Simuladores de construção não são exatamente uma novidade nos mundo dos videogames. A adição de mecânicas de sobrevivência, reiteração e elementos gerados proceduralmente também não surpreendem mais ninguém. Mas ora ou outra surgem propostas que conseguem se apropriar de tais componentes para oferecer uma experiência diferente e inovadora. Unrailed! é uma dessas oportunidades que conseguem, por meio de ferramentas simples e descomplicadas, seduzir e nos deixar vidrados por um bom tempo com a simples missão de não deixar um trem descarrilhar.
A intenção, portanto, está longe das complicações narrativas da indústria mainstream. Você é basicamente um operário muito dedicado, parte de uma equipe com quatro integrantes que tem a nobre missão de continuar construindo módulos de trilhos para que uma locomotiva, já em movimento, continue seu caminho até alcançar a próxima estação. Para tanto, deverá coletar recursos – sobretudo, madeira e ferro – pelo cenário, encaixar em uma espécie de mini-fábrica em um dos vagões do próprio trem, e montar o caminho para que se alcance a próxima estação, e depois a próxima, e a próxima, tomando cuidado com obstáculos e acidentes naturais.
Falando desse jeito, parece um propósito bastante simples, certo? Bem, realmente, o é. Claro que haverá, nesse meio tempo, alguns complicadores, como a necessidade de pontes para se atravessar rios ou penhascos, ou fazer curvas estranhas para contornar montanhas. A sua máquina ainda carece de cuidados especiais, já que se esquentar demais, entra em chamas (talvez seja o primeiro lote com problema de resfriamento?) e é necessário correr atrás de água para apagá-lo. Pelo caminho para lugares pouco convencionais, você ainda poderá encontrar criaturas inesperadas e, claro, ladrões, e deverá lidar com cada um desses contratempos sem perder o ritmo. A chegada do trem à estação possibilita que se melhore sua máquina com upgrades em cada tipo de vagão, melhorando a capacidade de armazenamento ou produção, algo que faz bastante diferença conforme de avança.
A base essencial do jogo é, assim, bastante sólida e a dificuldade será crescente na medida em que se avança para a próxima estação, quando as coisas começam a acontecer caoticamente mais rapidamente e tudo ao mesmo tempo. Isto posto, a campanha não é algo sofisticado ou cheio de melindres. Com cenários gerados de forma procedural (ou seja, a partir de alguns pressupostos, cada nova iteração é diferente da anterior e de todas as outras no mundo) as partidas são basicamente jornadas infinitas, subdivididas entre as estações, e acaba somente quando o seu trem descarrilha. Sem stress, sem sensação de perda, sem derrota propriamente dita. O desafio está em buscar ir cada vez mais longe, encontrar um equilíbrio na colaboração e meios para prolongar o destino inevitável, de forma leve e relativamente pouco punitiva.
Esse sistema de ação coletiva, claro, favorece a jogatina multiplayer, seja on-line, seja local. Em certos contextos, talvez seja um pouco difícil conseguir reunir gente em casa para tal, mas ao menos uma pessoa do seu lado já ajuda bastante tanto nas tarefas quanto na diversão. Já no on-line, caso se consiga juntar um pessoal conhecido com comunicação ativada, também há um grande potencial de todo mundo se divertir muito, ou de alguns enroscos causarem aqueles desencontros engraçados. Nesse sentido, o jogo se aproxima muito daquelas experiências colaborativas cheia de tensão, como em Overcooked, por exemplo.
Mas não há desespero: o nível de desafio aqui é relativamente menor que no jogo de cozinha, e mesmo depois de alguns níveis superados, uma boa coordenação pode deixar tudo bem tranquilo e relativamente controlado. Agora, se você não tiver amigos que possuam o jogo, ou ainda preferir uma aventura mais individual, não há problemas ou grandes punições, e é possível aproveitar o jogo sozinho também. Deste modo, o grande diferencial é sempre se preocupar com o gerenciamento de sua equipe de bots para que eles cumpram com as necessidades mais urgentes, como buscar matéria-prima que estiver faltando, enquanto você se encarrega do trabalho macro.
Essa gestão se dá de uma forma estratégica também simplificada. Basta o acesso rápido a um menu secundário para dar ordens como cortar mais árvores ou quebrar mais pedras. Jogar sozinho, contudo, significa assumir um protagonismo maior e sua equipe se torna um suporte, já que naturalmente você vai ser o mestre-de-obras, se assim podemos dizer, dando algumas orientações e juntando tudo isso, tomando as decisões e realizando as principais ações. Claro, não chega a ser um jeito completamente distinto de se jogar, mas a experiência é um pouco diferente na medida em que não há responsabilidades compartilhadas, como há no multiplayer. Para algumas pessoas, é uma forma mais tranquila de se jogar, mantendo o controle total sem depender de outrem.
Unrailed! não esconde ainda uma certa inspiração estética em outros games de construção de mundo, como o óbvio Minecraft e outros, como Terraria, por exemplo. Também há alguns elementos de games do estilo Tycoon, como os de construção de parques ou cidades, mas nesse caso, a inspiração é bem sutil, já que o foco aqui não é na criatividade e na manutenção de um espaço, mas sim no estabelecimento de um caminho funcional, seja como for. Não há qualquer obrigação de sua ferrovia ser esteticamente bonita ou realista. Curvas em 90º e ziguezagues irreais serão uma constante em cada jogatina e tudo bem, porque o objetivo é somente um: chegar à próxima estação. O jogador só precisa se preocupar com haver um espaço para o trilho passar e também para que ele possa transitar livremente – no vídeo que acompanha essa análise, nossa primeira incursão no mundo do jogo, esse erro foi essencial para a derrota.
Visualmente, a estruturação em blocos remete naturalmente ao que já vimos na criação da Mojang (pelo ponto de vista isométrico, aliás, lembra ainda mais o recente Minecraft Dungeons), e tal como lá, cá faz todo sentido, já que um sistema cartesiano ajuda bastante no planejamento e na organização dos trilhos. Ainda assim, há uma certa identidade bem construída no jogo, com uma iconografia muito bem adaptada também a uma estética que flerta com o pixel art, ainda que seja tridimensional. O game não economiza nas cores vibrantes, no alto contraste e nas sombras duras, e as formas simples não prescindem de beleza. Efeitos de fumaça e de líquidos são especialmente bem resolvidos e toda essa estética serve à mecânica do jogo tanto quanto ao jogador.
A extração de recursos não será nenhuma surpresa para os exploradores de plantão, e segue o mesmo esquema de jogos de estratégia, de gestão de recursos e de sobrevivência. Tenha a ferramenta certa em mãos – e evite deixá-la jogada em lugares distantes – e explore a fonte. Uma vez feito isso, basta recolher o produto e levar até o vagão responsável pela fabricação dos trilhos. Essa funcionalidade, muito bem demonstrada no rápido tutorial do jogo, é rápida e prática o suficiente, ainda que a interação com alguns objetos possa ser um pouco atropelada pela pressa, como por exemplo deixar algo no chão ao invés de colocar no lugar certo só porque o sistema de colisão não funcionou como se esperava. Algo bobo, mas importante de se destacar.
Este estilo audiovisual pode parecer, em um primeiro momento, limitado, mas bastam as primeiras jornadas para ficarmos intrigados com as variações climáticas e com a influência que algumas delas causam no gameplay. Quando a noite chega, a visão geral fica comprometida, e descobrir onde estão alguns recursos esquecidos se torna um fator a mais. Nada de muito espalhafatoso, contudo, já que esse não é o foco da jogatina. Já toda a composição sonora é um tanto quanto simplória e esquecível, talvez até como uma forma de valorizar o necessário diálogo em formatos cooperativos. Uma das maiores qualidades de Unrailed! é saber o que quer proporcionar ao jogador, e focar todas as suas energias para essa missão, sem desvios ou floreios desnecessários.
Todavia, suas melhores qualidades podem também se tornar alguns de seus maiores obstáculos em se manter relevante por muito tempo. Sim, é um jogo divertido, seja para quem joga sozinho, seja para quem compartilha a experiência com mais pessoas, e seu desafio equilibrado e crescente pode garantir horas e horas chegando a cada vez mais estações. Mas é daqueles jogos que não garantem o engajamento para sessões seguidas, até por não haver uma campanha mais sólida a se perseguir.
Sim, dá pra salvar e continuar depois, ou mesmo habilitar checkpoints para não se retornar ao princípio de tudo no momento da derrota, mas é basicamente um jogo onde você começa uma partida, a termina quando fracassar, e retorna do começo para fazer melhor, como naqueles games clássicos onde o objetivo não é chegar ao final, mas sim fazer mais pontos que da última vez. É um game, portanto, para ações pontuais, e não para quem busca continuidade, e conforme o jogador segue para o próximo jogo de sua lista, retornar a Unrailed! pode ficar dentre as últimas prioridades.
O modo principal, um endless padrão, não é, porém, a única forma de se aventurar pelo game. Há o modo competitivo que garante um desafio extra, sobretudo contra adversários mais organizados; o modo Quick, que valoriza não como, mas o quão rápido se chega ao destino; e ainda um modo mais livre, um Sandbox por natureza, para que o jogador possa experimentar possibilidades e funções sem tantas pressões. Basicamente, variações sutis da mecânica principal que pode ajudar na expansão da vida útil do jogo, mas que não oferecem nada de tão diferente assim.
Como um todo, Unrailed! traz uma bela proposta de sobrevivência, crafting e construção que consegue se diferenciar do que já existe no mercado, ainda que esteticamente saiba bem onde buscar suas inspirações. Simples e muito bem executado, corre o risco de não garantir uma fidelidade de longo prazo, mas certamente oferece diversão descompromissada single ou multiplayer por algumas boas horas antes de se tornar enjoativo.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Daedalic Entertainment.
Veredito
Considerando o escopo da produção e o resultado apresentado, Unrailed! é uma boa recomendação para quem está buscando algo leve e sem aquela obrigatoriedade de engajamento constante e funciona ainda mais jogando com a galera. Na ausência total de qualquer linha narrativa e com um visual bem característico, é na simplicidade das mecânicas onde o jogo encontra seus maiores trunfos.
Veredict
Thinking about the scope of production and the result presented, Unrailed! is a good recommendation for anyone looking for something light and without that mandatory constant engagement and it works even more playing with the crowd. In the total absence of any narrative line and with a very characteristic look, it is in the simplicity of the mechanics where the game finds its greatest assets.