O processo de criação de uma nova franquia é sempre algo complexo, mesmo para um estúdio com capacidade para trabalhar bem um gênero específico. A Slightly Mad Studios foi fundada em 2009 já com profissionais experientes em criar títulos de corrida. Ainda nesse mesmo ano, a parceria com a Electronic Arts já rendeu o lançamento de Need for Speed: Shift, que foi uma experiência nessa franquia em criar algo mais focado para o realismo e simulador de corrida, deixando um pouco o histórico arcade de títulos anteriores.
Apesar dos projetos iniciais, a desenvolvedora realmente mostrou mais imponência com a revelação de sua própria franquia de simulador de corridas. Project CARS foi lançado em 2015 e teve relativo sucesso, focando ainda mais no realismo de direção, o que o deixou pautado como um emergente concorrente para Gran Turismo ou Forza Motorsport. O projeto ainda gerou uma sequência em 2017, com ainda mais conteúdo e, finalmente, estabelecendo a franquia criada pela desenvolvedora. Agora, em 2020, o terceiro jogo de Project CARS finalmente foi lançado, porém, pode não ser da forma como todos esperavam.
Inicialmente vamos relembrar algo aqui. Após o desastroso lançamento de Driveclub e de um bom tempo tentando recuperar o jogo – diga-se de passagem que o resultado final de Driveclub é algo excelente e que deveria ter tido mais sucesso após todas as melhorias que recebeu -, a Evolution Studios acabou sendo extinta pela Sony e vários de seus membros, incluindo Paul Rustchynsky, diretor do jogo, foram assimilados por desenvolvedoras focadas em jogos de corrida, como a Codemasters e a própria Slightly Mad Studios. Em 2019, a Slightly Mad Studios foi adquirida pela Codemasters e, assim, levou todo seu portfólio para o grupo, incluindo Project CARS.
Agora, por que de toda essa história sendo contada? Ora, por que há imensas semelhanças entre o novo jogo de corrida da Slightly Mad com o título exclusivo do PS4 e, talvez, isso possa ser explicado exatamente pelas pessoas que criaram ambos os jogos.
É preciso deixar claro desde o princípio que Project CARS 3 destoa bastante dos jogos anteriores, principalmente por um motivo: abandona em muito o simulador de corridas e realismo a fim de criar uma experiência mais arcade e, assim, acessível a mais jogadores. Afinal, é comum encontrar aqueles que só querem uma diversão descompromissada em 2 ou 3 corridas e que se sentem apavorados com tudo o que jogos mais realista mostravam.
A intenção aqui é criar um jogo que possa atender 2 mundos, tanto os amantes de simuladores quanto jogadores mais casuais mas que também gostam de carros. De certa forma, se cada tipo de jogador for exatamente atrás do que quer no jogo, pode ser que ambos saiam satisfeitos.
Em suma, Project CARS 3 apresenta bastante conteúdo para um jogo do tipo, com mais de 200 carros, 51 localizações espalhadas pelo globo e mais de 120 formatos de pistas. O jogo foi redesenhado para que possa propiciar um certo tipo de campanha mais tradicional de jogos do tipo, com uma certa evolução e criando assim uma melhor linha de aprendizado, que pode ser moldada por cada tipo de jogador.
Após criar seu piloto e participar de um evento inicial, o jogador toma a escolha de um carro inicial, básico e de ligas inferiores. Começa aí a jornada para se tornar o melhor piloto e equipe de corrida. Avance desde os campeonatos base, com veículos simples e vá melhorando, ou trocando seus carros para disputas mais intensas. Sai das corridas de veículos padrões e passe para campeonatos profissionais e específicos, que vão desafiar conhecimento e habilidade adquiridos ao longo de sua carreira. Vença os melhores prêmios, compre os melhores carros ou veículos específicos e raros, dispute campeonatos e chegue ao topo. Praticamente há uma história, por assim dizer, para o jogador, mas, lógico, isso serve de pretexto para aproveitar a maior parcela de conteúdo single player aqui.
Há várias atividades diferente e não apenas corridas em circuitos onde vence o melhor, que aliás algo descartado nesse tipo de campanha. O jogador terá eventos de volta rápida, consistência de voltas para um melhor tempo, destruir alvos para aumentar a pontuação e mais. Cada categoria vai apresentar marcos distintos e vencer não é o base, já que cada prova poderá ser concluída de formas diferentes. Domine todas as curvas de uma pista, acerte o melhor traçado, ultrapasse um número específico de concorrentes em menos tempo e vários outros objetivos poderão ser alcançados ao invés de apenas buscar a vitória. Logicamente, conquistar mais desses objetivos garantirá um melhor progresso do jogador e do veículo, liberando assim mais recursos ou desconto para melhoria do veículo ou desbloqueio de novas atividades, campeonatos e categoria.
O progresso aqui é bem balanceado, já que jogadores iniciantes tem um tempo maior para aprender e não são punidos. Enquanto isso, os experientes pode acelerar o processo, ativar dificuldades mais altas ou ajustes de veículo sem grande assistências, como tração ou frenagem, o que vai garantir um bônus a mais de cada recurso que o jogo fornece.
Inclusive, essa mudança de jogabilidade é o que foi feito para aproximar novos jogadores ao estilo. A “Experiência de Primeira Vez” (FTUE – First Time User Experience) é um meio que vai introduzindo a novos jogadores mecânicas ainda não conhecidas e que podem ser customizadas à medida que esse novo usuário se torne mais familiarizados. Isso é um grande acerto, sendo possível começar dos primórdios com dificuldade de IA ou assistências direta no veículo, assim como auxílios de pista, como pontos de frenagem, em curvas ou indicadores para a melhor tangente em um circuito. Apesar disso não ser novidade em jogos do tipo, com funções semelhantes já tendo sido apresentadas em jogos como GT5 ou Forza 3 na geração anterior, a forma como é apresentado em Project CARS 3 fica bem mais clara e atrativa aos novatos.
Quanto aos jogadores mais ávidos pelo realismo, todos os facilitadores podem ser removidos e ter a experiência mais crua possível. Entretanto, detalhes minuciosos, ajustes técnicos e mais podem não ser tão aprofundados como no passado. Ainda é possível melhorar os veículos e ajustá-los da maneira como quiser, como balanceamento de suspensão, ajuste da aerodinâmica e mais, o que pode recompensar o jogador com milésimos de segundo em provas de dificuldade avançada. De toda forma, o desafio é ajustado e isso gera uma recompensa maior para os que se aventurarem em graus mais complexos no jogo, mesmo que isso claramente não seja mais o foco aqui.
A jogabilidade continua tão boa como antes. Direção mais realista não foi alterada, assim como qualquer fator que interfira nisso, desde frenagem, força g, atrito e mais. Mesmo que o estilo seja mais facilitador, e ainda há assistências como sistema ABS ou controle de tração, o jogador precisa aprender ou ter noção da direção em circuitos. Ainda continua impossível fazer curvas no desespero e você será punido por forçar um estilo sujo de pilotagem.
Além do vasto conteúdo single player fornecido, as tradicionais competições online não poderiam faltar aqui. Um repaginado sistema de licença de PC2 é usado para qualificar cada jogador de acordo com sua forma de pilotar e, assim, criar disputas mais justas. Tudo é levado em conta, desde sua habilidade ao volante, seguir traçados, agressividade com oponentes, se as regras padrões são respeitadas e mais. Isso evita criar ambientes online que mescla jogadores mais sérios entre os famigerados trolls. Ainda com o jogo sem ter sido lançado, foram poucas as partidas encontradas para jogar, mas ambas funcionaram bem e a conexão não atrapalhou a diversão.
Uma boa novidade para o multijogador são a provas de Rivais. Nela você pode participar de vários desafios e tentar deixar seu melhor tempo ou pontuação. Sejam provas diárias, semanais ou mensais, em cada uma há uma classificação que vai desde vários níveis de conquista de bronze, prata e ouro e até uma de platina, listando os melhores do mundo nesse desafio. Fazendo mais uma vez a comparação com Driveclub, isso é semelhante aos marcos apresentados pelo exclusivo do PS4, que apareciam quando o jogador realizava uma volta mais rápida ou uma curva com melhor traçado, só que agora em um escopo maior.
Como todo e qualquer jogo que envolva carros reais, o visual dos possantes veículos precisa ser de cair o queixo e isso não falta aqui. Veículo são bem detalhados, tanto externa como internamente, e ainda há boas opções de customização de cada um. Cockpits distintos e com alto grau de semelhança com modelos reais é um deleite visual, assim como linhas de carros mais arrojados ou modelos clássicos, como um Mustang ou Porsche. Entretanto, quando paramos para observar o visual dos ambientes e pistas, Project CARS 3 dá uma boa derrapada.
Alguns problemas já são de conhecimento do estúdio e devem ser resolvidos como o tempo, como ligeiras quedas nos quadros por segundo quando há um acúmulo grande de carros e efeitos de fumaça em tela ou sombras que piscam frequentemente. Porém, problemas como popups excessivos de vegetação ou texturas de baixa qualidade, que acabam sendo menos perceptíveis com o veículo em alta velocidades, provavelmente irão se manter. Isso acontece praticamente em vários cenários, o que reduz a fidelidade visual de locais como Cuba, Itália e até no Brasil com o circuito de Interlagos.
Eventualmente, além do design e qualidade visual dos veículos, há pontos positivos a se retirar na parte técnica do jogo. Efeitos climáticos foram ainda aprimorados quando comparados aos já excelentes do jogo anterior. Apesar das ligeiras quedas mencionadas, a taxa de quadros por segundo é deveras regular e não se torna problema em quase nenhum tipo de jogo, seja online ou na campanha solo.
Project CARS 3 não vai ser perfeito para nenhum dos grupos de jogadores que almeja alcançar. Apesar das melhorias para adaptar novos jogadores ao estilo, jogo ainda não é um arcade total e soa mais como um semi-simulador, sem se prender a nenhum dos lados dessa gangorra. Aos jogadores hardcore, os imensos detalhes de simulação real não parecem mais o foco e pode perder os entusiastas do tipo. Praticamente é um meio termo e se mantém demais em cima do muro para parecer o melhor de dois mundos. Entretanto, o jogo faz melhor nesse estilo do que fez tentando ser um simulador puro e pode ser divertido o suficiente para agradar todos os jogadores, talvez mais do que grande simuladores fizeram ou do que Driveclub tentou fazer.
Jogo analisado no PS4 Pro com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Project CARS 3 pode ser o melhor jogo de entrada para novatos. As facilidades em abraçar novos jogadores deixaram o jogo com um estilo mais arcade ou semi-simulador. Jogadores hardcore precisam ir mais a fundo para ter a experiência de simulação dos jogos anteriores, mas ainda é possível encontrar. Não vai ser um título perfeito em nenhuma parte, mas a reimaginação do modo carreira e a criação de um bom ambiente online pode fornecer diversão para qualquer interessado no jogo.
Veredict
Project CARS 3 may be the best entry game for beginners. The easiness in embracing new players left the game with a more arcade or semi-simulator style. Hardcore players need to dig deeper to get the simulation experience from previous games, but it’s still possible to find it. It won’t be a perfect title anywhere, but the reimagining career mode and creating a good online environment can provide fun for anyone interested in the game.