"Na Guerra Moderna… você vai morrer como um cão sem uma boa razão".
É com essa frase de Ernest Hemingway que somos alertados sobre o que esperar de This War of Mine. Desenvolvido pela polonesa 11 bit studios (de Anomaly e Anomaly 2) e lançado para PC no final de 2014, o jogo é um retrato da guerra sob uma perspectiva diferente, em que você luta pela sobrevivência de um grupo de civis em meio a uma cidade sitiada. Sua estreia para os consoles trouxe consigo uma pequena expansão, The Little Ones, que adiciona crianças em meio à violência, trazendo novas experiências e desafios.
A desenvolvedora se inspirou em histórias verídicas de sobreviventes de guerras como as de Sarajevo e da Síria para criar sua própria história. Tudo se passa na cidade fictícia de Pogoren, que sofre uma guerra civil entre rebeldes e militares. A cidade é cercada pelos militares, que bloqueiam todas as saídas e cortam as linhas de abastecimento para suprimir os rebeldes. Isso, entretanto, acaba afetando também os civis que permaneceram na região, e agora precisam enfrentar a escassez de recursos e o aumento da violência. E para piorar, o inverno está chegando…
Seu objetivo então é sobreviver diariamente à guerra, aguardando pelo cessar-fogo, que pode demorar meses. Para isso é necessário explorar e administrar recursos escassos, reforçar e defender seu abrigo e se proteger de um inverno rigoroso. O jogo é feito de campanhas, sendo que em cada uma você terá um abrigo e um grupo de civis diferentes, fornecendo experiências únicas a cada novo jogo.
Em sua concepção, This War of Mine é um survival misturado com estratégia. A inovação aqui é que, ao invés da criação e gerenciamento de exércitos e instalações, sua preocupação é em produzir ferramentas e móveis que possibilitem a sobrevivência e também o conforto do grupo. Além disso, as habilidades e o lado emocional de cada integrante também são importantes e afetam o moral e o comportamento do grupo.
O jogo divide-se em ciclos de dia em noite. Durante o dia, seu objetivo é gerenciar o abrigo e decidir-se como utilizar os poucos recursos existentes. Há uma diversidade de coisas que podem ser criadas: ferramentas, como pá e machado; móveis, como camas e aquecedores; e pequenos equipamentos para cultivo de plantas, coleta de água, etc. Além disso, é também importante cuidar do reforço da casa contra invasões.
Além dos recursos escassos, o tempo é também um inimigo, pois as atividades de criação requerem um membro do seu grupo, que fica ocupado durante o tempo de construção. Outras variáveis também afetam a dinâmica do dia: pessoas cansadas, feridas ou doentes precisam descansar. Elas também precisam se alimentar. Tudo isso afeta a disposição e ânimo do grupo para executar as atividades. Com isso, é necessário fazer um bom planejamento, ficar de olho nas necessidades físicas de cada pessoa, bem como no tempo disponível antes da chegada da noite.
Durante o dia também podem acontecer visitas aleatórias. Seu grupo pode receber a visita de um vizinho pedindo ajuda; decida-se por ajudá-lo e um membro do seu grupo ficará indisponível até o dia seguinte. Outros sobreviventes podem bater a sua porta procurando por abrigo, cabendo a você decidir aceitá-lo no grupo ou não. Um NPC chamado Franko também aparece regularmente para trocar itens.
A partir das 20 horas inicia-se automaticamente a noite e neste momento você decide a tarefa que cada um do grupo pode fazer. Uma pessoa pode ser enviada para explorar a cidade e coletar recursos, enquanto as outras se dividem entre descansar e vigiar a casa. Pessoas na vigília protegem a casa de eventuais invasões, mas podem se ferir no processo. No entanto, decida-se por não deixar ninguém na vigília e a casa fica sujeita a roubos dos preciosos recursos. Pessoas na coleta e na vigília não dormem e ficam cansadas durante o dia. Não dormir em uma cama também afeta a disposição da pessoa para o dia seguinte.
Para a coleta, é exibido no mapa os locais disponíveis para exploração, cada um com indicações dos tipos de itens e perigos que podem ser encontrados. Novos locais aparecem conforme os dias passam, bem como alguns ficam indisponíveis à medida que o inverno se aproxima. Você tem um espaço limitado para coletar os itens, sendo, portanto, novamente necessário um planejamento prévio para ter em mente os itens que você mais precisa e em qual local há mais chances de você encontrá-los.
Seu grupo não é o único sobrevivendo na cidade. Com isso, eventualmente você irá explorar locais habitados por outros sobreviventes, bem como rebeldes e militares. Nesses momentos, será necessário tomar decisões morais. Você pode decidir coletar apenas o que está nos escombros, pode tentar fazer trocas e também pode decidir roubar ou até mesmo entrar em confronto para pegar os recursos mais valiosos. Este tipo de decisão irá afetar o lado emocional do seu grupo.
Vamos então falar sobre essa parte emocional. Como dito, os integrantes do grupo possuem necessidades físicas. Fome, cansaço e doenças, em conjunto com decisões imorais, afetam seu estado emocional, podendo levá-los à tristeza e até depressão. Neste estado emocional, eles tendem a fazer as atividades mais devagar ou até mesmo recusar a se mexer. Por outro lado, pessoas contentes e descansadas possuem mais disposição e podem influenciar positivamente o restante do grupo. Descuide da parte emocional das pessoas e você se encontrará em situações extremas de brigas, abandono do abrigo, inclusive suicídio.
A morte é uma parte cruel do jogo, pois é permanente. Conforme se passam os dias e você vai descobrindo a história de cada integrante do grupo, eventualmente você começa a se preocupar com a sobrevivência deles. É realmente traumatizante quando você faz uma ação errada que resulta na morte de um personagem. É uma decisão da desenvolvedora para trazer mais realidade ao jogo.
This War of Mine é um jogo difícil. São muitas decisões a serem tomadas e os desdobramentos que ocorrem a partir delas podem ser imprevisíveis. O gerenciamento e planejamento são constantes, sendo de muita utilidade ter papel e caneta por perto para anotar o que precisa. Além disso, o cessar-fogo é um evento aleatório, podendo ocorrer em poucos dias ou levar meses, enquanto recursos vão ficando cada vez mais escassos. É um retrato real da situação de guerra: cada dia é uma luta e uma espera incessante pelo fim do conflito.
Por ser um jogo difícil, vale deixar claro que você vai perder. Muitas vezes. Joguei cinco campanhas até finalmente conseguir sobreviver até o cessar-fogo. Como a campanha leva em média 6 horas, chega a ser frustrante não conseguir chegar ao final. Deve-se levar em conta cada tentativa como um aprendizado. Com o tempo, você vai aprendendo o que vale mais a pena construir e como cada personagem pode ser mais bem utilizado.
Você deve ter notado que até agora não mencionei nada sobre as crianças, o ponto de destaque do lançamento do jogo para consoles. Foi intencional. Apesar de um investimento alto na divulgação de The Little Ones com ênfase na adição de crianças à trama, isso não chega a ser um aspecto tão relevante. Elas são interessantes, mas não é um ponto de mudança grande nas mecânicas.
Puxando uma frase do jogo, "mesmo na guerra, crianças são crianças". Apesar de toda privação, elas querem se divertir e precisam de proteção. Sua presença eleva o moral do grupo, mas elas são mais frágeis e precisam de cuidados. Com isso, você também deve se preocupar em criar brinquedos para elas e manter uma interação constante dos personagens adultos com elas para que não fiquem tristes. Não dê atenção a elas você vai ouvi-las chorando ou andando desanimadas pelo abrigo.
Crianças necessitam de menos alimentos e se recuperam mais rápido. Em compensação, não podem sair do abrigo nem conseguem realizar todas as atividades dos adultos, chegando até a reclamar se trabalharem demais. Elas também são mais frágeis com relação a decisões imorais, mudanças no tempo e invasões, podendo até mesmo se ferir. Apesar de tudo, o jogo não foi cruel a ponto de mostrá-las morrendo. Ao invés da morte, quando estão em situações extremas, você é informado que a criança abandonou o abrigo (o que não deixa de ser traumatizante do mesmo jeito).
O jogo possui bons gráficos, com a utilização de uma arte que simula riscos a lápis, criando efeitos de luz e sombra e profundidade em elementos de segundo plano. Ele praticamente não possui música; ela aparece em momentos mais intensos. O que você mais vai ouvir são efeitos sonoros de seus passos, do vento e de eventuais tiroteios. Os controles são um pouco atrapalhados no começo, principalmente quando envolve subir ou descer escadas e quando há muitas opções na tela para se escolher. Para finalizar, o jogo foi bem localizado em PT-BR, à exceção de um ou outro erro de gênero, um problema recorrente de tradução pela falta de um gênero neutro para muitos elementos do português.
Veredito
This War of Mine – The Little Ones é um ótimo jogo, porém, não é um jogo para todos. Ele é difícil e cruel. Por ter muitos elementos de estratégia, requer bastante concentração e planejamento e uma tomada de decisão constante. Recomendo para os fãs de estratégia que procuram algo mais incomum, e também para aqueles que têm paciência e gostam de um bom desafio. A adição das crianças na versão para consoles adiciona elementos novos ao jogo, mas não são tão impactantes quanto as propagandas levaram a acreditar.
Jogo analisado com o código fornecido pela desenvolvedora.