Dead Space é provavelmente minha série favorita dessa geração, e a prova pode ser encontrada nas análises do site: as de Dead Space, Dead Space 2, Dead Space Extraction, Dead Space 2: Severed e até do abismal Dead Space Ignition foram todas escritas por mim. Pode-se imaginar, portanto, a enorme expectativa que eu tinha para Dead Space 3. Seria ele tão bom ou melhor que os dois jogos principais da série? A resposta curta é: sim em alguns aspectos, mas não em todos. A resposta longa você vai encontrar lendo esta análise.
Dead Space 3 (DS3) se passa alguns meses depois de DS2. Isaac está foragido, escondendo-se de tudo e todos em uma colônia na Lua. Ele está cansado da luta contra os Unitologistas e os Necromorphs e abandona seus esforços e sua companheira, Ellie. Os dois iniciaram um relacionamento depois de fugirem da Sprawl, mas a desistência de Isaac o encerrou prematuramente. A sua reclusão, contudo, não dura muito. Ele é localizado por um grupo de soldados, liderados pelo Capitão Robert Norton e pelo sargento John Carver. Norton informa que conhece Ellie e recentemente perdeu todo contato com ela, e que ele sabia que Isaac poderia ajudá-lo a encontrá-la.
Porém, Norton e Carver não são os únicos em busca de Isaac. O líder dos Unitologistas, Jacob Danik, está atrás de Isaac para poder matá-lo e impedir que ele continue a destruir os Markers. O jogo começa, então, com a fuga de Isaac dessa colônia, e o saldo final dessa introdução é que o jogo não poderia começar de forma mais anti-climática. Esse início é muito chato, a interação entre os personagens é ruim e forçada, a postura de Isaac não condiz com quem ele era em DS1 e DS2 e tudo parece “fora do lugar”.
Você enfrenta soldados armados que jogam granadas em você, fazendo-o se sentir em um jogo de tiro em terceira pessoa (TPS, na sigla em inglês) genérico. Até alguns comandos novos típicos de TPS são acrescentados ao seu repertório, como rolar para os lados e agachar para se proteger dos tiros atrás de barreiras. Em certo momento Isaac até fala sozinho e faz uma piadinha pra ele mesmo, no estilo de Nathan Drake da série Uncharted. Ao terminar esse “primeiro ato”, minha decepção não poderia ser maior.
Felizmente, o jogo me enganou. Toda essa parte da colônia da Lua era só uma brincadeira (de mal gosto). O jogo começa de verdade no segundo ato, quando Isaac e seus novos companheiros usam uma nave para chegar até a origem da última transmissão de Ellie, na órbita do planeta Tau Volantis. Lá eles encontram Ellie e sua equipe e… algo mais. Apesar do reencontro com Ellie ser bastante sem graça, muito aquém do que eu esperava, o jogo fica absurdamente melhor quando você finalmente fica sozinho e começa a enfrentar os Necromorphs em corredores escuros e salas claustrofóbicas.
As missões que se passam na órbita do planeta e nas várias naves destruídas que estão abandonadas ali são a melhor parte do jogo, e ouso dizer que são as melhores missões de qualquer Dead Space. Em especial, as partes em que você deve navegar pelo espaço, explorando as várias naves, podendo ir e voltar entre várias delas à vontade, enquanto maneja o seu oxigênio e inimigos que aparecem de surpresa e não fazem nenhum som, são sensacionais. Os controles de vôo de Dead Space são ótimos e a sensação de liberdade que eles dão é inigualável. Controlar o seu personagem na órbita de um planeta, sozinho, ouvindo só a sua respiração e indo para onde bem desejar: Dead Space 3 deveria ser todo assim.
Também é a partir desse segundo ato que eu posso afirmar: Dead Space 3 é muito bonito. Os gráficos que já eram bons nos dois outros jogos principais aqui se destacam mais ainda. Os efeitos de iluminação são fantásticos, as luzes e sombras se alteram e criam os ambientes perfeitos para a exploração tensa característica da série. O modelo de alguns personagens, como a Ellie e o Norton, não ficam no mesmo nível, mas felizmente Isaac e Carver são muito bem feitos e a atuação deles convence.
A jogabilidade de DS3 muda um pouco em relação à de DS2. Isaac ainda é “pesado” e se movimenta com um certo atraso, justificado pelo peso de sua armadura. Poderes característicos da série, como stasis e kinesis, também estão de volta e ajudam a diversificar o combate. Ainda é possível equipar armas diferentes e cada uma delas tem uma função primária e secundária, mas as semelhanças param por aí.
DS3 implementa um sistema de construção de armas e itens à série e o resultado é excelente. Antigamente, o jogador acumulava créditos e diagramas (blueprints) para comprar ou montar os itens prontos. Agora, você deve encontrar peças e matérias-primas e a partir delas montar o que quiser. Há dois tipos de armas, as mais leves que podem ser usadas com uma mão e as mais pesadas, que exigem duas mãos.
Depois de escolher o tipo você pode montar a sua arma como quiser. As armas são divididas em parte superior e inferior e você pode colocar um “módulo de disparo” diferente em cada parte. Quer ter um rifle na parte de cima e um lançador de foguetes na parte de baixo? Sem problemas. Quer uma espingarda e uma serra elétrica? Fique à vontade. Além de poder combinar praticamente quaisquer dois módulos, você ainda pode customizar a ponta de cada um deles para gerar disparos com efeitos diferentes e também pode adicionar dois modificadores para efeitos diversos (adicionar efeitos de ácido, fogo ou stasis aos disparos, por exemplo).
Para completar, existem circuitos que aumentam os status da arma (dano, tempo de recarga, taxa de disparos e tamanho do pente) e elessão encontrados pelos cenários e também podem ser construídos com as matérias-primas adequadas. Com todas essas novidades, uma característica da série foi extinta: não há mais Power Nodes em DS3, mas eles acabam não fazendo falta. Esse sistema novo é realmente muito bom e permite que você experimente o tempo todo com novas armas e novos modificadores.
Uma consequência dessa liberdade é que, ao contrário dos jogos anteriores, agora você só pode equipar 2 armas ao mesmo tempo, ao invés de 4. Contudo, como cada arma pode ter 2 módulos, você pode compensar isso criando armas que se adequem ao seu estilo de jogo. O legal é que ainda é possível construir todas as armas encontradas em DS1 e DS2, exatamente como eram antigamente, bastando combinar os elementos corretos ou encontrando os diagramas para elas. Plasma Cutter, Force Gun, Pulse Rifle, Ripper, Flamethrower, Javelin Gun, Seeker Rifle… O limite é a sua criatividade.
Vale ressaltar que o jogo oferece uma área especial para você criar e customizar livremente as suas armas, acessível através do menu principal, com munição infinita e spawn de inimigos para teste. E, falando em munição, agora ela é universal, ou seja, só há um tipo de munição para todas as armas, e cada uma usa uma certa quantidade de balas para dar um disparo. Por exemplo, um tiro com a Plasma Cutter usa 1 bala, enquanto um tiro da Line Cutter usa 4. Isso tira um pouco da estratégia de manejar o inventário para acomodar os diferentes tipos de munição, mas com a customização de armas essa é uma mudança compreensível.
Cada arma montada é visualmente única, sendo possível identificar cada parte usada para a sua construção quando você a utiliza. Assim como nos outros, cada arma tem sua animação de ativação, abrindo-se e entrando em posição de disparo. São pequenos detalhes que fazem a diferença. Legal também é o fato de que você pode criar um diagrama das suas obras-primas para criar uma arma novamente, caso a desconfigure, e pode compartilhá-lo com seus amigos durante um jogo cooperativo. Seria legal se os diagramas pudessem ser enviados como anexos de mensagens da PSN, mas a falta disso não prejudica nada.
Assim como as armas, também é possível customizar as armaduras. Conforme você progride no jogo novas roupas são destravadas, e no geral elas são bonitas e variadas. Você pode melhorar os atributos das armaduras como pontos de vida, quantidade de oxigênio, duração e carga do stasis, etc., utilizando as mesmas partes e peças usadas para a customização das armas, e os upgrades se mantém mesmo se você trocar de armadura. Mais de 10 armaduras diferentes podem ser obtidas no jogo, e aqueles com um save de Mass Effect 3 no disco do videogame ganham uma bela armadura inspirada na do Comandante Shepard.
Outra boa adição de DS3 são as missões opcionais. Em diversos pontos do jogo você é avisado de que pode cumprir um objetivo que não é obrigatório, mas que ajuda a expandir a história do jogo e que geralmente fornece bons itens para a customização das suas armas. Essas missões são simples e podem ser completadas em alguns minutos, mas no geral são divertidas.
Para aqueles cansados de desmembrar Necromorphs sozinho, Dead Space 3 introduz um modo cooperativo para a campanha principal. Ao contrário do componente online de DS2, que trazia um multiplayer forçado e feito apenas para cumprir tabela, o cooperativo de DS3 é extremamente bem feito e percebe-se que foi pensado desde o princípio, e não foi algo feito às pressas.
Todo o modo principal pode ser jogado sozinho ou de forma cooperativa com outro jogador. Quando se joga sozinho, apenas Isaac aparece como personagem principal, não há um segundo personagem controlado pela I.A. do jogo. No co-op, o usuário que iniciar a partida controlará Isaac e o outro ficará com Carver. O jogo todo muda quando se joga em co-op: os dois personagens estão sempre em cena e travam diálogos que não existem quando se joga sozinho. Os puzzles são alterados e exigem que os dois jogadores se ajudem para resolvê-los. É possível fazer trocas rápidas e fáceis de itens entre os jogadores, e ainda por cima há missões opcionais exclusivas para o co-op que ajudam a explorar o passado de Carver e os problemas que ele enfrenta. Esse é um dos raros exemplos de componente online que é bem vindo em um jogo tradicionalmente single-player.
Eu já mencionei um pouco da história do jogo, mas vale a pena falar um pouco mais dela, pois é um dos aspectos mais fracos do jogo. Dead Space sempre se firmou em uma boa mitologia própria, e o universo criado pelos dois primeiros jogos era muito bom nesse aspecto. Contudo, em DS3 a história ficou um pouco… bagunçada, e eu não gostei de alguns rumos que ela tomou no decorrer do jogo. Um triângulo amoroso absurdo é enfiado goela abaixo no meio do jogo e o resultado dele não só é previsível como é bobo. É algo totalmente dispensável, e uma mancha para a série.
Não só a história do jogo sofreu de descaracterização. Infelizmente algo que foi alardeado por alguns antes do lançamento do jogo se tornou realidade: Dead Space 3 é mais um jogo de tiro do que um Survival Horror. Não se engane: ainda há momentos de tensão, corredores apertados e escuros, inimigos surgindo por todos os lados, ataques de surpresa e tudo mais, mas depois de 2 jogos esses “mecanismos de terror” já estão bastante previsíveis.
O que machuca de verdade o jogo é a diminuição da sensação de imersão. O Dead Space original fez isso melhor do que a sua continuação: você era um engenheiro, uma pessoa comum colocada em uma posição impossível, e tinha que fazer de tudo para sobreviver. Isaac nem falava no jogo, seguindo a linha do “protagonista silencioso” dos jogos da Valve e da série Zelda, colocando você no papel do protagonista e preenchendo os vazios com a sua imaginação. Em retrospecto, Dead Space é um jogo magnífico e que merece muito mais reconhecimento do que teve.
Dead Space 2 aumentou o escopo da série, adicionou uma voz a Isaac, mas ainda manteve o espírito do seu antecessor. Ainda havia tensão, ainda havia suspense, e diversas novidades fizeram o jogo parecer “novo”. Em Dead Space 3 eu não senti nada disso. Eu não me senti “na pele” de Isaac; eu me senti como alguém guiando ele através de corredores e mais corredores de inimigos.
Um exemplo simples que ajuda a explicar o que eu quero dizer por imersão: em DS1 e DS2 o design de áudio é simplesmente soberbo. Você estava sempre sozinho, isolado, comunicando-se esporadicamente com alguém via rádio. O jogo era silencioso, com quebras de silêncio geralmente causadas pela aparição de algum inimigo.
A sua única companhia de todas as horas era a sua armadura: aquela voz que narrava quando você entrava e saía de áreas de vácuo e de gravidade zero era a sua parceira permanente. Ela fazia você se sentir dentro do jogo e ajudava a criar um laço de preocupação com o personagem: seu único amigo era um computador.
Em Dead Space 3 essa voz praticamente não existe. Eu joguei tudo que o jogo oferece, e por algum motivo bizarro a voz só aparece quando você entra no vácuo de uma sala de uma missão opcional e quando fica sem gravidade em uma sala próxima do final. No restante do jogo há falatório o tempo todo, Isaac nunca está realmente sozinho, e a presença de outro jogador no co-op, por melhor que o modo seja, tira totalmente a tensão do jogo.
A sobrevivência do personagem também fica em segundo plano em DS3, enfatizando o aspecto de TPS. O jogo oferece toneladas de itens de recuperação a cada sala visitada e a cada inimigo derrotado. Eu nunca fiquei sem itens de recuperação de energia, de stasis ou de munição durante todo o jogo. Na verdade, no cofre que o jogo oferece para você estocar itenas que não quer usar eu tinha centenas de medpacks e munição sobrando.
A presença de itens a serem comprados por microtransação também ajuda a diminuir a imersão do jogo, como eu mencionei em meu artigo sobre o tema. Você não é mais um engenheiro sozinho em um lugar desconhecido, tendo que sobreviver. Você é um jogador que pode comprar itens e armas melhores com dinheiro de verdade, atuando como um deus no jogo, segurando a mão do personagem nos momentos difíceis. A cada tela de criação que você abre a opção de adquirir DLCs aparece com destaque, lembrando você de que isso é apenas um jogo, e que ele quer mais do seu dinheiro.
O sistema de saves também foi alterado, e para mim a mudança foi para a pior. Agora não há mais save points e todo o salvamento do jogo é automático e feito em lugares pré-determinados. Não há mais a tensão de andar até um save point, sob o risco de ser surpreendido por mais um inimigo escondido e morrer. Agora, caso você morra, apenas volta para o checkpoint mais recente. O jogo oferece alguns slots para você escolher no começo, mas dentro de um slot você só pode salvar 1 vez, sendo que cada save sobrescreve o anterior. Para piorar, o jogo nem deixa você copiar um desses slots para outro vazio, em uma decisão de design que não faz sentido nenhum para mim.
Mesmo com essa grande quantidade de mudanças e de problemas, Dead Space 3 é um bom jogo. Ele falha em vários aspectos, mas ainda assim ele me prendeu por um bom tempo. Meu primeiro jogo foi terminado em quase 20 horas e com 91% dos colecionáveis. Ainda há muito o que conquistar, e felizmente o jogo oferece uma seleção de missões para você voltar àquela que desejar, contando inclusive com seleção de checkpoints dentro de uma missão, para você poder voltar para um ponto bem específico. Sem esquecer que o co-op oferece uma experiência diferente e pode render mais umas boas horas de jogo.
Além dos incentivos para completar com 100%, como novas partes de armas e novas armaduras, quatro modos extras são habilitados depois que você finaliza o jogo pela primeira vez. O New Game + permite que você recomece o jogo com todas as suas armas e itens obtidos anteriormente. O Classic Mode trava o jogo na dificuldade Hard, proíbe o co-op, faz o sistema de mira voltar a ser como o do Dead Space original e não permite a customização de itens; tudo deve ser criado a partir de diagramas. No Pure Survival você joga no Hard e nenhum inimigo deixa nenhum item ao ser derrotado; você deve construir tudo o que usar, de medpacks a munição. Por último, retornando de DS2 tem-se o Hardcore, no qual você também joga no Hard e não pode morrer nenhuma vez; caso morra, voltará para o início do jogo e perderá tudo. Para quem gostar do jogo, opções não vão faltar.
Dead Space 3 pode não ser o jogo que eu esperava que fosse, mas ainda assim é um jogo que conseguiu prender a minha atenção e que merece uma boa recomendação. É um jogo com uma boa duração, com vários estímulos para ser jogado diversas vezes, com um excelente sistema de criação e customização de armas e com algumas missões realmente memoráveis. A história fraca, o foco maior em tiroteios do que em sobrevivência e tensão e algumas outras descaracterizações da série são pontos que entristecem, mas eu ainda acredito na série e ainda tenho esperança de que a estrelinha dela pode brilhar muito lá no céu.
— Resumo —
+ Gráficos e efeitos de iluminação
+ Criação e customização de armas
+ Co-op funciona bem
+ Missões opcionais
+ Diversas armaduras para obter
+ Novos modos destravados ao zerar
+ Centenas de colecionáveis, para os completistas
+ Possui algumas das melhores missões da série
– Muitas descaracterizações da série
– Foco maior em tiro do que em sobrevivência
– História fraca
– Interações bobas entre alguns personagens
– Novo sistema de saves
– Falta de imersão no universo do jogo
Veredito
80