É bastante curioso ver como algumas produtoras mudam seu foco de uma geração para outra. Nos primórdios do PS2, Naughty Dog, Sucker Punch e Insomniac nos agraciaram com 3 séries excelentes de plataforma: Jak, Sly Cooper e Ratchet & Clank. Hoje, no PS3, estas mesmas empresas trazem jogos que, embora voltados a um público mais adulto (Uncharted, inFamous e Resistance), não deixam de carregar um certo "quê" de suas séries de plataformas. Embora a Naughty Dog e a Sucker Punch tenham deixado Jak e Sly um pouco de lado nessa geração, a Insomniac segue firme e forte com três Ratchets já lançados no PS3 – e um quarto já anunciado.
A Crack in Time é o OITAVO (fora Secret Agent Clank, um spin-off para PSP) título da série (terceiro da sequência Future) nascida em 2002, um número tão impressionante quanto preocupante. Afinal, com tantos jogos de temática semelhante, é de se esperar que suas mecânicas fiquem repetitivas ou datadas (ou ambos). Felizmente, cada novo título adiciona algum elemento novo de gameplay que o torna "parecido mas diferente" de seus predecessores, e A Crack in Time não é diferente. As seções de Ratchet são semelhantes ao visto em Tools of Destruction (ToD) e Quest for Booty (QfB), trazendo armas novas e o mesmo combate frenético e cheio de explosões pelo qual Ratchet é conhecido. Obviamente, existem algumas armas novas e algumas adições aos seus Gadgets (leia-se "Hoverboots"). Uma outra novidade é que agora Ratchet pode controlar sua nave livremente pelo mapa-múndi, enfrentando piratas espaciais e outros perigos em algo que lembra um pouco a Gummi Ship da série Kingdom Hearts. Mais ainda, e seguindo a linha de Super Mario Galaxy, ACiT também apresenta alguns mundos "esféricos" com visão superior, que contêem vários desafios para se ganhar Bolts e Zoni. As adições não são tão significativas, e o grosso do gameplay é de fato mais do mesmo – felizmente, é um "mesmo" funcional e divertido.
Clank – disparadamente um dos (se não O) personagem mais amado da série –, por outro lado, tem uma mecânica totalmente nova em uma série de puzzles que envolvem manipulação de tempo. Com o passar da história, Clank recebe o Chronosceptor, um bastão que serve para manipular o tempo e atacar os inimigos. Usando-se do Chronosceptor e de alguns pads espalhados nas salas de puzzles, o jogador pode "gravar" a ação de até 4 Clanks coloridos enquanto o Clank "real" vai em direção à saída. Um exemplo básico: a porta para seguir adiante está fechada e só se abre quando Clank permanece sobre uma plataforma. O jogador ativa a opção de Record, pisa em cima da plataforma, abre a porta e encerra a gravação. Com isso, basta ele tocar o replay gravado e um segundo Clank irá pisar na plataforma para abrir a porta e o jogador prosseguir. O que começa de forma muito simplista aos poucos vai ganhando mais complexidade e, ao final, o jogador estará coordenando a ação de mais 4 Clanks além do original, em puzzles verdadeiramente divertidos.
A manipulação de tempo não é apenas um mecanismo de gameplay, e é a base da história de A Crack in Time. ACiT continua diretamente de onde ToD e QfB terminaram, com Ratchet saindo pelo espaço em busca do amigo Clank, que fora levado pelas entidades chamadas Zoni no fim de ToD. Os Zoni levam Clank para um lugar chamado The Great Clock, um… grande relógio que fica no centro do Universo, e de onde se pode observar o tempo. Os Zoni estão sendo enganados por um tradicional antagonista da série, Dr. Nefarious (sempre acompanhado de seu sarcástico mordomo Lawrence), que planeja usar o Relógio para reescrever a história ao seu bel prazer. Claro, nada é tão simples: a câmara principal, Orvus Chamber, não pode ser acessada por Nefarious, e é aí que entra Clank – o vilão pretende usar o banco de dados do pequeno robô para conseguir acesso à Câmara. Do outro lado da história, Ratchet encontra algo para ele impensável: um OUTRO Lombax (a desaparecida raça do protagonista), Alister Azimuth, que pretende trazer os Lombaxes de volta a qualquer preço e acaba por ajudar Ratchet em sua busca. Desnecessário dizer que as duas tramas eventualmente se encontram e que existirão muitas reviravoltas no transcorrer da história.
Grande parte do apelo dos personagens se dá pelo grafismo soberbo. ACiT é colorido, vibrante e tem um ar de desenho animado que em nada deve aos melhores filmes da Pixar. Os modelos dos personagens são muito bem construídos e o design de inimigos é ótimo. As cenas em FMV continuam belas, embora não sejam mais tão impressionantes nos dias dos Uncharteds da vida. A dublagem segue a excelente qualidade da série, com um script bacana interpretado por ótimas vozes – Nefarious continua especialmente divertido de se ver e ouvir.
Divertido também é como se descreve o transcorrer do jogo, talvez pelo puro absurdo de ver os inimigos dançando ao som da arma Groovitron (um globo de espelhos que hipnotiza os inimigos) ou as falas mortais de Mr. Zurkon ("Mr. Zurkon não precisa de comida, ele se alimenta de puro MEDO!"). É bom ver que o humor da série se mantém caracteristicamente um pouco ácido e um pouco ingênuo, prato feito para os fãs de desenhos animados. Entretanto, aqueles que acompanham a série há mais tempo podem estar um pouco saturados desse humor e podem não ver a mesma graça em ACiT.
A falta de inovação talvez seja a grande nêmese de ACiT. Citamos o gameplay acima como "mais do mesmo", e já que a maior parte do jogo se passa com Ratchet, isso pode incomodar aqueles que esperam algo diferente. A falta de inovação vai um pouco mais longe, porém. Grande parte das armas são recicladas de ToD/QfB, e elas estão em menor número em ACiT também. A adição das Hoverboots é bacana, mas não traz nada de novo ao "gunplay" de Ratchet (ao contrário do Chronosceptor de Clank). A câmera continua um pouco atrapalhada (especialmente nas fases de "Luas"), mas é definitivamente superior à de ToD. A aventura também parece um pouco menor que o primeiro Future – AciT tem cerca de 12-15 horas, enquanto ToD chegava em cerca de 20. A dificuldade do jogo não é grande, e está bem reduzida em relação a ToD. Platinar também não exigirá muito esforço, mas garante que você terá explorado cada canto da galáxia de ACiT.
O grande atrativo de ACiT é… bem, tudo. O PS3 não dispõe de outro jogo de aventura/plataforma no estilo que sequer ameace a trilogia Future, e ACiT é, possivelmente, o ponto mais alto da série. O que falta em inovação é certamente compensado em diversão, e se o foco da série é esse, sendo bem sincero, talvez Ratchet não precise de nada mais. Vale a pena jogá-lo – e muito.