O PlayStation VR completa neste mês de outubro seu primeiro ano de vida. Com a Realidade Virtual em sua infância e a um custo ainda alto para aquisição em massa, é notável que grandes produtoras, embora possuam interesse na tecnologia, não invistam pesado devido ao pouco alcance dos jogos e um retorno financeiro relativamente baixo. É cedo, no entanto, para considerar o periférico um fracasso. Muito pelo contrário, este novo meio de entretenimento tem aberto espaço para muitos desenvolvedores, principalmente indies, saírem de sua zona de conforto e se arriscarem a explorar novas abordagens nos jogos.
The Invisible Hours é um exemplo de abordagem fora do comum. Como apresentado em seus primeiros minutos, este não é apenas um jogo, nem um filme, mas sim uma obra teatral imersiva com diversas tramas entrelaçadas. E o jogo reproduz isso bem: a primeira tarefa dada ao jogador é retirar seu tíquete de entrada. Logo após, ele caminha pelos corredores de um teatro luxuoso e acomoda-se em sua poltrona num camarote superior. As cortinas se abrem e a partir daí o jogador é arremessado para dentro da peça.
Agindo como um "observador fantasma", é possível acompanhar a história se desenrolar de perto, tendo total liberdade para andar por todos os cantos do cenário e seguir as cenas e os personagens sob diferentes pontos de vista, todavia, sem poder interagir com eles. E por ser uma obra com diversas tramas entrelaçadas, o jogador é incentivado a voltar a diferentes tempos da peça de modo a acompanhar outro personagem ou cena e, com isso, desvendar novas porções da história.
O jogo mistura figuras históricas e personagens fictícios em um enredo ao estilo Agatha Christie: temos um assassinato, vários suspeitos, pistas sendo reveladas no desenrolar dos eventos, por vezes descartando hipóteses ou sugerindo novas, e culminando em um final inesperado. A vítima nesta peça é Nikola Tesla, o famoso inventor, engenheiro, futurista, etc. do século XIX, que ficou mais conhecido por seus trabalhos com eletricidade.
A história se passa em uma ilha isolada, onde Tesla vive em sua mansão, junto de sua assistente e mordomo. Ele faz um "convite irrecusável" a diferentes e inusitadas pessoas para visitá-lo. Dentre os convidados, por exemplo, está Thomas Edison, grande rival na disputa entre corrente contínua e corrente alternada à época; Victor Mundy, um ex-condenado por assassinato; dentre outros personagens bem destoantes entre si.
Quando o último convidado, o detetive Gustaf Gustav, chega à mansão, encontra o corpo de Tesla na porta de entrada, morto recentemente devido a uma severa pancada na cabeça, a arma do crime ao lado do corpo. Tem-se início a investigação para descobrir o culpado e a motivação para o assassinato. Todas as sete pessoas presentes na ilha viram suspeitas e uma diversidade de pistas e acontecimentos são minuciosamente colocados para confundir o jogador a respeito do que realmente aconteceu.
A grande pegada do jogo é acompanhar a história sob o ponto de vista de diferentes personagens. Todos têm sua própria trama dentro do intervalo de tempo em que a história se passa, o que faz com que vários diálogos, interações e eventos aconteçam ao mesmo tempo. E isso é muito bem trabalhado no jogo, com os personagens posicionados estrategicamente e numa sincronia quase perfeita para fornecer detalhes da história sem revelá-la por completo.
É comum, por exemplo, o jogador estar escutando um diálogo entre dois personagens e, de repente, notar um terceiro andando de modo suspeito para outro cômodo da casa, enquanto um som peculiar vem dos aposentos do andar de cima. Isso mantém o jogador sempre curioso e interessado. O jogo possui mecânicas de pausar, avançar e voltar no tempo, bem como escolher um horário e local exato na história para retornar ou verificar onde se encontrava cada personagem, facilitando o acompanhamento dos diferentes eventos simultâneos.
Tudo isso poderia se tornar uma grande confusão, não fosse o trabalho competente da escrita. O roteiro é muito bem trabalhado e são raros os momentos em que os personagens se encontrarão parados, sem oferecer nada à trama. Fora a história principal, há também outras secundárias para cada personagem, revelando o que os motivou a aceitar o convite de Tesla e até mesmo segredos que eles guardam (alguns são bem bizarros), o que contribui para manter o interesse do jogador. O final também é bem inesperado, fugindo bastante dos padrões de um conto de assassinato.
Para adicionar um pouco de diversidade ao jogo, há a possibilidade de interagir com objetos da mansão, vários contando como colecionáveis. Alguns servem como pistas para algum evento importante, enquanto textos e cartas revelam mais sobre o passado e personalidade dos personagens, proporcionando um melhor entendimento das motivações de Tesla em convidá-los à mansão. No começo pode parecer absurdo o porquê de cada um estar ali, mas tudo vai se encaixando à medida que a história avança e o jogador explora os aposentos e encontra documentos.
O uso do PSVR contribui muito no acompanhamento do jogo, principalmente em prestar atenção aos detalhes. Além da imersão proporcionada, ter a liberdade de olhar livremente pelo ambiente contribui para acompanhar os diferentes eventos simultâneos e ver mais de perto ações e expressões dos personagens que possam revelar novos fatos. Apesar de gráficos mais humildes e sem muito refinamento, o jogo possui uma arte caricata agradável e a atuação dos atores emprestando suas vozes aos personagens é, em grande parte, bem feita, mantendo a qualidade do título.
A movimentação é feita por meio de teleporte, uma técnica que não agrada a todos os jogadores de VR, mas que facilita jogar sem enjoos (não senti nenhum problema com o jogo). No entanto, poderiam ter habilitado a opção de se movimentar de maneira tradicional para aqueles que preferem. É possível jogar utilizando o DualShock 4 ou um par de PS Move. Embora eu prefira usar o Move na maioria dos títulos, achei mais confortável o uso do DS4 neste jogo, com os botões mais bem distribuídos.
The Invisible Hours tem bastante qualidades, mas também traz alguns problemas. Há uma inconsistência na apresentação das portas: em algumas cenas elas são fechadas, mas aparecem abertas de longe e fecham ao se aproximar, como se houvesse um atraso na mudança de estado delas. É também um pouco difícil saber com quais objetos é possível interagir, pois o cursor só aparece quando se encontra corretamente apontado para cada um, o que algumas vezes pode levar o jogador a não notar algum item importante.
O problema que considerei mais chato, por tirar um pouco da imersão, é que alguns diálogos e sons que ocorrem em paralelo em diferentes aposentos são demasiadamente altos. Isso claramente foi uma decisão de design para chamar a atenção do jogador a eventos que ele não está vendo, mas fica difícil de acreditar que os personagens continuem seus afazeres alheios a barulhos e conversas paralelas próximo a eles. Mesmo apresentando estes e outros problemas menores, a qualidade da escrita e a proposta do jogo são superiores, fazendo de The Invisible Hours um título diferente e interessante de se experimentar.
Veredito
O PSVR continua se mostrando uma tecnologia flexível e aberta a inovações e experimentações de diferentes abordagens com jogos. The Invisible Hours é um título que se aproveita do periférico para apresentar um jogo diferente: uma peça teatral que o jogador pode acompanhar de perto e se inserir no meio de diferentes tramas entrelaçadas, todas tendo como ponto central o assassinato de Nikola Tesla. Misturando personagens históricos e fictícios em um mistério aos moldes de um conto de Agatha Christie, a história é muito bem escrita e mantém o jogador engajado. Com muitos eventos acontecendo simultaneamente, o jogo incentiva a voltar e avançar para os diferentes atos da peça, de modo a descobrir novos fatos ao seguir os passos de diferentes personagens, trazendo diversas surpresas e um final inesperado.
Jogo analisado com código fornecido pela Tequila Works.
Veredito
Veredict
PlayStation VR is a flexible technology, open to innovations and different approaches on game development. The Invisible Hours is a title that takes advantage of the VR device to present an unusual game: an immersive theater in which the player acts as a ghostly presence, free to explore and observe a series of interwoven plots, all centered on the murder of Nikola Tesla. Combining historical and fictional characters in a murder mystery play, the story is very well written, resembling Agatha Christie’s novels, and keeps the player engaged. With many events happening simultaneously, the player is encouraged to go back or advance on the story, in order to discover new facts by following the footsteps of different characters, which delivers several surprises and an unexpected end.