Read Only Memories: NEURODIVER – Review

Desenvolver um bom jogo adventure atualmente exige um nível de habilidade um tanto quanto único, visto todo o histórico do gênero. Basicamente aperfeiçoado desde sua criação pelos jogos da LucasArts e da Sierra, o gênero raramente teve novos picos desde então, salvo pela ascensão (e subsequente queda) da Telltale Games, sendo esporadicamente revisitado por interessantes jogos independentes ao longo do caminho.

Um estúdio que se mostrou capaz de capturar a mágica e qualidade do gênero foi o estúdio californiano MidBoss. Desde o lançamento do seu jogo de estréia, o aclamado 2064: Read Only Memories, a desenvolvedora se mostrou de uma capacidade única de trazer o gênero para uma roupagem nova e funcional, misturando temas atuais a um universo cyberpunk muito bem-desenvolvido e, mais importante de tudo, uma narrativa engajante que mantém o jogador preso em cada novo desenrolar da história.

Quase 09 anos após o primeiro lançamento do jogo original (e sete anos após ele chegar a plataformas PlayStation), a MidBoss retorna para o universo de ROM com o lançamento de Read Only Memories: NEURODIVER, trazendo uma história totalmente nova, com novos protagonistas e uma temática bem interessante para prender o jogador nessa excelente narrativa.

O primeiro ponto que é necessário reforçar é que ROM: NEURODIVER é independente do jogo anterior, não sendo necessário conhecê-lo para aproveitar o seu conteúdo. É claro, vários personagens importantes dos jogos anteriores retornam aqui e fazem parte da narrativa, mas é tudo bem explicado e eles funcionam mais como pequenos easter eggs do que algo necessário para compreender a história.

Essa nova narrativa gira em torno de ES88, uma jovem Esper, que são pessoas com habilidades sensoriais expandidas, capazes de habilidades psiônicas especiais que humanos comuns não possuem. ES88 é uma empregada da empresa responsável pela criação dos Espers, a MINERVA, uma gigantesca empresa de tecnologia especializada em neurotecnologia.

ES88 é a única Esper da empresa capaz de usar uma tecnologia de ponta recém-criada, um Esper sintético chamado de Neurodiver. O Neurodiver é um esper sintético que potencializa as habilidades de outros Espers, permitindo assim que ES88 entre na mente das pessoas e consiga investigá-las revivendo memórias, destravando eventuais bloqueios existentes nelas.

O trabalho de ES88 é comumente bem pacato, ajudando pessoas a lembrarem coisas corriqueiras, como senhas esquecidas ou o porquê brigaram com seus amigos até que ela é chamada por uma das figuras mais importantes da MINERVA e encarregada com a missão de investigar um criminoso psíquico chamado de Golden Butterfly que está se escondendo nas memórias das pessoas.

ES88 precisa então explorar Neo-San Francisco junto com sua guarda-costas, a ciborgue GATE, e descobrir onde Golden Butterfly está antes que ela cause um dano irreversível às memórias das pessoas de Neo-SF. Ao longo do caminho, ela precisa não só restaurar as memórias que foram danificadas e coletar pistas sobre o paradeiro de Golden Butterfly, mas entender qual o seu papel no mundo e as responsabilidades que advêm dos poderes à sua disposição.

A narrativa de Read Only Memories: NEURODIVER segue o mesmo padrão que o estúdio já havia estabelecido em 2064, se dividindo em capítulos, cada qual girando em torno de um certo elemento importante da narrativa e construindo para um excelente clímax no seu final. Ao longo de toda a história, ela vai se moldando com base nas suas decisões, com muito do “gameplay” sendo justamente escolher sua próxima fala, clicar onde você quer ir ou interagir com objetos.

As sessões com um pouco mais de gameplay são justamente quando ES88 entra nas memórias das pessoas, que é quando o jogo te permite interagir um pouco mais com o ambiente e coletar dicas sobre como resolver bloqueios existentes nas memórias. Nem todas as dicas coletadas serão utilizadas, então é necessário pensar um pouco antes de escolher quais pistas usar.

De várias formas, Read Only Memories: NEURODIVER me parece imensamente inspirado pela série AI: The Somnium Files, especialmente no que se refere a forma como a exploração e investigação funcionam e alguns pontos da temática. Dito isso, é tudo muito simples e direto, até pelo escopo bem menor do jogo, então quase todo o seu tempo será lendo, ao contrário da natureza um pouco mais interativa e desafiadora dos AI.

Tematicamente falando, ROM: NEURODIVER traz algumas discussões muito pertinentes e interessantes sobre o que nos torna pessoas e o papel das nossas memórias em moldar como nós nos percebemos e como vemos os fatos ao nosso redor, além de uma análise considerável sobre o papel da tecnologia em moldar quem somos, o papel das grandes corporações nisto e os limites da intervenção tecnológica na biologia.

São temas bem interessantes e abordados de uma forma bem sincera, que realmente te fazem pensar apesar da relativa curta duração do jogo. Essas discussões não são a parte principal da narrativa, ainda que a molde fortemente (em especial a medida em que o jogo vai caminhando para o final), com o mistério por trás de Golden Butterfly e suas motivações sendo o principal foco aqui, mas traz uma reflexão bem legal.

De várias maneiras, eles agem muito como uma evolução das discussões que já existiam no lançamento do jogo original, por mais que tenhamos caminhado em diferentes direções nesses sentidos no mundo real ao longo dos anos entre um jogo e outro. O que não mudou foi a capacidade da desenvolvedora de escrever personagens interessantes e carismáticos, além de lidar de forma bem criativa com temas de diversidade e equidade.

Por fim, cabe dizer que a trilha sonora do jogo é excepcional. Visualmente o jogo é bem bonito, mas a trilha sonora é um destaque a parte. Ele traz um som mais clássico baseado nos chips sonoros do PC-8801/PC-9801, algo relativamente raro hoje em dia e traz um charme muito bem-vindo. A dublagem do jogo também é excelente, com o jogo sendo quase todo dublado, salvo por algumas interações com objetos. Dito isso, cabe dizer que o jogo não tem legendas em PT-BR, uma pena considerando que se trata de um jogo de leitura.

Assim, se você é fã do ROM original, Read Only Memories: NEURODIVER irá te agradar bastante. As importantes e conscientes discussões políticas estão aqui, envoltas ao redor de uma excelente narrativa de mistério com uma temática e construção muito interessantes e personagens carismáticos que irão te manter preso ao longo de toda a narrativa.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Chorus Worldwide.