Originalmente exclusivo do Game Cube, Resident Evil Zero finalmente chega às plataformas Playstation junto com o lançamento físico da coletânea Origins Collection, que além do jogo inclui o remake do primeiro Resident Evil, lançado em 2015. Mas, no ano em que a série comemora duas décadas de existência, permeada por mudanças drásticas em sua jogabilidade que dividem os fãs da franquia, é possível um game de quase 15 anos sobreviver aos tempos modernos do gênero?
A história acompanha Rebecca Chambers, membro da divisão de elite da S.T.A.R.S. enviada junto com a equipe Bravo para investigar uma série de assassinatos nas Montanhas Arklay, nos arredores de Raccon City. Sofrendo uma queda de helicóptero, a equipe encontra um trem descarrilado com alguns de seus passageiros mortos (e outros nem tanto) por uma horda de sanguessugas mutantes. Rebecca se depara no local com o ex-tenente e fugitivo Billy Coen, acusado de matar 23 pessoas. A partir dali, os dois precisarão se aliar para sair do local com vida.
A trama tenta elucidar alguns fatos menos conhecidos acerca da criação do T-Virus e desenvolver alguns personagens secundários e recém-chegados da franquia. Com a premissa nos moldes clássicos da série, o clima de tensão paira no ar desde os primeiros minutos do game. Com diálogos dignos de um filme B, a trama porem é menos interessante que os anteriores, com personagens pouco carismáticos e não tão memoráveis quanto os já estabelecidos da franquia. Ainda sim é interessante descobrir alguns fatos que precedem à chegada da equipe S.T.A.R.S. na mansão Spencer do primeiro jogo.
Mas a grande novidade do jogo fica para um elemento que a série sempre flertou apesar de nunca ter sido realmente explorada: a mecânica cooperativa entre os personagens. Desde o primeiro game, havia a possibilidade de jogar a campanha com dois protagonistas, isso foi sendo desenvolvido gradualmente até a era moderna da série, em que houve um maior foco no multiplayer cooperativo, mas em Resident Evil Zero a mecânica é utilizada de forma distinta sem a necessidade de um multiplayer.
Escolhendo entre Billy e Rebecca, com o simples toque do triângulo, o controle é automaticamente passado para o outro personagem, inclusive se estiverem em locais diferentes. Com eles juntos, pode-se trocar itens e pedir cobertura para o parceiro via comandos no menu. A I.A. funciona na maioria dos casos e em raros momentos atrapalha o andamento, e se o jogador desejar dar um “empurrãozinho” basta controlar o outro personagem com o analógico direito para movimentá-lo sem necessidade da troca constante entre eles.
O sistema consegue ser dinâmico e oferece variedade na jogabilidade da série. Cada personagem tem habilidades especiais especificas: Rebecca pode misturar herbs e criar produtos químicos eficientes contra envenenamento, e Billy tem o isqueiro, fundamental em alguns enigmas do jogo, além de movimentar objetos pesados e ser mais resistente a danos do que Rebecca. Seja criando puzzles em que ambos os personagens são necessários, até momentos em que um precisa resgatar o outro, o jogo explora bem a mecânica, que pede para ser revisitada em um possível retorno da franquia.
Junto com o sistema cooperativo vem uma das maiores mudanças na base das mecânicas da série: a possibilidade de dropar itens no chão e recuperá-los a qualquer momento. Diga adeus aos baús e necessidade de gerenciar seus itens e a possível frustração se não bem planejada. Agora, se você esquecer onde deixou algum item, o mapa aponta o local e o objeto que foram deixados. Para quem sofria com o gerenciamento de inventário, é uma adição há muito tempo desejada, contudo, compromete a jogabilidade mais estratégica que o jogo tinha para adquirir uma abordagem mais acessível.
Essas são fundamentalmente as grandes diferenças. Se você já está acostumado com o remake em HD do primeiro game, a experiência será bem familiar: A mecânica atualizada dos controles de tanque, que oferecem uma mobilidade maior com o uso do analógico para movimentação do personagem; a mira automática (os dois podem ser trocados pelo jeito mais “tradicional” nos menus); e gráficos aprimorados, com cenários pré-renderizados reajustados para as dimensões widescreen em alta resolução. Continua um remaster do mesmo calibre, com qualidade visual e em sua jogabilidade modernizada.
Os gráficos foram bem adaptados para a nova geração, com belíssimos cenários que se movimentam e passam a sensação de serem modelos tridimensionais, como as cortinas das janelas no trem ou as folhas das plantas nos jardins. Apesar de cutscenes em CG com qualidade de vídeo inferior às cenas in-game e eventuais texturas de baixa qualidade, é ainda um jogo que não aparenta ter a idade que tem.
A familiaridade e alguns modelos de cenários semelhantes aos precursores fazem do game não ser o melhor da série quando se trata do design. O esquema pode não agradar a todos, consistindo em um constante backtracking em ordem de completar puzzles e achar chaves e ferramentas que desbloqueiam novas entradas.
Novas e antigas ameaças permeiam os locais visitados no jogo. O desafio em lidar com os famigerados zumbis rastejantes até os mortais Hunters é pequeno comparado a uma das principais ameaças do jogo, os Leechers humanoides. Formados por dezenas de sanguessugas mutantes que criam um corpo retorcido e decrépito extremamente ágil e letal, necessitam uma boa parte da munição do jogador para serem eliminadas e não morrem antes de explodirem em pedaços que drenam boa porção da vida de quem for atingido. A ironia é que os Leechers são bem mais trabalhosos e ameaçadores do que os chefões principais.
Com uma campanha que dura aproximadamente de 8 a 10 horas, existem algumas novidades para quem já jogou o game anteriormente, apesar da maioria ser exclusivamente estética e não oferecer nada realmente novo. Há roupas a serem desbloqueadas e um modo bônus chamado Wesker Mode que pode ser jogado depois de zerar a campanha pela primeira vez. Nela, você terá a chance de jogar o mesmo modo história com Wesker, que substitui Billy no jogo. Com algumas mudanças no gameplay como sua rajada de energia que extermina todos os inimigos em tela e um sprint para atravessar as fases rapidamente. Tirando isso, espere encontrar a mesma campanha lançada em 2002.
Um dos modos bônus originais que retornam nesta versão é o Leech Hunter, em que o jogador terá que coletar 100 Leeches espalhados aleatoriamente ao longo da tela. São 50 Leeches para cada personagem (a azul só poderá ser coletada por Billy e a verde por Rebecca), e que após serem coletados não poderão ser retiradas do inventário, retornando o raciocínio da série de gerenciamento do inventário para que não termine sem espaço para armas e munição em momentos de aperto. Ao coletar todos os Leeches, o jogador desbloqueia armas e munição infinita para a campanha. É um modo divertido, mas que poderia ter se beneficiado com mais mapas e variedade nos desafios, já que se limita a apenas um cenário e os mesmos inimigos encontrados no modo principal.
Veredito
Resident Evil Zero é familiar a todos os elementos que fizeram a franquia ficar famosa antes dos títulos mais recentes. Com um sistema de cooperação diferente que pode ou não agradar os jogadores, é um bom exemplo de survival horror, que, apesar dos novos personagens e história aquém e uma considerável falta de sustos, mata a saudade de um estilo deixado de lado pelos desenvolvedores da série. Vale a pena para quem nunca jogou e especialmente para quem adquirir a coletânea Origins Collection. E pra quem já jogou anteriormente, uma chance de revisitar um jogo refeito com todos os toques modernos e bônus merecidos, que mesmo pequenos, irão satisfazer os sedentos por games do estilo.
Jogo analisado com o código fornecido pela Capcom.