Soul Sacrifice Delta é uma versão expandida e balanceada de Soul Sacrifice. Para uma descrição mais ampla de como é o jogo base, leia nossa análise clicando aqui.
A primeira versão de Soul Sacrifice era um jogo bastante interessante e inteligente, com um universo enorme de conteúdo e nuances a explorar. Delta, quase que de forma inacreditável, acrescenta tantas coisas que cria um dos jogos mais vastos em conteúdo e opções de jogabilidade.
Antes de começar a descrever o jogo em si, uma mensagem aos antigos jogadores de Soul Sacrifice: é possível transferir seu save do primeiro jogo para Delta, mas apenas algumas coisas são efetivamente retomadas: o personagem mantém seus Sigils (os modificadores que você acopla ao braço), oferendas (as magias) e o progresso da missão principal, mas seu nível (a combinação de sacrifício e salvamento) não é retomado e é preciso recomeçar a construir sua força – com a ajuda de boosts de experiência que o jogo fornece como compensação. Parece uma perda, mas faz sentido dentro das mudanças que o game oferece aos veteranos.
Em termos de história e campanha, Delta retoma o enredo de Soul Sacrifice: o mundo foi destruído pelo feiticeiro Magusar e seu personagem é um dos poucos sobreviventes, esperando para ser sacrificado pelo vilão. É aí que você encontra Librom, um livro especial que permite reviver missões de um antigo feiticeiro e, assim, ganhar suas habilidades na arte da feitiçaria para vencer Magusar. Entretanto, Delta oferece novas ramificações para a história, que ganha novos contornos e interpretações, deixando-a ainda mais interessante e, enquanto mantém o tom pessimista e agridoce do original, sabe oferecer seu quinhão de esperança no seio do desespero. Nesse sentido, embora retome muito do jogo base, Delta sabe criar uma identidade ao mesmo tempo fiel e original.
Essas mudanças na trama são possíveis graças à adição de uma nova facção de feiticeiros, chamada Grim. Ela vem se somar ao grupo dominante de Avalon (que prega o sacrifício como único método) e aos dissidentes de Sanctuarium (adeptos do salvamento) e propõe deixar a vida dos monstros na mão do destino, não tomando escolhas num mundo em que tudo se repete infinitamente. Em outras palavras, Grim é uma facção que busca o meio termo.
No Soul Sacrifice original, a dinâmica entre as facções era pouquíssimo aproveitada, sendo levemente tocada apenas nas missões com feiticeiros parceiros – trecho do jogo em que o roteiro alcançava seu ápice de qualidade. Por conta disso, um jogador que buscasse jogar salvando os monstros só encontrava trechos dedicados aos feiticeiros que faziam isso bem ao final. Agora, essa dinâmica de facções está toda refeita e cria um nível de customização e balanceamento que deixa o universo de Delta muito mais vivo.
Isso acontece graças a dois elementos, um de enredo e um de jogabilidade: o primeiro é expandir o número de feiticeiros parceiros com diferentes facções. Embora o peso maior ainda esteja em Avalon, há um maior número de missões de Sanctuarium e um bom número de parceiros aliados a Grim – e o nível de qualidade do enredo nesses trechos continua altíssimo. O principal, entretanto, é que essas missões agora são separadas por facção e estão disponíveis bem cedo no jogo, e não relegadas ao final. Assim, o jogador pode encontrar motivação e complexidade para decidir como quer jogar.
O segundo elemento que expande o universo das facções, e que é ligado à jogabilidade, é a possibilidade de escolher por qual facção se quer lutar. Embora, em termos de história, seu personagem principal sempre seja de Avalon, é possível se aliar a Sanctuarium ou Grim e isso tem diversas implicações, principalmente porque salvar, sacrificar e deixar para o destino têm efeitos diferentes em cada uma elas.
No primeiro Soul Sacrifice, o game claramente incentivava que o jogador seguisse o caminho de Avalon, sacrificando monstros vencidos em batalha para recuperar sua magia, eventualmente salvando alguns quando a intenção era recuperar um pouco de vida. Ficava desbalanceada, assim, a decisão de quando salvar ou sacrificar um monstro – o que normalmente significa escolher entre recuperar vida ou magia, ou então entre investir em defesa ou em ataque ao passar de nível. Por isso, jogadores que priorizavam salvamento muitas vezes lutavam contra o jogo, ficavam limitados a apenas algumas oferendas ou precisavam desfazer seu progresso (o que é possível depois que se vence uma batalha).
Em Delta, ao escolher uma facção, o jogador encontra um sistema relativamente balanceado e sustentável para manter seu estilo de jogo. Assim, Avalon mantém o esquema: salvamento recupera vida; sacrifício recupera a magia; deixar para o destino aumenta a velocidade. Se o jogador escolhe Sanctuarium, a dinâmica muda para: salvamento recupera a magia; sacrifício aumenta a força da magia; deixar para o destino aumenta a velocidade. Já Grim oferece o seguinte esquema: salvamento recupera vida; sacrifício aumenta a força da magia; deixar para o destino recupera a magia. Dessa forma, as três escolhas possibilitam uma dinâmica balanceada desde o início do jogo, e permitem ao jogador explorar o caminho que mais lhe interessar.
E isso não é tudo. Cada facção oferece recompensas específicas e premia o jogador conforme seu comportamento correspondente à fé de cada facção (por exemplo, a pontuação de um jogador filiado a Avalon aumenta se ele pratica mais sacrifícios). Isso cria um universo de variáveis que incentiva o jogador a explorar todas as facções, tentar de tudo e ver como são complexas as variáveis que o game oferece.
Com essas mudanças profundas, Delta praticamente reescreve a trama de Soul Sacrifice e torna o universo do jogo muito mais interessante a explorar. Assim, as leituras no Librom se tornam bem mais divertidas e interessantes, porque aquele mundo desperta um interesse cada vez maior.
Contudo, não se deve pensar que as mudanças propostas por Delta se resumem ao enredo; suas maiores adições pertencem à jogabilidade. A primeira coisa a notar é como a equipe responsável pelo jogo ouviu as queixas dos jogadores e procurou encontrar formas de solucionar os problemas de Soul Sacrifice. Isso ficou mais claro no comportamento da IA dos parceiros. Em cada missão fora da história, o jogador pode levar dois parceiros consigo, e, no jogo original, eles não eram muito efetivos e se colocavam em enrascadas constantemente.
Em Delta, os parceiros melhoram conforme o jogador os leva em missões, ganhando afinidade e poder conforme lutam. Se, no começo, suas magias são fracas, do meio do jogo em diante (contando que não se varie muito), eles se tornam valiosos companheiros – foram raras as vezes em que precisei revivê-los; na verdade, eles me recuperaram muito mais do que eu a eles. Quando meus companheiros atingiram o máximo de afinidade comigo, eu já não senti a menor falta de outros jogadores; a IA me bastava.
Outra mudança substancial foi a inserção de mudanças nos cenários. Quando se está numa batalha, um evento pode ocorrer, facilitando ou dificultando a vida do jogador. Dois exemplos: um pilar pode aparecer no meio do cenário, fornecendo uma defesa extra ao jogador; o chão pode desmoronar e a luta pode ser levada a outro lugar, onde uma nova criatura pode estar esperando. A crítica de que os cenários são pouco complexos, entretanto, permanece: em Delta, os espaços são arenas e não se propõem a nada além disso.
Há diversas novas oferendas no jogo, que proporcionam novas dinâmicas nas batalhas, e algumas das antigas foram balanceadas (um exemplo são as magias de invocação de golems, que ficaram muito menos efetivas em Delta). Todos os efeitos das novas oferendas e as formas de obtê-las (seja apontando missões, seja mostrando as receitas para criá-las) estão descritas no Ars Magica, uma espécie de compêndio de magias que ajuda bastante o jogador a se localizar na hora de coletá-las.
Há também novos Sigils para fornecer bônus diversos. A mais interessante adição nesse sentido é o fato de alguns deles poderem ser combinados para oferecer mais vantagens. No meu personagem, por exemplo, dois Sigils voltados para bônus de golpes com explosivos se somaram e forneceram um aumento de força ainda maior.
Os monstros de Soul Sacrifice estão de volta em Delta, com a adição de diversos novos, com sua grande maioria inserida em uma temática de contos de fadas: temos três porquinhos, branca de neve, músicos de Bremen, etc. Tudo isso, claro, segundo a estética da série, que concebe criaturas horripilantes e assustadoras, com significativa variedade de ataques, pontos fracos específicos e, principalmente, uma história pregressa muito bem elaborada, que possibilita alguns minutos de leitura extremamente prazerosos. As criaturas pequenas – presentes quase que só para fornecer oportunidades para recuperar vida e magia – também tiveram sua variação expandida.
Ainda tratando dos monstros, cabe falar da louvável política de suporte pós-lançamento praticada pelos desenvolvedores, que têm fornecido via DLC gratuito novos pactos e, principalmente, novos monstros, inclusive colaborações com outros jogos, como Toukiden ou God Eater.
Por fim, a última adição nas dinâmicas de batalha foi a possibilidade de usar boatos, que são itens consumíveis voltados a criar bônus dentro de uma batalha. Boatos podem criar boosts de experiência, aumentar a chance de ganhar almas raras (que servem para desbloquear Sigils) e até fornecer vantagens no combate contra monstros específicos, facilitando combates mais difíceis. É possível comprar boatos em troca de oferendas, como também ganhá-los conforme se progride no jogo.
Todas essas variáveis de combate podem ser usadas no número absurdo de missões, que se estendem tanto pela história, quanto pelas quests dos feiticeiros parceiros e os pactos comuns. O total ultrapassa a marca de duzentas missões diferentes, com níveis de dificuldades que vão de um a quinze. Há também um novo modo, chamado de Labirinto Eterno de Alice, em que você avança de andar ao vencer criaturas, mas suas oferendas não são totalmente recuperadas, tornando a missão um desafio de resistência. Por fim, há também as chamadas páginas em branco, em que é possível criar novos pactos usando oferendas e lacrimas. É uma variedade enorme, que torna Delta uma experiência vastíssima e sempre divertida.
Todos esses pactos, com exceção das missões de parceiros e da história, podem ser jogados em multiplayer. Esse modo funciona com perfeição e replica com capricho a dinâmica do single player, fornecendo mais dinamismo e variedade ao colocar quatro jogadores numa batalha, com nenhum lag (até onde eu experimentei jogando em servidores norte americanos), tornando cada batalha um festival épico de explosões, raios, golpes variados, etc.
Cabe ainda falar dos gráficos de Delta, que estão ainda mais bonitos do que Soul Sacrifice. Não observei nenhuma textura mal feita e todas apresentavam detalhes e rapidez ao carregar. Delta também tem cutscenes muito bonitas, que chegam a chocar por estarem rodando num portátil.
A dublagem do jogo permanece de altíssimo nível, retomando os dubladores do game base, e adicionando novos para os (excelentes) novos personagens. As legendas em português continuam de qualidade razoável, com seu escorregão aqui e ali, mas sem comprometer o sentido. As músicas retomam os temas de Soul Sacrifice, com uma ou outra variação. São boas faixas, mas sem nada extremamente marcante.
Veredito
Delta é a versão definitiva de Soul Sacrifice, melhorando seu enredo criativo e de alta qualidade e seu combate variado e recompensador, além de criar ainda mais complexidade nas escolhas de gameplay, tornando esse jogo (cujo tema é o peso das escolhas) uma obra poderosa e divertida como poucas neste ano.
Jogo analisado com cópia adquirida pelo redator na PlayStation Store brasileira.