associados a Hearthstone, o primeiro trabalhando como diretor e o segundo como diretor de produção. Infelizmente, os rumores sobre a saída dos desenvolvedores apontam ligação com as polêmicas recentes, mostrando que política e videogames andam juntos.
Resta esperar para ver se a Blizzard irá de fato anunciar Overwatch 2 e Diablo 4, como os rumores apontam fortemente, ou se a empresa voltará a trocar os pés pelas mãos e colocará ainda mais problemas em cima da pilha que já vem se tornando muito grande ao longo das últimas semanas.