Oxenfree II: Lost Signals – Review

Se um dia eu já fui daqueles que torcia o nariz para um game com grande foco na narrativa, já nem me lembro os motivos para subestimar a capacidade de experiências interativas para contar uma boa história. Porque, sejamos francos, certos jogos não tem nenhuma intenção de oferecer mecânicas de gameplay sofisticadas e inovadoras, daquelas de fritar os dedos e explodir cabeças, mas que sabem aproveitar da mídia de um modo impossível em tantas outras linguagens. Se Supermassive, Quantic Dream e Teltalle são os exemplos mais óbvios quando se trata de fomatos rizomáticos nos games, certamente a agora franquia Oxenfree tem todas as condições de figurar dentre as mais significativas do segmento.

Oxenfree II: Lost Signals chega sete anos depois do game original, o qual acabou se tornando um clássico independente, uma obra de arte que se não alcançou necessariamente uma grande notoriedade popular, certamente ganhou um público bastante cativo. Com uma trama redondinha e bem coesa em si, eu tive minhas dúvidas sobre a necessidade de uma continuação, mas dada a repercussão do título, a sequência seria inevitável. Um pouco mais aliviado me senti quando novos detalhes iam surgindo, confirmando que não se tratava de requentar aquilo que já tínhamos visto, mas sim trazer uma nova aventura pautada naquele mesmo mundo e que se apropriava das mesmas regras já estabelecidas. Isso significa não só que aquilo que tínhamos vivido estava imaculado, como garante que novos entusiastas, como bem fez o colega Thiago de Alencar Moura no preview do game publicado há praticamente um ano, possam começar por onde quiserem sem prejuízo de compreensão.

A história do jogo nos apresenta Riley Poverly, uma mulher que anos atrás deixou a pequena comunidade Camena para buscar outras vivências para si. Quis o destino – ou alguma outra força misteriosa, quem sabe – que ela fosse convidada, um tanto quanto a contragosto, para investigar estranhos fenômenos eletromagnéticos que aparentemente estavam deixando qualquer aparelho tecnológico maluco. Não demora para que ela descubra, de uma forma um tanto quanto peculiar, que o mistério é muito diferente do que ela esperaria, algo que pode mexer não só com os pacatos moradores do local, como com todo o conceito de tempo e espaço que ela conhecia. Ao lado de outras pessoas com suas próprias motivações, ela deverá se embrenhar nas entranhas de sua terra natal e desenterrar histórias que teimam em não ficar no passado.

Se a sinopse mais parece uma chamada para um filme de mistério, ou mesmo uma série dos criadores de coisas como Stranger Things, o desenvolvimento do plot inicial se dá de um modo muito instigante e pouco ortodoxo, evitando o tom didático de produções similares e, ao mesmo tempo, fugindo do impacto vazio para sequestrar a atenção do público. Fui surpreendido ao adentrar o mundo do game e, sem querer querendo, já estar completamente envolto na investigação antes mesmo de saber mais sobre o lugar, as pessoas que eu estava encontrando ou as motivações por trás de cada núcleo. Algumas informações acabaram surgindo quando eu menos esperava, ou ainda quando eu nem imaginei que elas seriam importantes para as escolhas que eu deveria fazer e até para aquelas que eu já tinha feito. A condução do enredo é das características que mais me agradaram no título pela naturalidade como sabemos das coisas.

Isso porque os diálogos nos quais nos engajamos são muito bem escritos, e mesmo quando são alongados, passam longe de parecerem enfadonhos ou arrastados, e nos dão pistas, o tempo todo, daquilo que precisamos saber de imediato sem deixar de lado o aprofundamento no desenvolvimento dos personagens. Ainda que eu adoraria ver mais coisas de cada novidade introduzida em uma colcha de retalhos muito bem costurada, o ritmo é bem equilibrado, sobretudo quando comparado ao do primeiro game, para que sempre estejamos envolvidos no próximo passo, na busca pela próxima peça do quebra-cabeças. O desenho de missões brilha ao camuflar o encadeamento de pequenas tarefas lineares em um movimento quase único, como se tudo fosse parte de uma grande e sofisticada grande jornada.

Se o level design é bem estruturado para tornar a costura labiríntica em algo palatável e que não nos faz andar desmedidamente em círculos, há méritos na forma como o jogo nos oferece a quantidade de informações adequada para que nos sintamos no controle das ações. A minha primeira run foi feita basicamente em duas sessões bem recheadas, então foram poucos os momentos onde eu tinha me esquecido do que vinha a seguir, ao contrário da segunda, muito mais quebrada e espaçada, e em ambas não foi um problema entender onde eu estava, de onde tinha vindo e para onde estava indo.

Sem uma lista óbvia de tarefas específicas – o jogo se limita a anotações mais vagas sobre o que deve ser feito –  é no mapa geral onde há dicas do que vem a seguir caso precisemos dar uma pausa e retomar mais adiante. Talvez, depois de já conhecer o mapa inteiro, se perceba que alguns caminhos são mais longos do que deveriam, principalmente nas passagens onde há mais movimentos de back tracking, mas é evidente a função de dar espaço para conversas importantes sem parar o jogo o tempo todo. Caminhar pelo ambiente é menos complicado do que em jogos como The Secret of Monkey Island e outros onde ficar perdido é parte do negócio, mas ainda assim nos dá uma bela oportunidade para admirarmos o bom trabalho de construção do mundo de Oxenfree II.

A exploração não seria tão encantadora, porém, se não fossem as ótimas escolhas de puzzles pontuais onde temos que lidar com pouquíssimas ferramentas para entender o que está acontecendo. A primeira delas é o nosso comunicador walkie-talkie com alguns canais que nos dão a chance de conversar com tipos únicos e que não só nos passam objetivos a seguir como ainda oferecem missões complementares que se não tivéssemos a certeza de que são secundárias, caberiam muito bem dentro do escopo maior como parte da linha principal. A outra é um aparelho de rádio FM com o qual podemos sintonizar várias transmissões, e que mais adiante se mostra bastante eficaz para outras atividades menos ortodoxas. Considerando que a proposta do jogo não é complicar o gameplay, todo o (pouco) desafio gira em torno de como utilizar tais recursos de uma forma produtiva.

Não há grandes dificuldades ou complicadores aqui, algo que pode frustrar quem deseja algo que ofereça um certo risco, mas em compensação, a criatividade se faz presente no que está proposto, não necessariamente na solução do problema. O aproveitamento dos recursos táteis do controle é tão importante quanto os artifícios sonoros e visuais, o que torna obrigatório o uso dos sistemas de vibração para alguns pequenos pontos chave da aventura, e os poucos colecionáveis espalhados asseguram que a exploração nem tão detalhista assim seja premiada. As rachaduras na realidade e as incursões em cavernas e outros ambientes internos expandem o espaço cênico, mas eu acredito que o jogo se valeria bem de modelos um pouco mais desafiadores do que a movimentação em escalada, travessia ou descobrimento. Sem combate direto ou quaisquer aspectos de ação, mesmo aqueles baratos quick time events, sobra muito pouca coisa para nos criar sensações de insegurança ou alerta.

Lost Signals é, contudo, um jogo de escolhas, e nem sempre elas são tão óbvias assim enquanto motivação de causa e consequência. Quando finalizamos a campanha, é impactante saber que muitas decisões tomadas nem pareciam tão importantes assim naquele momento, mas que eram capazes de gerar grandes reviravoltas de como tudo será resolvido. Ser grossa ou gentil em momentos descontraídos, por exemplo, é o modo como construímos a personalidade da nossa protagonista, impactando definitivamente o andamento da história. Faz tempo que espero algo parecido, porque a grande maioria dos jogos do gênero é muito transparente em nos mostrar quais escolhas são pura perfumaria e quais são deveras relevantes, o que pode quebrar a imersão já que muitas vezes, em uma bifurcação explícita, acabamos escolhendo a opção que mais se aproxima do que queremos como conclusão e não necessariamente aquela que desejamos fazer. Não aqui. Em Oxenree II, a construção da linha narrativa é orgânica e livre de maniqueísmos de certo ou errado.

Outro grande acerto da produção está pautado na construção estética que, partindo de um ponto de vista distante da ação e com uma visão lateral dos eventos, sabe trabalhar bem com questões de iluminação e textura. Se em certos momentos parece que estamos jogando em um tabuleiro quase plano, em outros a profundidade de campo nos oferece um mundo rico, vibrante e cheio de nuances que passariam despercebidos não fossem as rápidas caminhadas de contemplação. Particularmente eu gostaria que fossem explorados com mais intensidade enquadramentos próximos e outras passagens mais intimistas, porque nem sempre a emoção do momento se traduz em proximidade e envolvimento, mas em compensação, há muito mais profundidade em personagens secundários em uma trama de poucas horas do que em várias produções de grande orçamento com dezenas, quiçá centenas de horas de jornada. Visual e narrativa se fundem em uma trama singela, mas muito bem contada.

O aspecto sonoro é igualmente impactante com um trabalho de vozes bem equilibrado entre a emoção e a objetividade. Sem afetações ou exageros, cada linha de diálogo carrega em si uma carga emocional ímpar, não pelo exagero, mas ao contrário, pela sutileza. Mesmo quando aborda temas sensíveis e potencialmente pesados, o faz sem sensacionalismo barato ou sentimentalismo hipócrita, cuja potência está nos significados e não na enunciação, algo que está ainda mais evidente na trilha musical econômica muito bem colocada que, se não vai nos brindar com trechos memoráveis ou facilmente reconhecíveis, certamente sabe muito bem onde é necessária para valorizar o momento e quando se retirar para dar protagonismo a outros elementos, como efeitos de ambiência e fenômenos desconhecidos. Sem virtuosismos, é um trabalho inconteste.

Tal como o primeiro jogo, Oxenfree II: Lost Signals sabe trabalhar com o simbólico como poucos jogos de seu tempo. As metáforas do amadurecimento de antes agora dão espaço para a reflexão sobre a maturidade; a construção da identidade awui não é sobre crescer e se entender como parte do mundo, mas sim sobre aquilo que nos tornamos a partir das escolhas, das passadas e das futuras, que fazemoso a cada novo passo que damos. A fuga nos leva, inexoravelmente, ao tema do qual fugimos, porque aquilo que evitamos eventualmente nos encontra mais adiante, como uma criatura que insistimos em ignorar e que cresceu sem controle. Os mistérios investigados por Riley serão solucionados em algum momento, mas o impacto deles nos dramas enfrentados por esta heroína incompleta é o que lhes dá mais substância. Como nos melhores suspenses de todos os tempos, o temor pelo obscuro é o que nos conduz, e mais do que aquilo que vem de fora, é o que está dentro de nós o que mais nos apavora.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Night School Studio.

Veredito

Oxenfree II: Lost Signals não só honra seu antecessor, como justifica a sua existência por si só com uma maturidade narrativa muito bem desenvolvida. Se as mecânicas simples não são atrativas ou mesmo exigentes para os adeptos da ação, certamente a história ramificada bem escrita poderá convencer os incrédulos.

90

Oxenfree II: Lost Signals

Fabricante: Night School Studio

Plataforma: PS4 / PS5

Gênero: Adventure

Distribuidora: Night School Studio

Lançamento: 11/07/2023

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Oxenfree II: Lost Signals not only honors its predecessor, but it also justifies its existence with a very well-developed narrative maturity. If the simple mechanics aren’t appealing or even demanding for action fans, surely the well-written branching story can convince non-believers.