Sea of Stars – Review

Quando joguei The Messenger, um excelente plataforma 2D de ação de 2018, não esperava que um aspecto se destacasse acima dos outros para mim: a narrativa. O título que remete a clássicos de ninja dos 8 e 16 bits é recheado de diálogos que quebram a quarta parede e conseguem ao mesmo tempo fazer comédia e se levar a sério, sem se perder em contradição.

Por isso, quando o estúdio canadense Sabotage anunciou que expandiria aquele universo com Sea of Stars, um RPG de turnos, eu prontamente dediquei minha confiança e expectativa, na certeza de que aquele pessoal tinha o que era necessário para uma mudança de ares desse porte e para construir aquele que é um dos pontos-chave no gênero da nova empreitada: a narrativa.

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Corri para o Kickstarter assim que foi aberta a campanha de financiamento coletivo, mas o tempo de criar meu cadastro foi o suficiente para esgotar a categoria que custava metade do normal, voltada a apoiadores aos quais o dólar é uma moeda menos favorável. Não deu.

Felizmente, essa história deu voltas e aqui estou analisando o jogo recebido pelo PSX Brasil. Em outra boa virada, Sea of Stars foi incluído no catálogo dos PlayStation Plus nos planos Extra ou Deluxe, então, se você é assinante, poderá curtir o RPG já no dia do lançamento! E, acredite, há muito a curtir nele, como contarei a seguir.

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Nenhuma das minhas expectativas foi quebrada por Sea of Stars e várias foram superadas. É um jogo muito polido que ostenta o cuidado com o qual foi construído. Essa obra é como um triângulo coeso em seus três vértices sólidos: a narrativa, o visual e o combate.

Não é necessário haver jogado The Messenger, uma vez que Sea of Stars se passa milênios antes, mas quem tem familiaridade com o jogo do ninja vai ter suas agradáveis doses de reconhecimento e até ter vontade de visitar a campanha novamente.

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Dessa vez, a história trata de crianças destinadas: Valere tem magia da lua e, Zale, do sol. Durante a introdução, vemos os anos do treinamento na Academia Zênite até se tornarem Guerreiros do Solstício. Agora, devem viajar até a Ilha Espectral a tempo do eclipse, que é o momento ideal para combater as temíveis Residentes, criações do mal ancestral conhecido como Fleshmancer.

A sensação de perigo é reforçada por algumas cenas de interlúdio entre capítulos, nas quais um grupo mascarado conversa sobre planos misteriosos que envolvem a dupla. Muitos enigmas surgem aos poucos, em uma escalada que vai do comum, como ajudar um vilarejo com problemas, até o épico de salvar o mundo em meio a voltas e revelações de uma trama que fica cada vez mais envolvente.

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Descrevendo assim, parece básico, mas a execução do roteiro faz a diferença. Sea of Stars não se acanha em investir em diálogos para nos fazer conhecer melhor seus personagens, mitologias, dramas e comédias.

A construção do mundo é composta por diferentes povos e histórias antigas. Valere e Zale conhecerão outras figuras que entrarão para o grupo, seja para lutar ou para acompanhar a aventura como parte da história, como a Historiadora Viajante Teaks e uma tripulação de piratas. Em especial, quase como um terceiro protagonista, está Garl, o carismático amigo de infância da dupla do solstício. A jornada não seria a mesma sem ele.

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Para ilustrar a aventura, o molde retrô foi seguido, mas basta olhar o jogo em movimento para perceber que vai muito além disso. É um deleite visual. A pixel art é detalhada, as animações são fluidas, as plantas sempre balançam ao vento, os líquidos se movem e distorcem, a névoa é atmosférica e as cores são vívidas e consistentes com o período do dia.

O que destaca mesmo é o jogo entre luz e sombra, como se por baixo daqueles sprites houvesse modelos tridimensionais. A luz do sol e as fogueiras lançam sombras dinâmicas e as fontes de iluminação dos cenários e das personagens interagem de forma mais apurada que o esperado para o estilo. Sem qualquer ressalva, considero o quesito artístico de Sea of Stars primoroso, feito com habilidade, dedicação e muito amor. É um verdadeiro exemplo a ser seguido em seu campo.

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Não bastam acertos de narrativa e apresentação visual para fazer um bom RPG, certo? É preciso também sistemas de gameplay competentes para justificar a incursão no gênero. Foi com prazer que vi que o jogo da Sabotage se saiu melhor que minha expectativa.

Para o design de jogabilidade é importante destacar dois aspectos: combate e design de mundo. Cada batalha é planejada pelos devs, então não temos qualquer enrolação com encontros aleatórios. Algumas poucas até podem ser evitadas, mas a maioria é obrigatória e não há opção de fuga; tudo bem, pois Sea of Stars evita cair na monotonia e destila um sistema de batalha dinâmico e eficiente. Explicarei em seis pontos.

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  1. Os personagens agem uma vez por turno, na ordem que o jogador preferir. Quem está na reserva pode substituir alguém na luta livremente, sem custo de ação.
  2. Essencialmente, temos uma variação da fórmula baseada em diferentes tipos de dano que devem ser usados de acordo com a ocasião. Aqui, porém, não é algo básico como “ah, esse inimigo é fraco contra magia”. Os ataques inimigos possuem fraquezas que, se atacadas, podem levar ao cancelamento da ação. Veja a imagem abaixo. Os símbolos acima do Zumbiulento à esquerda mostram que o próximo ataque dele pode ser cancelado se ele for golpeado por um ataque contundente, um de magia lunar e dois cortantes. O número “2” ao lado mostra quantas ações faltam para chegar a vez dele; ou seja: nesse exemplo eu posso executar duas ações para causar dano e, de quebra, tentar enfraquecer ou cancelar a ação do oponente.Sea of Stars_20230821082436
  3. Com inspiração em Super Mario RPG, as habilidades de batalha são intensificadas ao apertar o botão X na hora certa. A mesma sincronia vale para a defesa, quando receber golpes inimigos. Achei a maior parte do timing bem intuitiva, mas há alguns exemplos que não consigo pegar o jeito ou nem mesmo saber se têm ou não esse tipo de reforço.
  4. O medidor de Pontos de Mana, usado para lançar habilidades, são bem limitados, mas realizar ataques normais restauram uma pequena porção deles. O próprio jogo ensina diretamente que o ideal é alternar tipos de ataques, otimizando o custo dos PM com a possibilidade de sempre recuperá-los.
  5. Além disso, ataques normais dispersam focos de Mana Vital que podem ser absorvidos pelos personagens para reforçar sua próxima ação em até três níveis e adicionar efeito mágico à arma, sendo mais um elemento de planejamento para lutar.
  6. Adicione a isso a barra de Combo, que é preenchida lentamente ao atacar e ser atacado. Ela é totalmente autônoma e permite o uso de habilidades especiais carregadas ao longo da batalha, com papel decisivo em muitos momentos críticos. Essa barra é zerada ao fim de cada combate, o que, assim como com os PM, é mais um incentivo do jogo para que o jogador aproveite o que tem à mão e não tenha receio em gastar seus recursos de batalha.

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Se somarmos todos esses detalhes do combate, vemos que o todo forma um sistema que incentiva a variedade e o pensamento tático de se adequar à necessidade do momento usando de tudo um pouco.

Isso compensa as poucas possibilidades de builds de personagens, isto é, a customização estratégica antes da batalha. Nos equipamentos, a fórmula ultrapassada é seguida à risca: cada nova arma e armadura encontrada/comprada se resume a bônus maiores e torna todas as anteriores irrelevantes. As habilidades de combate também são aprendidas em momentos pré-determinados, tirando a chance de personalização. Mesmo assim, é muito claro como os sistemas de batalha de Sea of Stars fazem muito com pouco — e fazem bem feito.

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Quanto ao design de mundo, algo que chama muita atenção é a verticalidade em camadas. Nela, você não apenas corre por locais planos, mas escala paredes, salta sobre lacunas, se esgueira por beiradas e anda em cordas bambas. Mesmo que tais ações isoladas não pareçam grandes coisas, elas proporcionam maior profundidade na hora de criar os cenários e, com isso, maior sensação de espacialidade concreta daqueles lugares.

Essa profundidade não tem consequências apenas na sensação, mas também na forma como os espaços dão voltas em si mesmos e escondem muitas passagens secretas que vão animar os que, como eu, gostam de explorar os ambientes e vasculhar os cantinhos em busca da satisfação da descoberta e das recompensas materiais.

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Na gameplay, ainda é importante mencionar os minigames, como o de pesca, algo mais convencional e de pouca progressão, mas também o de Rodas, que ocorre em um tabuleiro mecânico com regras elaboradas que envolvem escolhas e aleatoriedade para simular combates entre duplas de peças caracterizadas em seis classes, como guerreiro e mago, por exemplo. No começo, achei as partidas lentas e demoradas, mas logo peguei o jeito e o fluxo desses embates ficou empolgante.

Por fim, a Sabotage pensou em formas de modular a experiência para diferentes paladares pelo uso das Relíquias, itens que influenciam em vários aspectos de acessibilidade e podem ser ativados/desativados a qualquer momento. Há aquelas que alteram a dificuldade de forma direta, como receber menos dano, mas também uma que apenas dá índices visuais para auxiliar no timing dos ataques. As Relíquias vão aparecendo aos poucos na aventura, de forma a fazer com que os jogadores experimentem a gameplay antes de terem a opção de modificá-la.



Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Sabotage Studio.

Veredito

Com escrita bem-feita, batalhas dinâmicas e uma luxuosa pixel art ornamentada por iluminação vívida, Sea of Stars passa com louvor no teste de ser um RPG de turnos a um só tempo retrô e moderno. Ainda podemos notar algumas pequenas heranças superadas do gênero, mas isso nada afeta o prazer de embarcar como jovens heróis para salvar o mundo em uma campanha épica e espirituosa digna dos novos velhos tempos.

90

Sea of Stars

Fabricante: Sabotage Studio

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: RPG / Aventura

Distribuidora: Sabotage Studio

Lançamento: 29/08/2023

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

With well-crafted writing, engaging and dynamic battles and luxurious pixel art embellished by vivid lighting, Sea of Stars nails the test of being a turn-based RPG that’s both retro and modern. We can still notice some small outdated legacies of the genre, but that doesn’t affect the pleasure of embarking as young heroes to save the world in an epic and witty campaign worthy of the new old days.