Desde que foi apresentado na E3 de 2013, Tom Clancy’s The Division se tornou um dos jogos mais aguardados dessa nova geração de consoles. No vídeo apresentado naquele evento, pudemos ver um third person shooter frenético, trazendo gráficos estonteantes e carregando a chancela de ninguém menos que Tom Clancy.
Para aqueles que não o conhecem, Tom Clancy (1947 – 2013) é um famoso escritor norte-americano responsável pela invenção do techno-thriller, gênero literário que mescla suspense com temas militares de espionagem e terrorismo, apresentando um realismo social incrível e grande detalhamento técnico. Entre suas obras mais famosas estão Caçada ao Outubro Vermelho, O Cardeal do Kremlim e A Soma de Todos os Medos. Ele também é responsável pelo enredo de algumas séries de jogos muito bem sucedidas, como Rainbow Six, Splinter Cell e Ghost Recon.
Apesar de a história de The Division não ter sido escrita por Tom Clancy, teve seu aval, fato que por si só já garante a qualidade do enredo. Cabia então à Ubisot Massive dar conta do recado e criar um jogo à altura da trama. Mesmo com todo o know-how da Ubisoft, essa não seria uma tarefa fácil. The Division é um dos projetos mais ambiciosos já concebido pela indústria dos games e, desde que foi revelado em 2013, pudemos ver que ele tinha grandes pretensões.
Ao longo de seu desenvolvimento, o hype em torno do game só fez aumentar, atingindo níveis estratosféricos após a liberação do teste beta aberto ao público. Junto com toda essa expectativa havia também bastante desconfiança por parte dos fãs. Recentemente, alguns lançamentos de peso da Ubisoft, que também eram projetos ambiciosos e contavam com bons enredos, não foram bem recebidos pelo público. Casos como Watch Dogs e Assassin’s Creed Unity, o último ainda carregando o nome de uma das mais conhecidas franquias de games da atualidade.
Finalmente, chegado o dia 08/03/2016, com o game em mãos, pudemos ver se Tom Clancy’s The Division era realmente tudo aquilo que foi prometido.
A história se passa nos dias de hoje e tem como cenário uma Nova York devastada após um ataque bioterrorista. Tudo tem início em uma Black Friday, quando uma nota de dólar infectada com uma variante do vírus da varíola passa a circular no comércio, infectando as pessoas que têm contato com ela e as transformando em potenciais vetores de propagação da doença.
Em poucos dias a epidemia lota os hospitais e provoca pânico na população. Sem encontrar uma solução, o Governo transforma Manhattan em área de quarentena e passa a racionar recursos para tentar sobreviver à crise. Como alternativa para tentar conter o avanço do vírus, os transportes públicos são suspensos. Não demora muito para que as companhias de água e energia parem de funcionar.
Aqueles que sobreviveram à varíola, desesperados, correm para as lojas e supermercados no intuito de estocarem água e comida. Logo começam os primeiros confrontos entre os cidadãos. Para piorar, com as forças de segurança empenhadas em conter a crise, o presídio da ilha Rikers, no Bronx, é tomado pelos detentos, que se encaminham para Manhattan para tirar proveito da desordem.
Com a situação completamente fora de controle e sem esperança de encontrarem uma cura para a doença tão cedo, o exército evacua a cidade. Os policiais já não têm mais autoridade sobre a população e são caçados pelos Rikers. É o completo colapso da sociedade.
When society falls, we rise. Seguindo o lema do jogo, após os acontecimentos que dizimaram a cidade, utilizando o artifício da Diretriz 51, o presidente convoca a SHD (Strategic Homeland Division), divisão composta por agentes civis, treinados para agir em situações limite e que só são acionados quando não existe mais nenhuma esperança. Sua missão é restaurar a ordem, encontrar os responsáveis pelo ataque e restabelecer as estruturas sociais básicas.
Como dito no segundo parágrafo, todos os enredos que carregam o nome Tom Clancy, apesar de serem ficcionais, guardam estreita relação com a realidade. Essa impressão de que um evento apocalíptico como o descrito acima pode eventualmente acontecer de verdade é que garante a sensação de imersão no jogo. Por outro lado, também é capaz de nos assustar ao nos confrontar com toda a crueldade da qual nós, seres humanos, somos capazes quando queremos nos aproveitar de uma situação caótica.
Exemplificando o que foi dito acima sobre nossa capacidade de sermos cruéis, espalhadas pelo mapa existem várias mídias (gravações telefônicas, relatórios oficiais, vídeos de câmeras de segurança, fotos tiradas por drones, etc) que retratam alguns acontecimentos após a epidemia e antes de você aparecer.
Nossa primeira tarefa ao começar o jogo é definir uma identidade visual para nosso alter-ego. Devemos definir se o agente é homem ou mulher, a cor de sua pele, cabelos e olhos, tipo de penteado e marcas como piercings, tatuagens ou cicatrizes. Não existem muitas opções, de forma que essa não é uma etapa que irá lhe tomar muito tempo, porém as variáveis disponíveis são capazes de fazer com que seja muito difícil existirem dois personagens idênticos.
Vencida essa parte, somos introduzidos ao jogo e recebemos algumas informações. Nosso personagem é parte da segunda leva de agentes da SHD, ou simplesmente Division, e entra em ação depois de algum tempo desde a epidemia. É possível notar uma Nova York arruinada e abandonada às pressas.
Nesse ponto não há como não tecer elogios à Massive Entertainment. A desenvolvedora sueca acertou em cheio na ambientação de The Division. É impressionante ver a forma como Nova York foi recriada no jogo. As ruas e avenidas da cidade estão lá com seus nomes reais. Há também vários pontos conhecidos, como o Madison Square Park e a Times Square, para serem explorados.
A Manhattan pós-apocalíptica está retratada com riqueza de detalhes. Pilhas de lixo se acumulando pelas ruas e becos, prédios inteiros em quarentena, pessoas vagando sem rumo pelas ruas em busca de auxílio, tudo isso faz com que você se sinta parte do universo de The Division.
Em certo ponto do game, somos levados a entrar nos túneis do metrô. Podemos ver que após a infecção essa parte da cidade passou a ser utilizada como um imenso necrotério. Há milhares de corpos embrulhados em sacos pretos. Em outra ala, provavelmente destinada aos cadáveres dos militares, há inúmeros caixões cobertos com a bandeira americana.
Por todo o cenário do jogo é possível encontrar áreas de isolamento e placas de alerta sobre risco biológico. Apesar de ser um enredo ficcional, não há nenhum exagero gritante caso esse cenário fosse real. Boa parte dessa verossimilhança apresentada pelo jogo se deve à sua qualidade gráfica.
Ah, mas os gráficos… Esse foi um ponto que gerou uma enorme polêmica (sobre a qual eu não entendi o porquê até hoje) desde que a versão beta foi liberada. Muitos crucificaram a Ubisoft e condenaram o jogo devido ao downgrade recebido pelos gráficos em comparação ao que foi apresentado na E3 de 2013.
É inegável que o downgrade realmente aconteceu. A versão final do jogo não apresenta a mesma qualidade gráfica do vídeo de apresentação. Porém, isso não significa que os gráficos sejam ruins. Muito pelo contrário, o game entrega gráficos belíssimos, com destaque para os efeitos de iluminação e partículas. Arrisco dizer que The Division é um dos jogos dessa nova geração de videogames que mais se destaca nesse quesito.
Como nada é perfeito, mesmo com uma qualidade gráfica de primeira, existem aspectos que poderiam ter sido melhorados. Os cabelos dos personagens e as imagens refletidas pelas janelas são um tanto artificiais. Ocasionalmente há queda de frames quando muitos elementos aparecem na tela, especialmente quando existe uma grande quantidade de partículas e efeitos de iluminação ao mesmo tempo. No entanto, esses pequenos defeitos em nada atrapalham a sensação de imersão. No geral os gráficos estão muito bem feitos e detalhados, chegando a impressionar.
Outro ponto que levantou discussões durante a fase de testes beta foi a jogabilidade. Essa era a principal reclamação de quem jogou a versão beta: um tiro na cabeça não mata?!. Não, não mata. Pelo menos não apenas um tiro. Acontece que The Division é na verdade um RPG que utiliza mecânicas de third person shooter em seus combates.
Parece complicado? Pode ficar tranqüilo, é tudo muito simples. O jogo é estruturado primordialmente como um RPG. Os personagens possuem três atributos principais: DPS (dano por segundo), quantidade de vida e potência de habilidade. O nível desses atributos varia de acordo com as armas e equipamentos que o personagem esteja utilizando em determinado momento. É possível utilizar três armas e seis equipamentos, que são: colete à prova de balas, máscara de gás, joelheiras, mochila, luvas e coldre. Cada um desses itens aumenta o nível de determinado atributo, mas também penaliza algum outro.
Esse sistema de atributos é responsável por diferenciar os personagens. É como se fosse um sistema de classes implícito. É inevitável darmos maior ênfase a um desses atributos à medida que evoluímos no jogo. Geralmente àquele que melhor se adapte ao nosso estilo de jogo: um tank, com muitos pontos de vida mas pouco DPS; um glass canon, extremamente mortal mas igualmente frágil; ou ainda um healer, com alto nível de habilidades que podem salvar a vida dos demais integrantes do grupo.
As armas também podem receber modificações, como silenciadores, pentes extendidos, punhos e miras. Cada um desses itens influencia o comportamento da arma, tornando-a mais poderosa, estável ou precisa. Essas estatísticas é que definem quanto de dano você irá causar a um determinado inimigo, e obviamente, quantos tiros serão necessários para fazê-lo cair. Aí está a resposta para a questão dos tiros na cabeça não matarem imediatamente (apesar de causarem mais dano).
Além desses atributos, devemos escolher também duas habilidades ativas, como bombas adesivas, escudos protetores e primeiros socorros, que fazem bastante diferença nos confrontos. Há um total de 12 habilidades divididas em três categorias: médica, tecnológica e segurança.
Podemos também escolher quatro talentos que agem de forma passiva na jogabilidade, concedendo alguns bônus em determinadas ações. Existem ainda as vantagens, que agem da mesma forma que os talentos e vão sendo desbloqueadas à medida que você evolui sua base de operações.
Todo esse sistema é baseado em uma mecânica de third person shooter tático. Você procura uma cobertura, mira, atira e, quando achar prudente, se move taticamente até outra cobertura, no intuito de flanquear seus inimigos e pegá-los desprevenidos. Apesar de ser um sistema simples de entender, não é exatamente fácil de dominar. As armas têm um coice considerável e, geralmente, quanto mais poderosas menos estáveis elas são. Os inimigos controlados pela IA também não dão moleza, vão ficando mais difíceis à medida que você evolui e são capazes de usar táticas para te fazer recuar, sair de sua cobertura e até mesmo te flanquear.
Como todo bom RPG, The Division foi pensado para ser jogado em grupo. Se você tem algum amigo que esteja online e jogando, ele aparece no seu mapa, de modo que você pode encontrá-lo pelas ruas e vocês podem completar algumas missões juntos. A campanha principal possui pouco mais de 20 missões e pode ser jogada de forma cooperativa em grupos de até quatro jogadores, muito embora seja possível enfrentá-la sozinho também.
Caso não tenha ninguém em sua lista de amigos que esteja jogando The Division, não há problema. O jogo tem um sistema de matchmaking simples e eficaz, permitindo que a qualquer momento você entre em algum grupo aleatório de jogadores. Há ainda as zonas seguras espalhadas pelo mapa que funcionam como lobbys, onde você pode encontrar e interagir com jogadores de todo o mundo.
O mapa do game é bastante extenso e oferece um sem número de missões secundárias, encontros aleatórios e itens a serem coletados. Só para ilustrar, após mais ou menos vinte horas de jogo consegui explorar completamente apenas dois dos quinze distritos de Manhattan onde a campanha é ambientada.
A repetitividade de objetivos pode ser apontada como o principal ponto negativo do jogo: chegar a determinado local, derrotar alguns inimigos e ir embora. Quase não há variação nesse roteiro. Em alguns poucos casos será necessário resolver um problema mais elaborado. Apesar desse aspecto, o jogo não chega a se tornar cansativo ou maçante, principalmente se jogado com mais alguém. Com a agenda de DLC’s já divulgada e a chegada de novos conteúdos nos próximos meses, além de algumas visitas à Dark Zone, é provável que os jogadores nem tenham essa sensação.
Falando em Dark Zone, aqui as coisas mudam um pouco de figura. Essa é uma área central no mapa do jogo, isolada da área de campanha e acessível apenas por entradas específicas. Essa parte da cidade sofreu uma exposição maior ao vírus e ainda está extremamente contaminada, assim como todos os objetos que se encontram dentro de seus limites.
A Dark Zone é a única parte do jogo em que o PvP é permitido, ainda que não seja uma regra. Aliás, não existem regras nesse local. Ao adentrar seus limites você passa a dividir o espaço com diversos outros jogadores. A princípio todos são indiferentes a você, podendo ou não te atacar.
O mesmo vale para você. É necessário avaliar se vale ou não a pena atacar outros jogadores que ainda não tenham demonstrado hostilidade. Caso opte por atacá-los, a conseqüência é a ativação temporária do Protocolo Rogue, que te marca no mapa de todos os demais jogadores na mesma sessão e dá recompensas pela sua morte enquanto você estiver marcado. Quanto maior o número de jogadores que você matar, mais tempo ficará marcado como rogue e maior será o prêmio pela sua cabeça. Caso você consiga sobreviver à caçada, a recompensa será sua.
Lá dentro também existem vários inimigos controlados pela IA. Geralmente esses caras guardam caixas contendo itens valiosos. Dessa forma você pode entrar na Dark Zone apenas para explorá-la, tornando-a uma extensão da sua campanha. É possível desbravar essa área sozinho, mas o mais recomendado é entrar na Dark Zone em grupo, uma vez que jogadores solitários podem acabar virando presas fáceis para outros agentes ou para os inimigos da IA.
Se você está se perguntando qual o motivo para um jogador querer virar rogue, saiba que os melhores itens coletáveis estão na Dark Zone e quando você os recolhe não pode simplesmente sair usando. Lembre-se que tudo que está dentro dessa área é contaminado, de forma que é preciso ativar um procedimento de extração desses itens. Só depois disso eles ficarão disponíveis em seu estoque na base de operações.
O que acontece é que, para ativar esse procedimento de extração, primeiro você deve alcançar um ponto específico do mapa carregando consigo uma bolsa anti-contaminação amarela muito chamativa, bolsa essa perfeitamente visível por todos aqueles que cruzarem com você no caminho. Se o ato de sair correndo com uma bolsa amarela já não bastasse para chamar a atenção a atiçar a cobiça dos outros jogadores, quando você chega ao ponto de extração e chama o helicóptero para recolher seus itens, isso é prontamente anunciado a todos que estiverem na Dark Zone.
Caso você seja abatido antes de conseguir terminar a extração, a bolsa amarela é derrubada no chão e pode ser recolhida por qualquer outro jogador. Não precisa ser nenhum gênio pra saber que já tem gente se especializando em jogar como rogue. Fique ligado quando for extrair qualquer coisa da Dark Zone.
Do mesmo modo que há muitos rogues, existem também aqueles que não os toleram. Em certa ocasião um grupo de jogadores que eu não conhecia me deu uma grande ajuda enquanto eu tentava me livrar de dois rogues que queriam me roubar. Essa questão de não saber em quem confiar é um ponto fundamental da experiência multiplayer em The Division e faz com que jogar na Dark Zone seja uma experiência completamente diferente da campanha principal.
Quanto à parte sonora do game, podemos dizer que ela não fica atrás dos outros aspectos. Contando com um ótimo trabalho de dublagem, os diálogos estão excelentes e trazem um linguajar convincente, contando inclusive com vários palavrões. A única ressalva é para nosso personagem, mais mudo que o cigano Igor. A trilha sonora não é ruim, mas também não se destaca, pois apenas marca alguns momentos específicos da ação. Durante a maior parte do tempo, enquanto estiver explorando o mapa, você escutará apenas os sons ambientes de uma Nova York devastada.
Veredito
Para quem estava com um pé atrás quanto ao game, The Division não passa a impressão de jogo feito às pressas como aquela apresentada por Watch Dogs ou Assassins Creed Unity. A Ubisoft acertou ao adiá-lo e fazer inúmeros testes (um alpha e dois betas), garantindo que fosse um lançamento de qualidade e que fizesse jus a toda hype criada ao seu redor.
Óbvio que sempre haverá reclamações. O caso do downgrade gráfico com certeza é a principal delas. Ainda assim, o jogo apresenta um dos melhores visuais dessa nova geração de consoles. Houve também alguns problemas de conexão aos servidores nos primeiros dias, mas nada tão grave que impedisse o acesso da comunidade ao jogo.
No fim das contas, Tom Clancy’s The Division apresenta um enredo robusto, ambientação sensacional e uma história bastante densa. A jogabilidade, apesar de alguns objetivos serem bastante repetitivos, é simples e prazerosa. Seus gráficos são de primeira linha, traz uma proposta inovadora e entrega uma experiência multiplayer de tirar o fôlego. Isso tudo justifica sua posição como um dos jogos mais aguardados de 2016 e seu status de blockbuster.
Jogo analisado com cópia física cedida pela Ubisoft.