Como fazer uma continuação para um jogo que não precisava de uma? Como dar sequência a uma história que se fechava em si mesma? Portal, o jogo original de 2007, foi uma das maiores surpresas da indústria na última decada. Lançado como "mais um" dentro do pacote Orange Box, que continha jogos com nomes de muito mais peso como Half-Life 2 e Team Fortress 2, Portal surpreendeu a todos e varreu o mundo ganhando prêmios de melhor jogo do ano. Com uma jogabilidade fantástica, humor impecável e uma história curta e sucinta na medida certa, Portal saiu da Orange Box diretamente para os corações dos jogadores e para os geradores de memes da Internet. A música de encerramento do jogo se tornou um clássico instantâneo.
Portal havia se estabelecido como um marco. Sua desenvolvedora, Valve, percebeu o potencial da série e tratou então de trabalhar em uma sequência, anunciada durante a E3 2010 na conferência da Sony, com quem até então não tinha uma relação muito amigável. Depois de 3 anos e meio, Portal 2 chegou às nossas mãos, e acreditem quando eu digo que valeu tanto a pena quanto a espera. Portal não precisava de continuação, mas Portal 2 veio e melhorou o jogo original em todos os sentidos possíveis. Nós só temos a agradecer por isso.
Para quem não conhece a série, em Portal você controla Chell, uma mulher presa em um laboratório, o Aperture Science Enrichment Center. Ela deve escapar do local enquanto interage com a inteligência artificial que o controla, chamada GLaDOS. Pode-se dizer que GLaDOS é a real protagonista do jogo, já que é a única que fala (Chell não fala, assim como Gordon Freeman de Half-Life), e quando ela fala você pára para escutar. Seu senso de humor negro (e por vezes até doentio) é fantástico e você passará a maior parte do jogo rindo das falas dela e de como ela despreza a sua existência.
Portal 2 manteve a qualidade altíssima das dublagens e do humor do original. As falas são afiadas e sempre apropriadas às situações que Chell enfrenta. Você irá parar de avançar em vários momentos do jogo só para escutar o que os personagens têm a dizer (recomendo ligar as legendas, já que muitos diálogos são extremamente rápidos e podem ser difíceis de entender só de ouvir). Além de GLaDOS temos Wheatley, um pequeno robô em forma de esfera com uma voz fantástica e um sotaque britânico impagável, e Cave Johson, fundador da Aperture Science dublado por J. K. Simmons, o J. J. Jameson dis filmes do Homem-Aranha e que também traz uma voz fantástica ao jogo.
A história é uma continuação direta da do jogo original, passando-se vários anos após o fim dele. A Valve conseguiu se sair bem ao dar continuidade para um final que não deixava muito espaço para tal. Portal 2 é um jogo maior que o original, com 6 a 8 horas de jogo dependendo da habilidade do jogador e que surpreende muitas vezes com reviravoltas na história que o fazem sempre pensar no que virá a seguir.
A jogabilidade continua afiada, com a física do uso de portais um pouco desafiadora de início mas que à medida que se avança no jogo se torna mais natural. Vários novos elementos são introduzidos no jogo, alterando radicalmente a forma de resolver problemas. No jogo original você possuía apenas seus dois portais e alguns cubos para pressionar botões. Em Portal 2 você terá eles, lasers que ativam interruptores, cubos que desviam lasers, uma ponte de "luz sólida", funis de amianto líquido que o fazem fluturar pelos cenários, além dos géis azul e alaranjado que o fazem pular e acelerar, respectivamente. Cada um desses elementos é introduzido com calma para o jogador se acostumar com eles, para então o jogo apresentar desafios que misturam todos eles e que o fazem pensar muito e ser rápido e preciso no uso dos seus portais. Resolver os desafios está ainda mais gratificamente do que no jogo original.
Visualmente, Portal 2 é a prova de que bons gráficos não dependem somente de tecnologia, mas principalmente de uma direção de arte afiada, e isso a Valve sempre teve de sobra. O motor gráfico de Portal 2 é a Source Engine, que existe desde o início dos anos 2000 quando Half-Life 2 foi lançado e que sofreu apenas atualizações ao longo desses anos, não uma refatoração completa. Portal 2 pode não ser impressionante como um Uncharted ou Killzone mas os cenários são todos bonitos e os efeitos de luz e sombras são simplesmente fantásticos, sem contar a simulação de física que impressiona com salas inteiras que se retorcem e quebram de forma realista. Contudo, as texturas continuam sendo um problema da Source. Se você chegar perto de uma parede que de longe parecia bonita verá que a textura é de baixa resolução e é realmente feia se vista de perto.
Outro ponto em que a Valve é praticamente imbatível é o design de fases. Cada sala de Portal 2 foi cuidadosamente planejada e criada, permitindo que você explore cada canto dela e, caso vá para algum lugar que não deveria, volte para onde deveria. Você raramente ficará perdido no jogo (talvez apenas em salas maiores, mas mesmo nelas há indicativos visuais como luzes mostrando o que se deve fazer) e poderá dedicar o seu tempo a pensar em como resolver os desafios.
Um dos pontos em que Portal 2 peca é na quantidade de loadings. O jogo possui muitos loadings, praticamente a cada desafio que você completa, e nos primeiros isso pode ser realmente chato. Você leva poucos minutos pra resolver um puzzle e então deve esperar por vários segundos até que a próxima sala seja carregada, para então resolvê-la rapidamente e enfrentar mais loadings. A Valve poderia ter aprendido uma lição ou outra com Dead Space 2 ou com praticamente qualquer jogo de mundo aberto e implementado um sistema de carregamento por streaming, que não interrompe o jogo e permite que ele seja muito mais fluído.
Além do modo para um jogador, que já valeria a continuação, Portal 2 possui um modo cooperativo para duas pessoas que consegue ser ainda melhor que o modo solo. Cada jogador controla um dos dois robôs, Atlas e P-Body, e deve resolver 5 câmaras de testes, cada uma com diversos desafios. Esse modo renderá mais umas boas 4 horas de jogo, e os desafios realmente exigem muita cooperação e diálogo constante entre os dois jogadores para entender e vencer os desafios. A comunicação entre os jogadores é fundamental, e mesmo sem um microfone é possível se comunidar com o outro jogador usando uma ferramenta que "aponta" para onde se quer que o outro olhe. O co-op também é cheio de detalhes legais, como os gestos que se pode fazer com os robôs: dar tchauzinho para as câmeras da GLaDOS, jogar pedra, papel e tesoura com seu amigo e até abraçar ele.
Esse modo pode ser jogado em tela dividida, mas os gráficos e a taxa de quadros por segundo sofrem uma queda significativa, além do espaço da tela ser muito pequeno para poder ver bem os ambientes. O co-op é muito melhor se jogado online e com um headset, e é aí que entra outra característica sensacional do jogo: a integração com o Steam. Para quem não sabe, o Steam é a plataforma de distribuição de jogos da Valve para PCs e Macs, e na versão de PS3 ela permite que você veja não somente os seus amigos da PSN mas também os do Steam, e permite que você jogue com eles contando inclusive com chat por voz. Em todos os meus testes, jogando com um amigo na PSN ou em um PC, o jogo rodou perfeitamente liso, sem lag e com qualidade boa de som.
Vale ressaltar também que a versão de PS3 de Portal 2 vem com um cupom para baixar o jogo no Steam de graça, fazendo essa versão ser a mais interessante para se comprar. Ao usar o código ele será vinculado à sua conta da PSN e do Steam, então você não pode jogar no PS3 enquanto seu irmão ou outro joga a sua versão no PC.
Os loadings no co-op novamente incomodam, por serem muitos e ainda mais demorados que no modo de um jogador. Outro ponto chato é que durante os loadings o jogo interrompe o canal de áudio entre os jogadores, então caso você queira conversar com seu amigo depois de um puzzle desafiador, terá que esperar até a próxima sala ser carregada. Todos os grandes jogos multiplayer online com suporte a voz permitem que se converse nas telas de carregamento, então é uma pena que a Valve tenha deixado isso de fora.
Também deve ser mencionado que o jogo possui alguns bugs. Jogando no modo cooperativo, eu e meu amigo resolvemos todos os testes da câmara 3 juntos, e ao final, ao voltar para o lobby, por algum motivo o jogo não registrou que eu havia completado o teste 5, e o fez para meu amigo. Como fizemos todos os testes juntos isso não faz sentido. Fomos novamente no mesmo teste e depois de completá-lo retornamos ao lobby, e o erro persistia. Tentamos mais uma vez, com a esperança já diminuída, e eis que finalmente o jogo registrou o teste como completado. É um erro pequeno, mas que irrita bastante na hora e pode ser ainda pior se acontecer com mais jogadores em mais testes.
Mesmo com esses problemas, Portal 2 é um jogo espetacular. A narrativa sutil do modo de um jogador, com o narrador sempre conduzindo você pelas salas e com os detalhes e segredos que estimulam a exploração minuciosa de cada canto, faz a experiência de jogar Portal 2 ainda melhor do que jogar o original. O modo cooperativo muda significativamente a forma de resolver os desafios, que no fim das contas são mais difíceis e por isso melhores que aqueles do modo solo. Com novos mapas feitos pela própria Valve vindo em breve, Portal 2 ainda tem muito a oferecer, e ninguém em sã consciência deveria deixar de aceitar essa oferta.
Sejamos honestos: se você já jogou <i>qualquer coisa</i> feita pela Valve, você ficou apaixonado pela produtora. Half-Life, Team Fortress, Left 4 Dead… a lista da Valve é feita exclusivamente de "Triplos As", e o primeiro Portal não foi diferente. Talvez seja por isso que, quando o próprio Gabe Newell anunciou, na E3 2010, que Portal 2 viria também ao PS3, ficamos tão animados.
Portal 2 é um pacote completo. Ótimos gráficos (é impressionante o que a Valve ainda consegue extrair da Source Engine), músicas excelentes e dublagem impecável. O Single Player possui ótimo enredo, o Co-Op guarda os melhores puzzles e os personagens em ambas as campanhas são excelentes, dos simpáticos robôs Atlas e P-Body aos Turrets defeituosos. Entretanto, talvez a melhor parte de Portal 2 seja como ele faz você se sentir inteligente, fazendo com que o ato de descobrir aos poucos as soluções para cada puzzle seja extremamente gratificante. Nenhum dos puzzles é particularmente "difícil", mas a solução é suficientemente escondida para satisfazer o jogador, e esse equilíbrio é algo que poucos jogos conseguem
O primeiro Portal era uma espécie de "jogo-conceito", curto e conciso para mostrar suas mecânicas. Portal 2 expande sobre o que o primeiro fazia e adiciona mais elementos. É irônico, então, que minha única crítica ao jogo sejam os puzzles. Não, eles não são ruins – longe disso -, mas existem tantos elementos novos (gel vermelho, gel azul, pontes, funis) que alguns acabam sendo excessivamente utilizados, em detrimento dos outros. No mais? Portal 2 é espetacular do começo ao fim.
— Resumo —
+ Personagens excelentes
+ Dublagens impecáveis
+ Novos mecanismos para os desafios
+ Cooperativo local e online
+ Integração com o Steam para jogar online
+ Versão de PS3 vem com a versão de Steam de graça
– Loadings
– Texturas de baixa resolução
– Pequenos bugs