Monster Monpiece é um jogo bastante polêmico e mostra um pouco da diferença cultural que existe entre o público de games ocidental e o oriental. No Japão, o game excedeu as expectativas de sua distribuidora, o que levou a um esgotamento do estoque de cópias do jogo em apenas uma semana. No Ocidente, entretanto, sua recepção não tem sido favorável.
O jogo apresenta um mundo em que humanas trabalham juntas com monstras para combater aqueles que se tornaram violentos. Só há seres do sexo feminino no jogo, com exceção do pai de uma garota, que é apenas mencionado brevemente. Acompanhamos a jovem May, que vê sua amiga Elza se tornar violenta e começar a roubar pedras que permitem às monstras ter energia. Para salvar sua amiga e a paz de seu mundo, May alia-se à monstra Fia e segue em busca de um jeito de salvar Elza e diminuir o dano que ela causa pelo mundo.
Essa história é bastante tradicional e permite uma busca ampla o suficiente para que as garotas possam viajar pelo mundo todo, ver diversos cenários e encontrar diversas personagens. Infelizmente, tudo isso faz parte de clichês bastante desgastados e cansativos. Clichês podem ser usados de forma interessante se forem bem elaborados e postos em situações de interesse, que os renovem de certa forma. Afinal, um clichê mantém sua presença porque ele encontra validade em situações humanas. Contudo, Monster Monpiece não tem a preocupação de renovar nenhum de seus clichês.
Há quem diga que certos jogos colocam os momentos de gameplay como obstáculo entre uma cutscene e outra. Monster Monpiece apresenta a situação oposta: os diálogos são obstáculos para a verdadeira riqueza do jogo, a jogabilidade. Embora com boa dublagem em japonês, a qualidade do diálogo de Monster Monpiece é sempre medíocre, fazendo com que os momentos de conhecer melhor as personagens sejam repetitivos, previsíveis e até longos demais.
Monster Monpiece tem uma mecânica de card battle complexa e viciante. Você assume o papel de May para controlar um deck com até 40 cartas, cada uma representando uma monstra diferente. No começo de um combate, aparece um cenário 7×3, com uma faixa de 1×3 como zona neutra e dois trechos 3×3 em que cada oponente pode invocar suas cartas. Nos extremos do campo de batalha, estão as bases de cada adversário; o objetivo é fazer suas criaturas destruírem a base inimiga.
Na prática, isso é feito com a invocação de monstras, e a ciência de saber quais delas invocar e em que situações fazê-lo é o verdadeiro tesouro de Monster Monpiece. Cada carta requer uma quantidade específica de mana, que é adicionada aos poucos em cada rodada. Há oito tipos de monstras diferentes, que podem ser sumarizados em quatro classes: guerreiras, com bastante ataque e pontos de vida; arqueiras, mais frágeis fisicamente, mas capazes de atacar à distância; curadoras, que recuperam a vida da companheira que está à sua frente; e magas, capazes de aumentar o ataque da aliada adiante. Essas duas últimas classes, além de pontos de vida e ataque, têm também pontos de magia, o que limita a duração de suas habilidades.
Além desses status básicos, cada carta é dotada de uma aura, que pode ser vermelha, amarela, azul ou verde, e esse atributo pode ser usado a favor do jogador: invocar monstras de uma mesma cor em sequência garante bônus a todas as criaturas aliadas. Algumas cartas ainda têm habilidades especiais, como causar dano imediato ao serem invocadas ou aumentar a mana do jogador, e existe uma interessante técnica de fusão de monstras, que permite combinar seus valores de vida, ataque, magia e habilidades especiais, só é preciso que as duas cartas sejam do mesmo tipo.
Tudo isso cria imenso potencial para variação na criação de decks, e há a opção de criar e armazenar vários deles. O número de cartas possíveis é bem grande e você pode encontrar novas cartas pelo cenário, derrotando inimigos ou comprando pacotes de cartas, que vão variando conforme você explora. Quanto mais avançado se está, maiores são as opções de pacotes para comprar. Não é possível, entretanto, comprar cartas específicas: os pacotes são sempre randômicos.
A outra opção para obter diferentes combinações de cartas é evoluir uma das monstras, e este é o verdadeiro ponto nevrálgico de Monster Monpiece e que, em grande medida, tem determinado toda a sua recepção. Para evoluir uma carta, você usa pontos adquiridos em batalha e entra num minigame cujo objetivo é usar a tela de toque para provocar prazer na monstra. Você precisa segurar o Vita na vertical e procurar os pontos em que a criatura é sensível, normalmente os seios, as pernas, a barriga, a virilha; raramente os pontos são menos óbvios, como a mão ou a cabeça.
Encontrado o ponto específico, o jogador precisa acertar o tipo de movimento que apraz à criatura. Se acertar seguidamente, a barra de progresso do minigame aumenta com rapidez e você é apresentado a uma subseção da mecânica, que tem como objetivo aumentar mais rapidamente a barra, e que consiste em movimentar sua mão para cima e para baixo na tela do Vita e na parte de baixo simultaneamente.
Se a minha descrição dessas mecânicas foi efetiva, deve ter ficado claro que esse minigame simula bolinação. Em última instância, você está masturbando a monstra da carta e evoluí-la é praticamente levá-la a um orgasmo. Ao longo de todo esse processo, você ouve a criatura gemer a cada toque no lugar certo (aliás, a questão do gemido parece ser importante para o jogo, já que há inúmeras opções de gemido via DLC) e, ao final, caso você preencha a barra antes do tempo se esgotar, a carta evolui, o que provoca uma consequência técnica e uma estética.
A consequência técnica é que os status da carta mudam: ela pode obter uma habilidade especial, pode custar mais ou menos mana para ser invocada e pode ter seus pontos de vida, ataque e magia alterados. Nem sempre essas mudanças soam como algo consequente, pelo menos não de um ponto de vista orgânico. Uma carta com vários pontos de vida e baixo ataque pode ter seu ataque aumentado e sua vida diminuída ao evoluir, o que pode desmontar as expectativas do jogador que só buscava aumentar os pontos de sua carta de uma forma linear. Por isso, cada carta evoluída deve ser tratada como potencialmente distinta da sua versão anterior. Ter criaturas em sua forma mais básica pode ser essencial, dependendo da estratégia do jogador.
A consequência estética da evolução de uma carta está ligada ao seu vestuário. Cada criatura tem três formas diferentes e, a cada evolução, ela perde peças de roupa. Uma carta pode apresentar uma monstra totalmente vestida e, ao final de sua evolução, ela pode estar quase sem nada cobrindo seu corpo. Some-se a isso o fato de que muitas dessas cartas estão em poses que as expõem muito e têm uma conotação sexual, e é difícil negar que tudo relacionado à evolução das cartas está ligado a sexo, o que pode limitar o público do jogo pela forma explícita como ele trata o assunto.
Muita gente pode considerar todo esse minigame como sendo algo extremamente constrangedor, o que é um problema num jogo de portátil. Como eu não jogo fora de casa, não me importei com esse aspecto. O que incomoda é que ele não tem uma relação profunda com o resto do jogo, não há razão para que a mecânica seja dessa forma e, se pensarmos no contexto da história, May não tem nenhuma forma de relação sexual com as monstras, então esse minigame está totalmente fora de contexto. Se fizermos uma comparação com Conception II, por exemplo, vemos que é possível falar de sexo dentro do contexto do jogo, mesmo que esse contexto seja meio maluco.
O design de certas cartas também pode ser meio ofensivo para alguns porque algumas monstras parecem ser muito novas para o socialmente aceitável e o tratamento sexualizado que recebem é polêmico. Imagino que, para o público japonês, isso não tenha sido um problema, o que faz disso um problema cultural que pode barrar o caminho de quem se interessar. Em contrapartida, o design das cartas foi elaborado por mais de 50 artistas diferentes, então há uma variedade radical nos desenhos; alguns são melhores e mais aceitáveis do que outros.
Se alguém se interessar pelo jogo, mas não gostar da mecânica, cabe o aviso: não há como vencer sem evoluir suas cartas. O minigame é imprescindível e o único jeito de desviar dele seria por meio de um item que permite evoluir a carta sem passar por todo o processo normal. Esse item, entretanto, é encontrado raramente (só peguei dois durante todo o meu progresso até o fim do jogo), sendo necessário comprá-lo como DLC.
Quem decidir se aventurar por Monster Monpiece, entretanto, encontrará um viciante sistema de batalha e dezenas de inimigos para consumir muitas horas. Se há um problema no combate, é a inteligência artificial, que é relativamente previsível, permitindo que um jogador razoavelmente perspicaz a supere mais ou menos sem problemas se seu deck estiver compatível com o desafio. Por isso, o jogo pode se tornar cansativo. Felizmente, as batalhas são limitadas, e você não precisa participar de todas: o jogo oferece caminhos fixos para chegar até os pontos principais da história e grande parte das batalhas é opcional.
Quem estiver interessado em batalhas mais interessantes deve procurar o on-line do jogo, que permite combates de um contra um pela internet ou numa conexão ad-hoc. Não tive problemas para encontrar adversários para jogar e as partidas foram sempre divertidas. Para quem quiser experimentar variações, o multiplayer permite determinar regras específicas, o que pode determinar os rumos das partidas e renová-las.
Além disso, o multiplayer oferece interessante integração com a campanha: a cada vitória, ganha-se um anel. Ao colecionar seis anéis diferentes, o jogador pode trocá-los por itens e cartas raras, o que pode ser bastante útil em momentos de dificuldade no single player.
Veredito
Monster Monpiece é um jogo de cartas viciante e com bastante complexidade, cheio de estratégias para explorar, mas com um minigame fora de contexto que parece fan-service deslocado. A história é fraca, mas a jogabilidade é viciante e, se em algum momento a inteligência artificial causar tédio, o multiplayer oferece uma experiência ótima.
Jogo analisado com código fornecido pela Idea Factory International.