São poucas as produtoras que detêm a iniciativa de criar novos modos de experimentação em um jogo ou uma narrativa de maneira diferente do usual. Nesse ponto não se pode reclamar da Sony, que só para o PlayStation 3 entregou jogos como Flower, Journey, The Unfinished Swan, entre diversos outros. Rain é mais um produto que se encaixa nesses moldes, é um game que se destaca por agregar grande valor artístico e talvez pouca substância se comparado a “jogos convencionais”.
Rain não carrega a profundidade de gameplay do jogo anterior da PlayStation C.A.M.P. (Tokyo Jungle), porém isso não faz dele pior. Trata-se de um jogo de nicho – quem não estiver disposto a acompanhar a história do jogo dificilmente vai conseguir se aprofundar nele. Felizmente a narrativa é acompanhada por um excelente conteúdo audio-visual, contribuindo para atrair os jogadores com um mínimo de curiosidade.
Por falar nisso, curiosidade é o sentimento que me norteou na campanha de Rain. O jogo começa com cutscenes a base de belíssimas pinturas em aquarela, mostrando um menino solitário encarando, surpreso, uma garota sem formas, visível somente pelo contato da chuva. Em seguida um monstro da mesma composição começa a perseguir a jovem garota e o menino resolve segui-la. Logo o protagonista encontra um enorme portão e atravessa, assumindo uma forma idêntica a da garota que havia encontrado anteriormente.
Assim começa o jogo. O menino (e você jogador), começa a se acostumar com a sua nova forma, visível na chuva e praticamente invisível em locais aonde não há agua. O protagonista segue pelas ruas de uma cidade europeia, em busca do paradeiro da menina. Inicialmente pouco se sabe sobre aquele mundo, personagens ou monstros, mas isso se perdura por boa parte do jogo também. Algumas coisas serão reveladas aos poucos, por isso a curiosidade é sempre o fator estimulante para continuar prosseguindo no game.
A narrativa apesar de simples, é boa. Não há dublagem alguma, toda a história é narrada por textos que aparecem em posições destacadas do cenário. À medida que o jogador chega a um local inédito, novos pedaços de texto aparecem – contando o que está acontecendo no momento. Na ausência de trabalho de voz, a parte sonora se concentra nos efeitos de som e principalmente nas músicas. A trilha sonora é fantástica, acompanhando perfeitamente cada momento do jogo, sejam os de tensão, alegria ou de mistério, cada um com destaque para instrumentos específicos. As composições em piano são excelentes e se destacam nesse ponto.
Por falar em momentos do jogo, o gameplay varia e consiste de três etapas: puzzles, plataforma e principalmente stealth. Pode-se dizer que Rain é primariamente um jogo stealth, em boa parte do game você precisa se esconder dos monstros, aproveitando bem os recursos do cenário. Usando como exemplo, as marquises na cidade cobrem um espaço da chuva e ao entrar nestes espaços o protagonista ficará totalmente invisível, tanto para você jogador como para os montros do jogo. Você precisará se guiar pelas marcas das pegadas ou pelo som – jogar com um bom headset enriquece a experiência nesse caso. Portanto, ficar na chuva significa estar vulnerável.
O jogo também apresenta alguns poucos segmentos de plataforma nos últimos capítulos. Existem alguns puzzles, mas não são nada complicados e que servem para dar uma boa variedade à trajetória do game. No geral a jogabilidade de Rain é boa, mas ela está a serviço da narrativa. Portanto é fundamental que o jogador aprecie a história, caso contrário, dificilmente ele irá se motivar só pelo jogo propriamente dito.
Outro grande atrativo do jogo são os gráficos. Para um jogo de 15 dólares e de relativo baixo orçamento, Rain possui visuais muito competentes. Algumas texturas são fracas e determinados modelos 3D medíocres, mas isso não atrapalha o produto final. O primeiro destaque vai para os personagens principais – tanto o menino como a menina são incrivelmente bem feitos, com um excelente efeito de transparência acompanhado de respingos d’água. No entanto, o que mais surpreende é a animação dos dois.
Dada a ausência de comunicação verbal, percebe-se que houve um enorme capricho na gesticulação e movimentação deles, ao ponto de notarmos a preocupação ou tensão quando correm olhando para trás, enquanto são perseguidos por monstros. Outro detalhe interessante acontece ao passar perto de um muro ou casa, fazendo o garoto posicionar as mãos na superfície da parede. Existem inúmeros outros exemplos e, no geral, a animação é muito fluida e competente.
Embora o jogo peque por algumas texturas pobres, a ambientação escura e sempre molhada esconde este pequeno problema. A iluminação é ótima, assim como os efeitos de água e aspectos derivados deste – como reflexão. Em rios por exemplo, a água corrente se assemelha a de jogos de alto orçamento e nas empoçadas, podemos notar um bonito efeito de espelhamento do cenário. Todos esses fatores citados em conjunto resultam em um produto com gráficos belíssimos, um dos grandes atraentes do jogo, sem dúvida. E o mérito visual é engrandecido pelos cenários amplos, variados e cheios de detalhes que demonstram um bom trabalho na direção artística do game.
Apesar de contar com alguns cenários espaçosos, não há o que explorar em Rain. O game é extremamente linear e, estranhamente, os colecionáveis só aparecem depois que você termina a campanha. Uma medida estranha e que deveria ter sido implementada logo na primeira jogada. O jogo é relativamente curto e não há muitos motivos para voltar a jogar após seu término, exceto por tais itens colecionáveis – as memórias, que incrementam a história do jogo com detalhes sobre as personagens, cidade e outros elementos. Rain também é curto, quatro horas são mais do que suficientes para finalizá-lo.
O encerramento de Rain pode não preencher as expectativas de várias pessoas. Muitas coisas não são explicadas, existem alguns buracos na história que ficarão a cargo da interpretação dos jogadores. De qualquer modo, ainda se mostrou uma experiência bastante gratificante para mim.
Veredito
Rain é um jogo competente, mas que não se sustenta só pela sua jogabilidade e capricho técnico. Se a temática ou personagens não lhe interessarem, dificilmente haverá motivos para chegar ao fim da campanha. Contudo, se esse interesse ou curiosidade existirem, a jornada das duas crianças será no mínimo satisfatória. É também um game simples, fácil e curto, sendo bastante convidativo para diversos perfis de jogadores. Recomendado, sobretudo para aqueles que buscam por uma proposta original.
Jogo analisado com cópia digital adquirida na PlayStation Store.