Há algo de especialmente poético e irônico em, quando finalmente temos o lançamento no Ocidente de Trials of Mana em alguma das suas formas, o jogo ser ofuscado por um outro remake ainda maior (e, francamente, mais importante) produzido pela sua própria desenvolvedora em Final Fantasy VII Remake, ainda mais quando consideramos que a franquia começou como um spin-off de Final Fantasy e aos poucos foi criando sua própria identidade.
Tradicionalmente conhecido pelos seus dois primeiros jogos lançados por aqui, Final Fantasy Adventure,posteriormente refeito para o PS VIta como Adventures of Mana, e Secret of Mana, uma espécie de hit mais cult do SNES, sempre houve um último jogo da trilogia original de Seiken Densetsu (nome japonês da franquia Mana) que nunca havia chegado por aqui: Seiken Densetsu 3, agora conhecido como Trials of Mana.
Buscando fechar essa lacuna na franquia, a Square Enix relançou o jogo original como parte da Collection of Mana para Nintendo Switch e deu ao jogo o mesmo tratamento que os seus dois antecessores: um remake completo em 3D, nos mesmos moldes do que vimos chegar ao PS4 em 2018, incluindo a mesma estética, motor gráfico e engine, mas com o grande diferencial de ser uma experiência que quase ninguém havia tido ainda.
Como o jogo original, esse remake de Trials of Mana traz um novo conto sobre a lendária espada Sword of Mana e as ameaças que o seu mundo enfrenta em razão de forças malignas buscando tomar controle sobre a espada e moldar o mundo diante da suas vontades, com apenas um pequeno grupo de heróis sendo capaz de salvar o mundo das forças do caos, tudo envolto em um RPG de Ação bem leve com um estilo gráfico bastante fofo.
Esse grupo de heróis é o que torna Trials of Mana lendário entre fãs de RPGs, dada a vasta profundidade de história que o jogo possuía por contar com um grupo bem diverso de protagonistas. Ao iniciar a campanha, o jogador precisa escolher um entre seis personagens como o protagonista da história e outros dois como seus companheiros que farão parte da sua equipe por toda a duração da história, com cada um desses potenciais protagonistas possui uma vantagem em relação aos demais.
Angela é a princesa do Reino Mágico de Altena, sendo a principal usuária de magia elemental entre os seis; Duran é um mercenário do reino de Valsena, servindo lealmente ao Hero King com sua espada e sendo o principal combatente corpo-a-corpo; Hawkeye é um ladrão ostracizado de Nevarl, ágil no uso das suas adagas; Riesz, princesa do Reino de Laurent e capitã do exército das Amazonas, equilibra o uso de sua lança com habilidades poderosas; Kevin é o príncipe do reino dos Beastmen, Ferolia, se valendo das suas garras e habilidade de se transformar a noite para causar muito dano físico; e Charlotte, a neta do Priest of Light, que parte em sua jornada para encontrar o clérigo Heath com o auxílio das suas habilidades de cura.
Cada um desses personagens traz uma história completamente diferente e mudar um só dos personagens traz uma perspectiva completamente diferente e uma série de pequenas interações distintas entre os personagens, já que cada um possui uma personalidade completamente diferente para a equipe, o que acaba resultando num “fator replay” gigantesco para o jogo.
Ainda assim, considerando que cada dois possíveis protagonistas estão ligados a um dos três vilões do jogo e as maquinações ligando dois dos reinos existentes no mundo, é sempre recomendado manter um equilíbrio entre os membros da equipe. Duran e Angela te permitirão ver a história do Crimson Wizard, Kevin e Charlotte te colocarão em conflito com Goremand e Hawkeye e Riesz te verão partindo em busca da Belladonna.
Escolher dois protagonistas ligados ao mesmo vilão (como, no meu caso, Hawkeye e Riesz) poderão te fazer passar completamente batido por todo um arco da história, enquanto reforçarão as interações entre os personagens no que se refere aquele arco em específico. Ainda assim, a história principal não será alterada por isso, uma vez que o plot geral sofre alguns pequenos ajustes em relação aos personagens, mas é, em sua estrutura básica, a mesma.
Nela, vemos o protagonista selecionado sendo escolhido por uma Faerie para ajudá-la em uma jornada fundamental para salvar o mundo, uma vez que a força que o mantém funcionando, a Mana, está sendo drenada por um motivo desconhecido e somente o herói escolhido para empunhar a Sword of Mana poderá acordar a Goddess of Mana e restaurar a ordem do mundo ao que ela deve ser.
O equilíbrio do universo aqui é mantido através de oito rochas conhecida como Mana Stones, cada uma ligada a um dos oito elementos daquele mundo: Água, Fogo, Terra, Vento, Luz, Sombras, Madeira e Lua, cada qual sendo protegida por um elemental correspondente e com um monstro poderoso, conhecido como Benevodon, atrelado a ela e que foram selados nessas rochas pela Goddess of Mana após quase destruírem o mundo.
Para conseguir chegar a Goddess of Mana, os protagonistas decidem então reunir todos os elementais e usar os seus poderes para alcançar o Sanctuary of Mana, recuperar a espada e pedir ajuda a deusa. Contra eles, está uma força maligna da qual os três vilões principais fazem parte, os quais estão lutando para ativar as Mana Stones e libertar os seus Benevodons para, então, dominarem o mundo.
É um plot surpreendentemente complexo e muito, muito divertido para um jogo que é, ostensivamente, mais voltado para crianças, sendo uma opção surpreendentemente sólida para jogadores que queiram se divertir e apresentar ao gênero aos seus filhos, visto que a forma como ela vai se construindo e desenvolvendo é fácil de compreender mas consegue te prender até o seu fim e te manter sempre interessado nos seus próximos passos, o que é exacerbado pelos seus personagens carismáticos e bem construídos.
Aliás, esse ar de ser um jogo mais acessível para jogadores mais novos (um outro interessante contraste com Final Fantasy VII Remake) também fica bem claro nos aspectos técnicos do jogo. O primeiro deles é o quão colorido e visualmente atrativo o jogo é. Todos os ambientes contam com cores fortes, realçadas pelo estilo gráfico mais cartunesco adotado aqui, com todos os personagens tendo traços mais exagerados e mais chibi, mantendo sempre um ar mais “fofo”, até mesmo para os inimigos mais ameaçadores, e contando sempre com efeitos visuais chamativos para sempre te manter preso.
Talvez o ponto onde acessibilidade para jogadores mais novos tenha recebido o maior foco foi no seu combate. O Trials of Mana original já é um jogo relativamente simples em comparação com os padrões modernos de JRPGs, mas esse remake se vale disso para reforçar as qualidades que o jogo tem e incluir algumas novidades relativamente bem-vindas.
Como um bom e tradicional RPG de Ação, o jogador tem acesso a ataques fracos e fortes, sendo possível combiná-los para causar ainda mais dano, além de um ataque carregado. Os ataques especiais ficam por conta das Class Skills, habilidade poderosa vinculada a classe do personagem e que precisam que a CS Gauge seja preenchida (o que é feito derrotando inimigos e usando o ataque forte), e dos Moves, ataques e magias que podem ser destravadas com o progresso pela história e evolução dos personagens.
É um sistema de combate bem simples e fácil de se aprender, com o jogo te permitindo vincular itens, Moves e Class Skills a atalhos acessados com L1 e R1 ou parar toda a ação ao acessar a roda de itens (direcional pra cima) e Moves (direcional para baixo) para usar os ataques, se curar ou o que for necessário em combate.
Além disso, enquanto o jogador controla apenas um personagem por vez, ele não fica preso só ao seu protagonista, sendo possível alternar entre os personagens com L2 e R2, algo que será necessário nos combates contra inimigos mais poderosos. Já o comportamento dos personagens controlados pela IA pode ser influenciado ao se estabelecer parâmetros e tendências a serem seguidas no menu do jogo.
É um sistema bem divertido, mesmo que simplório, não havendo sistema de defesa, parry ou algo que o valha, com muita da estratégia vindo apenas sobre como usar magia para explorar fraquezas e quem e como atacar primeiro, com alguns inimigos contando com barreiras a serem quebradas, inimigos aéreos que precisam que o jogador pule e ataque (uma das novidades do remake) e coisas do tipo, mas nada realmente muito desafiador. Ademais, como os inimigos respawnam rápido, é bem fácil subir de nível e logo você se encontrará consideravelmente mais forte que os inimigos daquela área.
O sistema de progressão, aliás, é outro ponto simples mas bem intuitivo e que, novamente, contribui para a sensação de que o jogo foi feito com novos jogadores em mente. As estatísticas dos personagens são divididas em cinco categorias: Strength, Stamina, Intelligence, Spirit e Luck. Ao subir de nível, o jogador recebe Training Points que podem ser colocados nessas características e ao alcançar determinadas quantidades de pontos, alguns bônus, novas habilidades e movimentos são destravados e podem ser equipados e usados em combate.
Por fim, o jogador tem acesso ainda a novas classes à medida que o personagem evolui. Enquanto o jogo tradicionalmente já possuía uma 2ª e 3ª Classes para cada personagem, com o jogador escolhendo entre seguir a linha da Luz ou das Sombras para aquela classe, o remake acrescentou uma 4ª Classe de personagem, vinculada ao novo capítulo incluso após o final da história original.
As habilidades aqui funcionam um pouco diferente, sendo bônus que podem ser equipados pelos personagens como se fossem itens e dão determinados bônus em combate. Adquirir novas habilidades é um dos principais focos da exploração do jogo, já que vários NPCs pelas cidades do jogo lhe concedem novas habilidades ao falar com eles, não havendo qualquer indicativo sobre com quem falar, te forçando ao bom e velho “fale com todo mundo sempre”.
Isso funciona em conjunto com a necessidade de explorar cada pedaço de terra atrás do Lil’ Cactus, um personagem que aparece em locais inusitados e vai te concedendo bônus importantes após ser encontrado determinada quantidade de vezes (de descontos nas lojas à bônus de EXP), além das óbvias necessidades atreladas a troféus caso você planeje platinar o jogo.
Infelizmente, o grande problema técnico do jogo aparece aqui e é um bem familiar para quem tem experiência com o sub-gênero: a câmera. A decisão de abandonar a visão superior em prol de uma visão em terceira pessoa já vem com todo um potencial e seus próprios desafios e, no geral, realmente melhorou bastante a exploração das áreas do jogo. No entanto, como a defesa em Trials of Mana depende da esquiva, logo você se verá pulando por todo o mapa e a câmera tem dificuldades de seguir isso, especialmente quando a trava de mira está ativada, tornando a câmera em combate bastante problemática.
A outra clara limitação do jogo é a sua estrutura, com os mapas sendo divididos em várias sessões quebradas de corredores e com algumas cidades um pouco mais expansivas onde o jogador pode conversar com outros moradores, comprar itens, se recuperar, etc. Essa estrutura em si não é um problema, mas leva a uma série de loadings que vão quebrando o ritmo do jogo constantemente.
Mesmo com isso, as alterações feitas para esse remake em 3D, da estética do jogo aos ajustes feitos para o combate em 3D, com a inclusão da esquiva, ataques aéreos e combos, foram um sucesso e são exacerbados pelos pequenos toques nostálgicos, como a trilha sonora refeita pelo compositor original, Hiroki Kikuta, para coordenar a remasterização da OST do jogo. O problema mesmo talvez fique por conta da retirada do multiplayer que existia no original, algo que o tornaria ainda mais interessante para jogadores querendo ter a experiência com seus filhos.
No geral, Trials of Mana é um ótimo JRPG, que refaz com bastante cuidado e carinho o jogo original, e serve como uma bela porta de entrada para novos jogadores interessados no gênero mas que não estão na idade (ou simplesmente não tem interesse) em experiências mais sombrias, mas funciona igualmente bem para os veteranos que querem algo mais confortável e leve nesses tempos mais sóbrios no mundo ou que querem algo mais confortável após a intensa jornada por Midgar naquele outro remake.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Square Enix.
Veredito
Trials of Mana é surpreendentemente divertido, leve e cativante, mesmo que acabe sendo afetado por suas várias limitações técnicas. Ainda assim, o remake traz ótimas novidades e deverá agradar tanto aos poucos que tiveram contato com o original, quanto os novatos, ainda mais se estiverem procurando por um JRPG mais leve para esquecer do mundo lá fora.
Veredict
Trials of Mana is surprisingly fun, light and captivating, even if it ends up being held back by its many technical limitations. Even then, the remake brings great new additions and should make those few who played the original and newcomers both happy, even more if they are looking for a light-hearted JRPG to forget the world outside.