O que você procura em um jogo? Mais especificamente, o que você procura em um RPG? Se sua busca é por gráficos espetaculares e sistemas brutalmente complexos, Nier é um grande desapontamento. Se, por outro lado, você procura um enredo original permeado por personagens interessantes com uma pitada de meta-jogo, então sorria: Nier é uma das melhores viagens que esta geração pode oferecer.
Nier é um JRPG obscuro que possui alguns laços com outro JRPG obscuro, chamado Drakengard, lançado em 2003 para o PS2, também cortesia da Cavia. Não se preocupe, você não precisa saber de nada de Drakengard ou sua sequência para aproveitar Nier, e mesmo a relação entre os dois jogos não é muito clara. De forma resumida, um dos cinco finais de Drakengard prepara o terreno para o setting de Nier.
Nier conta a história de um personagem nomeado pelo jogador. Este personagem (cuja nomeação-padrão é Nier) é um homem de meia-idade, viúvo e com uma única filha, Yonah. O jogo abre em 2049, com o homem e sua filha em um prédio abandonado. Yonah está doente e Nier procura ajuda, quando são repentinamente cercados por criaturas estranhas, de cor amarela e preta. Após derrotar os monstros, o Nier volta a Yonah, que está em piorando cada vez mais, e grita por ajuda. Este prólogo logo se encerra e ação corta para 1312 anos depois. Nier e Yonah vivem em uma vila de aspecto agricultural – a humanidade decaiu em números e a sociedade voltou a funcionar de forma extremamente simples. Nier teme que a doença de Yonah seja fatal, e com a ajuda do moradores, parte em uma jornada em busca da cura. Nier eventualmente aprende sobre o Lost Shrine, um antigo templo, e a possibilidade de lá encontrar algo para ajudá-lo. Lá, ele encontra Grimoire Weiss, um sarcástico e arrogante livro de magias que simpatiza com a busca de Nier, e ambos partem juntos em sua jornada.
A narrativa de Nier é excelente, e surpreendentemente madura – em especial por se tratar de um JRPG. Não é sempre que temos a oportunidade de jogar com um personagem mais velho, e jogos como Heavy Rain e Nier provam que este tipo de protagonista pode funcionar muito bem com a audiência, desde que bem caracterizados – e nisso Nier não desaponta, com personagens densos e com múltiplas camadas em suas personalidades. Destaque especial para Kainé, cuja história revelada no New Game+ (NG+) é trágica, tocante, revoltante e perturbadora. E por falar em tragédias, já fica aqui o aviso: Nier é melancólico do começo ao fim, e raras são as sub-histórias que terminam de forma genuinamente feliz. Mesmo a conclusão com o Final A, aparentemente feliz, é revelada como um prelúdio de catástrofe no decorrer do NG+. Essa melancolia do jogo acaba por torná-lo um tanto pesado, e dada a forma como o enredo envolve o jogador (em especial a partir do NG+), é difícil não se importar com os personagens e seus destinos – quando muito, as conclusões são "doce-amargas". Vale lembrar, ainda, que no Japão Nier possui duas versões, idênticas em conteúdo e diferentes apenas no que concerne o personagem principal: Nier Gestalt é o equivalente à versão americana, e Nier Replicant possui um personagem principal mais novo que tem Yonah como irmã.
Vocês devem ter reparado que eu cito especificamente o NG+ acima. Isso não é ao acaso. Geralmente, quando somos presenteados com a opção de NG+, isso significa que podemos carregar (quase) todo nosso progresso para uma nova jogatina, tornando-a mais rápida e nos permitindo focar em outros aspectos do jogo. O NG+ de Nier é consideravelmente mais que isso, pois ao iniciá-lo, além de carregar todo o seu progresso anterior, o jogo apresenta a segunda metade do enredo sob uma perspectiva totalmente diferente, além de aprofundar muito o passado de Kainé. De fato, se você simplesmente terminar Nier uma vez (obtendo, assim, o final A), o enredo elogiado nesta análise será simplesmente mundano e confuso. Com o NG+, os documentos obtidos na última dungeon e a possibilidade de se compreender os Shades, a fábula de Nier se abre e você percebe o quanto o jogo brinca com você. Em Nier, o NG+ não é só uma opção, ele é necessário para se compreender por completo o que se passa no jogo. O final D, em especial, é um soco de meta-jogo no estômago do jogador, e enquanto seja frustrante para os que não sabem de antemão o "dano físico" que ele causa, é possivelmente o momento mais fantástico da narrativa, em que você sacrifica literalmente tudo para ter "algo" de volta – é um momento que seria impossível de ser reproduzido em outra forma de mídia.
Sendo um RPG, Nier intercala sua exploração com sequências de combate. A exploração é bem tradicional, com itens espalhados pelo mapa, side-quests aos montes, alguns mini-games e manejo de equipamento. Em combate, Nier tende ao lado de Action-RPG, com encontros ocorrendo em tempo real e o jogador atacando com quadrado e usando os Ls e Rs para usar habilidades – magias, defesa e esquiva. De forma geral, o combate é bem eficiente, embora bastante simples e sem se aprofundar no transcorrer do jogo. Uma apimentada ao combate vem na forma das Words, que são literalmente palavras conseguidas ao derrotar inimigos. Estas palavras podem ser colocadas em suas armas e magias, adicionando maior dano ou algum outro bônus (como evitar que você seja jogado para trás quando atingido, por exemplo), e são de grande valia para as partes mais avançadas. Por outro lado, elas devem ser aplicadas em suas magias uma a uma ao invés de permitir uma "aplicação geral" – um erro bobo de design.
Os gráficos são facilmente o ponto mais baixo de Nier. As texturas são datadas, e o design dos personagens – em especial do personagem principal, que beira o grotesco – é horrível (bom, Kainé, Devola, Popola e Weiss se salvam). Por outro lado, os modelos são bem-contruídos e os cenários possuem um bom detalhamento, além das magias possuírem efeitos bons – nada espetacular, porém. Os inimigos são extremamente parecidos e, em sua massa disforme, oferecem pouca variedade. Os bosses contrapõem essa falta de variedade, e no geral, são bem-feitos e enormes em suas dimensões, além de proporcionarem batalhas bastante divertidas. As dungeons também sofrem com design pobre, e são apenas 4, que são revisitadas na segunda metade do jogo.
A trilha sonora de Nier, por outro lado, é estupenda. As compsições são belíssimas, recheadas com corais e vocais solo (não se espante se ouvir algo parecido com português – as letras são, nas palavras da própria Cavia, uma extrapolação do que eles pensam ser o futuro de várias línguas, incluindo português), e são apropriadamente melancólicas. A dublagem é excelente e conta com ótimas vozes, como Laura Bailey fazendo Kainé e Liam O’Brian, em sua interpretação majestosa de Grimoire Weiss (vocês talvez reonheçam a voz como sendo de Lezard Valeth em Valkyrie Profile: Silmeria, ou mais recentemente, War em Darksiders). O melhor, porém, é o script. Enquanto as cenas em geral são apenas adequadas, os pequenos diálogos entre os personagens são geniais, especialmente os que envolvem Grimoire Weiss – suas linhas são permeadas por um ótimo sacasmo e fornecem momentos genuinamente divertidos.
Nier não é grande para um RPG. Um troféu, aliás, é dado ao jogador por terminá-lo em menos de 15 horas, algo facilmente obtido se o jogador ignorar as side-quests. Os múltiplos finais, porém, podem subir esse número para cerca de 30 horas, e adquirir todos os troféus exige um certo tanto de grind por parte do jogador, e deve demorar cerca de 40 horas.
Nier não é um jogo fácil de se digerir. Os gráficos datados, o personagem principal horrível e o combate simples lançam sobre o jogo um olhar inicial desconfiado, mas seus personagens e seu enredo são tão acima da média e fora do lugar-comum que sustentam com facilidade o pacote. Se você conseguir superar os defeitos técnicos, Nier proporciona uma viagem como poucos outros jogos do gênero – profunda, pesada e melancólica, mas, no fim, gratificante.
Veredito
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