A Telltale não foi a pioneira em jogos adventure point & click, mas não há como negar que seu trabalho episódico em The Walking Dead deu um novo destaque ao gênero, abrindo espaço para outras empresas trazerem bons jogos, como Life is Strange. Knee Deep, da novata Prologue Games, entra na onda dos adventures modernos, baseando-se fortemente na narrativa em detrimento de pouca interatividade.
Knee Deep traz uma proposta peculiar, apresentando seu jogo como uma peça teatral. Toda a história se passa em palco, com os personagens contracenando, um narrador apresentando as cenas e uma plateia assistindo e reagindo de acordo com o momento. Uma ideia bem interessante é que o palco é rotativo, isto é, quando a cena se passa em uma localidade diferente, o palco gira e os atores são transportados para a nova área.
O jogador age tanto como espectador quanto como diretor. Você assiste a história se desenrolar e os personagens interagirem, bem como, nos momentos adequados, comanda os protagonistas, decidindo suas falas e reações. Eventualmente, alguns quebra-cabeças simples são apresentados.
Decisão de diálogos, quebra-cabeças e relatórios (falarei mais sobre isso posteriormente). Isso é o máximo de interação que você terá com o jogo. Nem mesmo movimentar os personagens você consegue. É bom que isso fique claro ao jogador para não gerar decepção ou falsas expectativas: este é um jogo desenvolvido e pensado para narrar uma história, com você sendo convidado a participar e alterar pequenas porções dela. Isso não é um aspecto negativo, é somente a abordagem que a desenvolvedora seguiu.
E como a história é o foco do jogo, vamos então a ela. Tudo tem início com o suicídio de Tag Kern, um ator hollywoodiano famoso em seus anos de glória, mas atualmente em decadência e jogado para filmes irrelevantes. A tragédia ocorre na pacata cidade pantanosa de Cypress Knee, que se torna alvo da imprensa e de curiosos com o caso. Toda essa atenção faz com que detalhes e eventos secundários comecem a vir à tona, colocando em xeque o suposto suicídio e mostrando que algo maior e mais terrível pode estar por trás disso.
Você acompanha a trama do ponto de vista de três protagonistas estereotipados, todos trazidos a Cypress Knee para investigar o suicídio, porém, cada qual com sua própria motivação: Romana Teague é uma blogueira procurando um artigo de peso para recuperar sua reputação; Jack Bellet é repórter de um jornal local, de comportamento temperamental e em vias de divórcio; K. C Gaddis é um investigador particular, com um passado permeado por experiências negativas que colocam um grande peso em sua consciência. Um aspecto legal é que você decide qual o passado de cada protagonista, e isso influencia alguns diálogos posteriores.
Embora de personalidades e aspirações bem diferentes, em pouco tempo o caminho dos protagonistas acaba se cruzando enquanto eles se aprofundam em uma trama muito mais complexa e perigosa, envolvendo negócios, política e religião, que mostram que de pacato a cidade não possui nada. Embalado por cenas acontecendo tanto no passado quanto no presente, você logo de cara sabe que o suicídio é apenas a ponta do iceberg para toda uma grande conspiração e a história fica atiçando sua curiosidade em querer saber o que realmente aconteceu e o que os protagonistas fizeram.
A história é dividida em três atos, sendo o primeiro o mais completo deles e os outros dois mais curtos e diretos. Seu roteiro possui altos e baixos e, felizmente, os pontos altos sustentam a trama e conseguem te manter interessado, embora não haja nenhum grande momento ou reviravolta. Vez ou outra você consegue captar uma veia humorística com referência a artistas e até certa crítica religiosa. A parte final pode ser um divisor de opiniões, pois a história toma um rumo estranho e inesperado, num clima de séries como Arquivo X e Twin Peaks (eu gostei).
Apesar de ter o poder de decidir o diálogo de cada protagonista, suas decisões não apresentam tanta relevância assim (pelo menos, eu não consegui notar isso), sendo que o máximo que acontece é o personagem coadjuvante não querer mais conversar com o protagonista. Não existe nem mesmo um “Game Over”; a história se adapta e prossegue, não importa qual linha de diálogo você seguir. Um ponto interessante, no entanto, é uma opção de diálogo quase sempre presente que reproduz a personalidade de cada protagonista: a Romana pode dar uma resposta sem pé nem cabeça, o Jack pode ser agressivo e o K. C. parte para o cinismo e ironia.
Os protagonistas, em suas profissões, estão subordinados a um chefe e devem emitir postagens/relatórios a respeito do andamento de suas atividades. Este é outro tipo de interação que você tem com a história, decidindo o que eles irão escrever seguindo três estilos: um texto mais profissional, outro mais tendencioso e um TOTALMENTE EXAGERADO (sim, em maiúsculas). Novamente, independente da escolha, não há uma grande relevância nos rumos da história, apenas no comportamento de alguns personagens, embora os textos exagerados sejam divertidos de se ler. Além disso, este é um recurso que acaba sendo pouco usado no Ato 2 e praticamente esquecido no Ato 3.
Além da história, outro destaque do jogo é sua dublagem (infelizmente, áudio e legendas apenas em inglês). Com exceção de um ou outro personagem de menor destaque, todos possuem uma dublagem muito bem feita, trazendo personalidade e nuances distintas a cada um. No entanto, como o jogo simula uma peça teatral, as vozes em certos momentos ficam abafadas e há o efeito de eco no ambiente, o que pode dificultar seu entendimento – não sei se isso foi proposital ou não.
Os gráficos são onde o jogo tropeça, no que diz respeito ao design dos personagens. Os cenários são bem feitos e alguns possuem efeitos de iluminação que os deixam bonitos, porém, os personagens são mal modelados, algo que fica evidente quando a câmera se aproxima muito. Talvez possa ser o estilo artístico seguido pela desenvolvedora, ou talvez seja o resultado de um orçamento apertado. Mesmo assim, não é nenhuma aberração ou algo de grande impacto e, como um todo, o jogo ainda é bom.
Por fim, vale uma observação. Tive problemas com o save de Knee Deep por duas vezes. O jogo simplesmente não reconhecia mais o save, não me dando a opção de continuar, e eu tinha que recomeçar tudo de novo. Isso parou quando desinstalei e reinstalei o jogo, mas retornou alguns dias depois. Perguntamos aos responsáveis se isso é um bug ou se eu que não tive sorte e, por enquanto, não recebemos respostas.
Veredito
Uma peça teatral interativa em três atos. Knee Deep traz uma proposta interessante, da mesma forma que uma história policial consistente e com mistérios suficientes para te prender até o fim, embora o final possa te surpreender negativamente. Você é tanto o espectador quanto o diretor, comandando os passos de três protagonistas, enquanto eles se envolvem no mistério do suicídio de um ator de Hollywood que já teve seus tempos de glória. Apesar de gráficos medíocres e datados, interação mínima, e altos e baixos no roteiro, o jogo possui personagens carismáticos apoiados por boa dublagem, fornecendo sua dose de diversão para os que desejarem se aventurar nesse noir pantanoso.
Jogo analisado com código fornecido pela desenvolvedora.