Antes mesmo de o Kickstaster virar moda, a Slightly Mad Studios anunciou o ambicioso Project CARS, financiado por meio de doações através do portal World of Mass Development. Disponível em acesso antecipado desde o seu anúncio em 2012 apenas para PC, Project CARS (sigla para Community Assisted Racing Simulator) aporta no PS4 prometendo elevar os simuladores de corrida a um novo patamar. A resposta definitiva para tal questão irá pairar no vento até a chegada de Gran Turismo 7 – ou seja, ainda vai demorar um bom tempo.
O fato de Project CARS ser o primeiro simulador disponível no PS4 traz consigo um enorme peso e responsabilidade. Não somente pela comparação com o já citado Gran Turismo, mas também por atender a um nicho ávido por novidades: a crescente comunidade dos simuladores de corrida. Fato é que Project CARS já ultrapassou a marca de um milhão de cópias vendidas entre as três plataformas para as quais foi lançado (PS4, PC e Xbox One). Fato esse que culminou no recente anúncio do lançamento para os consoles de outro aclamado simulador disponível apenas para PC – Assetto Corsa.
A Slightly Mad Studios fez certo nome ao renascer a série Need For Speed com Shift, lançado em 2009. Desenvolveu também Shift 2: Unleashed em 2011 e Test Drive: Ferrari Racing Legends em 2012, todos bons jogos, porém com jogabilidade muito semelhante um com o outro. A ambição da Slightly Mad parecia soar prepotente de início. Tendo hoje Project CARS em mãos, o jogo pouco ou nada lembra a série a Shift em termos de jogabilidade – o que é muito bom por sinal.
O que também é muito bom é o fato do jogo pouco se parecer com Gran Turismo. Enquanto GT pune o jogador mais por errar o ponto de frenagem, Project CARS o faz na hora de acelerar, pois mesmo com todas as assistências ativadas, alguns carros requerem uma aceleração lenta e gradual. Guiar qualquer um dos modelos clássicos de Fórmula 1 da Lótus disponíveis é um ato que demanda certa perícia. Entretanto, andar a bordo de um desses bólidos rasgando as retas dos circuitos nos proporciona experiências indeléveis.
Graficamente, apesar de bonito, o jogo não surpreende – efeito causado por longa exposição dos olhos às belezas de Drive Club. O que de fato é muito bem feito são as mudanças climáticas e a progressão dia/noite. Tudo ocorre de forma lenta, sem mudanças bruscas. Talvez a grande ressalva seja por conta da rapidez com que a pista seca após o término da chuva. Em uma volta – ou menos, dependendo do tamanho do circuito – a pista fica completamente seca, sem a formação de “trilhos” de partes secas na pista ao longo de algumas voltas, para então secar de forma gradativa. Outro detalhe digno de nota – um pouco bizarro, é verdade – ocorre à noite. Por algum motivo que a ciência não sabe nos explicar, a neblina em Project CARS possui capacidades luminescentes. Ou seja, ao invés dela prejudicar a visão durante uma corrida noturna, ela na verdade ajuda o piloto a enxergar melhor a pista, diminuindo o breu.
Diferentemente de certos jogos em que o ronco de muitos carros mais parece uma furadeira em ação – nesse exato momento, meu dedo aponta para você, Gran Turismo! -, em Project CARS cada carro possui um ronco único. Não importa o modelo do carro, ouvir o ronco do motor é algo extremamente prazeroso, tornando o design de som um dos pontos mais fortes do jogo.
Falando em carros, a lista de modelos disponíveis não é das mais vastas – o que, em se tratando de um simulador, chega a ser decepcionante. Porém, o jogo acaba compensando ao abranger um vasto número de categorias de veículos, desde karts, passando por GT3, LM, Fórmula 1, alguns carros de rua, além de alguns clássicos, como a BMW 1 M Coupé, Mercedes-Benz 190E, os Ford Escort e Sierra, além de outros.
Os danos nos veículos são de uma complexidade pouco comum aos simuladores. Depois de algumas batidas, mesmo que leves, é comum seu carro ter problemas na direção. Bater um pouco mais forte na parte frontal do carro é quase certo que o motor irá “fumar”. Os carros chegam inclusive a soltar peças, como capô, para-lamas, rodas e outras partes menores. Também podem acontecer imprevistos, como falhas mecânicas ou durante o pit-stop. O que era pra ser uma simples troca de pneu pode se tornar um transtorno, caso um dos mecânicos se atrapalhe e acabe por espanar um dos parafusos da roda.
É uma pena que tudo isso não pode ser visto, pois durante o pit-stop a única câmera disponível é a do cockpit. E, além disso, não há animações dos bonecos fazendo a troca dos pneus ou abastecendo o carro. Todos os problemas ocasionados durante a corrida são relatados por um engenheiro mecânico. Inclusive, a voz do mesmo é transmitida através do pequeno alto falante presente no DualShock 4. Para a Infelicidade geral da nação o jogo não possui áudio em português, apenas legendas.
O que não decepciona nenhum pouco é o vasto número de pistas. Desde as clássicas e obrigatórias Spa-Francorchamps, Nürburgring Nordschleife, Laguna Seca e Monza. Outras clássicas, porém não tão comuns em jogos, como Imola, Brno, Watkins Glen e Oschersleben. Mas a grande maioria são circuitos britânicos (o que é muito bom por sinal): Silverstone, Snetterton, Donington, Brands Hatch, Oulton Park, entre outras.
Não só o número de circuitos é grande e muito seleto, como cada um deles é reproduzido fielmente, transmitindo sensações únicas. As inúmeras ondulações em Nordschleife ao longo de suas curvas intrincadas, exigindo concentração o tempo todo; os solavancos que jogam o carro pra fora na curva parabólica, em Monza; a sensação causada pela força gravitacional empurrando o carro para baixo na Eau Rouge, em Spa, arrastando o fundo do carro e deixando um rastro de faíscas, são alguns dos bons momentos que Project CARS proporciona ao jogador.
Por algum motivo, a Slightly Mad Studios não conseguiu a licença para reproduzir o circuito japonês de Suzuka. Temos aqui uma versão genérica que lembra muito ele, chamado Sakitto. Inclusive algumas sequências de curvas foram reproduzidas quase que fielmente.
O modo carreira está presente no jogo, porém é totalmente dispensável. A sua progressão é extremamente fora de ritmo, não chega a entusiasmar em nenhum momento. Além do mais, todos os circuitos e veículos estão liberados desde o início do jogo.
Os menus do jogo são no mínimo confusos. As opções parecem escondidas. Para uma simples mudança de cor do carro é preciso fuçar um bocado nos menus. Apesar de nada intuitivo, aprender a navegar nas opções requer apenas que o jogador se acostume com a sua complexidade.
Em contrapartida, o HUD durante a corrida é totalmente customizável. É possível editar tudo: mudar o desenho da pista de posição; retirar os relógios marcando os tempos das voltas; inverter de lugar o velocímetro com o marcador de posição, enfim. Tudo muito prático.
Project CARS possui também alguns problemas técnicos, alguns relevantes, outros nem tanto, mas nada de grave que comprometa a experiência como um todo. O principal problema reside na inconstância do framerate. Corridas noturnas, com chuva e muitos carros ocasionam quedas bruscas na quantidade de quadros por segundo.
Diretamente do túnel do tempo, os gráficos dos carros e da pista vistos nos retrovisores do carro parecem ter vindo diretamente de algum jogo de PSOne. Os objetos vão se esvaindo, e a pista vai se desfazendo conforme você se move.
Outro aspecto que causa um pouco de estranheza, apesar de não atrapalhar em nada a experiência do jogo, é o fato de grande parte dos patrocinadores expostos em placas, muros e nos carros serem fantasiosos, inventados.
O jogo infelizmente não conta com a opção de multiplayer local. Já o multiplayer online funciona muito bem. Lembra inclusive o de Gran Turismo, não só pela fluidez da conexão, como pela polidez dos jogadores. Nada de antropofagia asfáltica e carros se teleportando por problemas de servidores, comum em jogos da Codemasters.
Veredito
A grande expectativa em torno do lançamento de Project CARS se confirma em um ótimo jogo. Poucos carros, muitas pistas, gráficos bonitos, menus complicados, excelente design de som, tudo isso torna o caldo do jogo muito equilibrado, com pontos positivos e negativos bem definidos. Para os apaixonados por corrida, Project CARS é indicação certa.
Jogo analisado com código fornecido pela Bandai Namco.