Blue Estate é um jogo imediatamente polêmico porque resgata um gênero relativamente abandonado pela história: o shooter sobre trilhos. Nele, você encarna um personagem que se move de forma predeterminada, geralmente dando alguns passos, parando para matar algum inimigo, e voltando a andar até a hora de atirar novamente. Com isso, as únicas oportunidades de interação do jogador são mirar, atirar, se esconder e recarregar. Embora esse modelo tenha sido bastante popular há quinze anos, a tendência de dar cada vez mais controle e oportunidades de interação ao jogador o relegou ao passado.
Isso não significa que não haja qualidades ainda a aproveitar num shooter sobre trilhos. A tensão da luta contra o tempo, o uso perfeito de cobertura e saber usar cada oportunidade para acertar o inimigo são elementos que entregam uma satisfação que, embora bastante simples, é real.
Fiz essa breve introdução só para deixar claro que eu acredito na possibilidade de existirem bons shooters sobre trilhos ainda hoje, e que Blue Estate é um jogo ruim não por pertencer ao gênero, mas por ser um mau exemplo dele.
A proposta de jogabilidade de Blue Estate é interessante e inovadora: você não usa os analógicos para direcionar a mira, mas sim o próprio Dualshock 4, graças a seus sensores de movimento – estranhamente, não há suporte para o PS Move. Por mais estranho que esse esquema de movimento pareça ser, ele é bastante preciso num primeiro momento. É relativamente fácil dominar a proposta e sair jogando já de início; basta uma calibrada inicial.
O problema é que isso só funciona no início. Em poucos minutos, o jogador vai notar que a mira vai ficando cada vez mais lenta e difícil de movimentar. Depois, ela vai simplesmente sumir e você não vai saber mais como colocá-la no centro da tela.
A única forma de reverter esse processo tosco é recalibrar a mira, apertando para cima no direcional ou L1. O fato de essa opção já estar no esquema principal de controles mostra que os desenvolvedores sabiam o tamanho da necessidade desse mecanismo para tornar o game minimamente jogável.
Após o processo de entender essa fraqueza, o jogador pode aproveitar razoavelmente a experiência, mas é ridícula essa necessidade de calibragem, quase como se o jogador estivesse literalmente lutando mais contra os controles do que contra os inimigos apresentados no game. Não cheguei a contar exatamente, mas me parece que o número de vezes que usei o L1 para recalibrar a mira foi quase tão grande quanto as vezes em que usei o L2 para recarregar minha arma. E não há opção de mudar os controles para o analógico, o que deixa o jogador condenado a esse esquema.
Esse não é o único problema dos controles. No geral, todos os botões de que o jogador precisa estão bem próximos, seja para atirar, recarregar, recalibrar a mira ou trocar de arma (só se pode carregar duas, por sinal); entretanto, Blue Estate faz um frequente uso do touch pad para coletar itens (munição e recuperadores de vida) e usar ataques físicos.
A princípio, esse esquema parece funcionar, mas nos momentos mais tensos do jogo a mecânica começa a falhar. Isso porque é necessário deslizar rapidamente o dedo por todo o touch pad, o que às vezes requer tirar uma mão do controle para dedicá-la exclusivamente a esse movimento, significando perder ou a capacidade de atirar ou a de recarregar. Talvez isso tenha acontecido muito comigo porque minhas mãos não são das maiores, mas é um elemento importante a destacar.
Se o jogador conseguir atravessar esse mundo de problemas, pode encontrar sinais do que Blue Estate poderia ter sido caso seus controles não fossem tão ruins. Ao contrário de Time Crisis (ícone do gênero e lembrado por inúmeros frequentadores de arcades), Blue Estate raramente dá ao jogador a opção de se proteger. Os personagens recarregam olhando para os inimigos, enquanto estes atiram. Para oferecer uma chance de sobrevivência ao jogador, o game oferece sinais que permitem ver quão perto cada inimigo está de acertar um tiro no personagem, ou seja, a prioridade não é saber se esconder e atirar nos momentos certos, e sim saber escolher seus alvos na ordem certa.
Isso às vezes cria situações ridículas, com cinco inimigos atirando ao mesmo tempo e nenhum acertando seu alvo (parado) até a décima bala. Apesar disso, esse momento de confronto direto e franco cria uma tensão no jogador também, que tem a urgência de acertar todos com rapidez e não se deixar ferir.
Em termos visuais, Blue Estate não é feio; aliás, apresenta um interessante contraste de cores, sabe variar o estilo de seus cenários e certamente tem uma identidade dentro dessa variação. No entanto, não é algo que surpreenderá os donos de PS4. O mesmo vale para o som: dublagem e trilha sonora não são espetaculares, mas entregam um produto coerente com a proposta do game.
A história do jogo é bastante discutível. Baseado na HQ de mesmo nome (que eu desconheço), Blue Estate busca um recorte de ação desenfreada com toques de humor e autoconsciência, algo parecido com o que seria possível encontrar num filme de Tarantino e, talvez, num jogo do Suda51. Entretanto, o humor do jogo é muito específico, agressivo e simplista, não devendo agradar a muitos. Além disso, o game em si não demonstra muito da autoconsciência que parece buscar e as piadas dos personagens acabam ficando sem crítica.
Durante as sete fases do jogo, você controla os personagens Tony, assassino inconsequente e brutal, filho do chefe da máfia; e Clarence, ex-soldado que trabalha para a máfia, buscando apenas dinheiro para sair do negócio sujo o mais rápido possível. Cada um representa um tipo diferente e interage com os personagens que encontra de forma peculiar. Até as armas de cada um representam seu caráter: Tony prefere armas grandes e barulhentas; Clarence é mais sutil.
Além dos dois personagens, a trama é vista pelos olhos de um detetive particular que, ao invés de criticar os bandidos, se empolga muito ao contar a história do jogo e, de alguma forma, inveja os envolvidos. Isso retira grande parte do caráter crítico que Blue Estate supostamente gostaria de imprimir ao jogo. No fim, a única marca dessa intenção acaba sendo o recado, no início do game, de que nenhum personagem no jogo é um herói e que todos deveriam ser presos. Entretanto, o tom de Blue Estate não é esse.
Por fim, a história não apresenta nenhum fechamento satisfatório. Ela é só um capítulo das aventuras de Tony, desenvolvendo uma pequena história, mas deixando tantos aspectos soltos ou mal desenvolvidos que, ao final, não existe uma resolução dentro daquele universo. No final, a sensação do jogador em relação à trama é de vazio e desinteresse.
Veredito
Blue Estate é um shooter sobre trilhos com péssimos controles, que deveriam ter sido repensados ainda no desenvolvimento. Aprendendo a lidar com os problemas, é possível encontrar alguma diversão, mas não vale muito a pena, com uma história sem pé nem cabeça e sem a autoconsciência que aparenta.
Jogo analisado com código fornecido pela Focus Home Interactive.