Se você vive aqui, no planeta Terra, e não esteve em uma caverna escura pelos últimos 20 anos, sabe muito bem quem são alguns dos personagens originários dos mangás que tomam conta de todas as mochilas, lancheiras, cadernos e até avatares em redes sociais, mesmo que jamais tenha lido uma página ou assistido um segundo sequer das produções baseadas em marcas como One Piece e, principalmente, Naruto. No mundo dos games, esta história não é diferente, e a sub-franquia Naruto Shippuden Ninja Storm (cujo primeiro título lá no Playstation 3 já está por completar 15 anos de lançamento) estabeleceu – ainda que obviamente não seja precursora – quase que um sub-gênero de jogos de luta baseados em animes famosos. Eu mesmo já chamei jogos como One Punch Man: A Hero Nobody Knows, My Hero One’s Justice 2 e mais recentemente Demon Slayer -Kimetsu no Yaiba- The Hinokami Chronicles, dentre outros, de games “shippuden-like”.
De volta aos holofotes, o ninja do macacão laranja retorna com Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections, uma espécie de sequência não tão direta assim de Ninja Storm 4, sistematizando todas as mecânicas que foram sendo sedimentadas ao longo dos últimos anos pela desenvolvedora CyberConnect2, que está por trás da grande maioria de jogos desse estilo, em uma grande convergência que celebra tudo o que já vimos até aqui do Mundo Ninja. Afinal, são mais de 130 personagens jogáveis, dezenas de cenários e a representação de toda a saga clássica em um modo história bastante completo, que ao lado de um conteúdo original criado exclusivamente para o game, traz coisa pra fã nenhum botar defeito.
Você, como eu, deve estar se perguntando de onde saiu tanto ninja assim, já que mesmo com tantas edições impressas e episódios publicados, não tem tanta gente assim nesse universo. A resposta, para quem já experimentou jogos nesse formato, é um tanto quanto óbvia: tem um esquadrão de Narutos, Sasukes e Sakuras no elenco, cada qual representando uma forma, ou uma fase desses personagens ao longo das temporadas. O protagonista está lá como criança, como adolescente, como herói da coisa toda, como Hokage, e em uma série de variações entre uma coisa e outra. O mesmo vale para muitos dos personagens mais tradicionais, algo que já estamos acostumados a ver em outras produções. A boa notícia é que, mesmo assim, cada variação tem suas especificidades relativas, com combos, ataques especiais e outros detalhes próprios.
Mesmo quem torce o nariz para essa contagem de variações como personagens novos, porém, poderá se satisfazer com a diversidade do elenco do jogo, porque há um esforço grande em trazer ninjas e guerreiros das diversas gerações para o palco de batalha. Do aspirante a genin ao mais imponente dos líderes da Akatsuki, basicamente todos aqueles que vimos e que ao menos tiveram algum tempo de tela estão presentes. Cenários clássicos também estão bem representados, mesmo que a maioria deles sejam um tanto quanto econômicos em níveis de complexidade porque, no final das contas, este é um típico jogo de batalha em arena, então o ambiente é tipicamente um pano de fundo para uma área aberta que, quando muito, tem partes alagadas ou parcialmente diferentes no que se refere a terreno e textura.
Tudo isso serve a um sistema de gameplay relativamente robusto, que pela primeira vez na série pode ser configurado de duas formas: uma para iniciantes, que automatiza certas coisas; e outra mais tradicional, que segue o padrão de comandos que já conhecemos. Sinceramente, esse novo formato simplificado parece superficial demais considerando que tradicionalmente este já é um tipo de jogo mais tranquilo de se aprender – não necessariamente de se masterizar – e o que mais pode fazer falta a novatos é o sistema de jutsus – ou simplesmente os ataques especiais e magias – que em questão de minutos no tutorial base se resolve. De qualquer forma, há espaço para todos os níveis de proficiência no gênero, e tem se tornado uma tendência no mercado de jogos de luta oferecer uma versão mais light para quem só quer apertar uns botões e ver a coisa explodir por todos os lados. Se até Tekken 8 está se rendendo a isso, nada mais natural que Naruto também o faça.
As lutas são configuradas no bom e velho 1×1 ou, principalmente, em equipes de até três personagens, que podem ser intercalados entre si durante a batalha ou convocados (considerando o tempo de cooldown) para ajudar na hora do aperto. Há ainda formas de se realizar técnicas conjuntas, com animações muito bem elaboradas se você estiver no controle de um time icônico, o que vai fazer muito marmanjão apontar pra TV mesmo sozinho, orgulhoso de reconhecer aquela passagem dos bons tempos da série animada. Os sistemas de suporte tem, aliás, uma barra específica para estes especiais mais parrudos, outra de chakra para a execução de golpes especiais, e uma contagem regulada de jutsus de substituição. Se tudo estiver indo mal e a barra de vida estiver no final, é possível apelar uma última vez para uma forma mais poderosa, que funciona quase que como o Fatal Blow de Mortal Kombat, e que tem seu próprio movimento especial arrasador. Parece complicado, mas é bem mais simples na prática e tudo funciona de forma orgânica durante a pancadaria.
O modelo de colisão evoluiu pouco daquilo que vimos em, por exemplo, Ninja Storm 4, e é importante que se aprenda movimentos de aproximação e conexão de combos para não ficar socando o ar a esmo. Dominar a movimentação lateral parece um pouco mais latente do que antes para um bom desempenho, principalmente contra inimigos mais poderosos nos modos multiplayer, e a maturação de algumas ações defensivas e de controle do campo de batalha oferecem algo a mais para quem quer ir além do esmagar botões. As lutas contra grandes chefões nas duas campanhas parecem destoar um pouco por se apropriarem mal dos movimentos de câmera e das esquivas, mas ainda assim há muito mais méritos do que tropeços aqui. Ao não se arriscar tanto, o jogo responde bem ao que se espera dele, mesmo que esteja longe de redefinir o gênero. Se é um estilo que o jogador não gosta, não é aqui que haverá mudanças de opinião.
Falando nos chefões, eles aparecem em uma frequência muito boa tanto no modo história tradicional, que dá conta de toda a jornada de Naruto narrada nos mangás e nos animes desde o começo até o encerramento de Shippuden, quanto na história especial que se passa no presente da franquia. Contada por meio de arcos, cada qual composto por uma série de capítulos, a trama principal funciona melhor, claro, para quem já a conhece, já que se aprofunda muito pouco nos eventos essenciais da trajetória do herói dominado pela entidade Kurama. Algumas batalhas são reproduzidas, mas nem todas, e há aquele efeito estranho em algumas delas, quando o resultado final nem sempre é a vitória do protagonista. Você vai lá, vence, mas na sequência mostra a cena pós-derrota, porque é assim que acontece originalmente. Nada de anormal, dado que adaptações redundantes seguem esse padrão, mas fica claro que estamos acompanhando um arremedo da saga, não algo realmente pensando para esta mídia.
Outro elemento notadamente esquisito é a utilização de suporte audiovisual misto, o que resulta em composições pouco coesas. As cenas de corte são preenchidas por fotogramas, ou pequenos ciclos de animação de recortes, material claramente extraído da animação original, que já tem alguns anos de existência e entrega sua idade. Em alguns casos, há um trabalho de vozes por cima, que reproduz as falas originais, ou as adapta para caberem melhor no formato escolhido, mas há outras passagens que se resumem somente ao texto. Há até o uso de filtros que emulam a textura de filmes antigos, uma cafonice que dá um certo charme estético, mas que não supera as limitações da reciclagem. Há um ou outro ponto com imagens in-game, mas via de regra, a progressão é bastante ilustrada por material de arquivo, por assim dizer.
Já a história especial, um modo separado que traz uma aventura original (quase) estrelada pela nova geração, essa sim traz gráficos totalmente pensados, roteirizados e implementados dentro do motor padrão do jogo. Não são animações das mais sofisticadas, e não foge da regra de colocar vários personagens frente a frente com expressões comuns passando por longas sessões de diálogo, mas a dinâmica é diferente e parece mais orgânica para o game em si. E quando eu digo que é “quase” ambientada no presente dos filhos dos protagonistas originais, é porque há uma certa artimanha para colocar todas as gerações no balaio.
Contextualizando para não entregar spoilers da trama, há o mundo corriqueiro, e há uma realidade secundária onde os personagens assumem skins, permitindo não só que joguemos como seus antepassados, como escolhamos outros personagens quaisquer nos momentos de batalha. Há uma metalinguagem envolvida em uma trama que mais parece só outra aventura como tantas nos mangás, mas surpreendentemente cumpre seu papel para além do esperado em uma campanha de cinco horas, mesmo sendo uma história muito mais descartável que o verdadeiro arco da saga. É como um episódio filler, que diverte, mas que no final vai nos levar exatamente ao ponto de onde tudo começou como se nada tivesse acontecido. Somado ao material base que dura outras 8 horas, há história para preencher algumas boas madrugadas de quem prefere jogar solo.
Para além destes modos single player principais, há outros espaços convencionais considerando o que se espera de jogos de luta, como uma área plural, com batalhas únicas, torneios rápidos, sequência de sobrevivência e campeonatos maleáveis para se organizar, estes que permitem, quase todos, seleção de dificuldade que vai do muito fácil ao muito difícil. Alguns deles estão disponíveis tanto para uma quanto para duas pessoas participarem, então jogar com alguém no inesgotável multiplayer de sofá continua sendo uma opção divertida. Existe, claro, um espaço indispensável para treinamento que ajuda bastante quem está perdido no sistema de controles, e não há um modo arcade propriamente dito. Porém, com dois modos relativamente longos de história e outros simulando sequências de lutas como o Sobrevivência, não senti falta de algo assim.
Como não poderia deixar de ser, temos um inevitável modo online para enfrentar pessoas ao redor do mundo em partidas casuais ou ranqueadas, algo que não me parece estar funcionando tão bem ao me colocar frente a frente ou contra pessoas muito mais competentes que eu, ou outras realmente ainda aprendendo o básico, o que pode ser fruto de jogar em um período inicial onde há pouca diversidade de adversários disponíveis. A conectividade oscilou um pouco no que se refere a encontrar outros jogadores, e enquanto houve lutas quase que instantâneas saltando na tela, tive também momentos onde não encontrava ninguém por longos períodos de tempo. Durante as lutas, pouca latência e eventos ocasionais de lentidão que pareciam pontuais de acordo com o adversário. No geral, todo o protocolo de jogos de luta está contemplado em Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections, garantindo muitas e muitas horas de diversão para os mais dedicados.
Por outro lado, um dos pontos menos empolgantes está na customização do jogo, cheia de elementos cosméticos no mínimo questionáveis para enfeitar os bonecos do jogo. Com alguns itens sendo liberados dentro dos modos e outros podendo ser adquiridos via moedinhas ganhas também nas diversas atividades, há o de sempre: enfeites pra cabeça, ombros, costas; cores e skins diferentes, como a de caubói ou a de pirata, que fazem pouco sentido, mas são bem diferentes das originais, além de itens para composição do nosso cartão de combatente, visível principalmente nos modos on-line. O sistema é exatamente o mesmo de jogos anteriores da desenvolvedora, e certos itens nem encaixam direito nos personagens. Para além de ser brega colocar uma cabeça de dinossauro na testa, o negócio fica desconectado mesmo. Isso sem contar que é lento resgatar a maioria dos itens menos ruins. Então, para esse aspecto do game, expectativas devem ser controladas.
Se não considerarmos essa customização cosmética, o que se pode dizer é que o jogo se apropria, como era de se esperar, de uma textura cel-shading bastante comum em adaptações de anime, que acaba deixando sobrar aqui e ali uma aresta meio serrilhada, um movimento meio bobo, expressões pouco convincentes e coisas do tipo. Ao mesmo tempo, há um ótimo trabalho de reconstrução de tantos personagens e locais reconhecíveis, um trabalho louvável, considerando que várias coisas são resgatadas de jogos passados. Eu esperava que a campanha permitisse uma livre movimentação pela Vila Oculta da Folha, como acontece, por exemplo, no jogo do One Punch Man, porque ele é estruturado como um pseudo-RPG (vá até tal lugar, fale com tal pessoa, pegue tal item, volte pra cá, etc.) mas não é o caso e tudo rola com cinemáticas sem trânsito. Ainda assim, há muita coisa que dá uma dimensão melhor do que os recortes feitos em outras mídias.
O trabalho de vozes brasileiras segue o ótimo desempenho da dublagem – até onde foi – do anime, com grande parte dos mesmos dubladores e infelizmente algumas ausências, dentre as quais alguns icônicos, como a do Kakashi, que fazem muita falta. Eu tenho uma birra com a voz do Naruto adulto sendo a mesma dele criança, feita pela ótima Úrsula Bezerra, mas isso é muito mais um problema de escolha estética do estúdio do que da profissional em si. As vozes gringas são igualmente ótimas, então depende do gosto manter a versão brasileira – que precisa ser selecionada manualmente – ou escolher a americana, acionada por padrão, ou ainda a japonesa, por questões mais puristas. Seja como for, o maior pecado aqui é a sincronia labial, que simplesmente inexiste. É um boneco mexendo a boca sem parar e um áudio rolando, que a gente faz força pra juntar. A tradução por texto também é muito competente, pra quem preferir só legendado.
Já a trilha musical traz pouco do que já vimos antes, e as canções são pouco relacionáveis. Mesmo a música tema que abre o jogo tem suas qualidades, mas simplesmente não parece pertencer a Naruto. As aberturas originais poderiam estar no jogo, e estão… mas como DLCs pagos, o que me parece um banho de água fria completo. Os efeitos especiais e ruídos, por sua vez, fazem um trabalho mais honesto, funcionando bem principalmente quando combinados a diálogos dentro do combate. Não há nada de muito extraordinário, a ambientação dos cenários deixa um pouco a desejar, mas há um esforço sobretudo para sonorizar os bons efeitos visuais dos golpes elementais que, aliás, estão muito bem representados. A direção das cenas é que exagera com cortes constantes e enquadramentos questionáveis, e ao tentar mostrar grandeza, ação e dinamismo, acaba escondendo a beleza das coisas. Tem golpes especiais magníficos que simplesmente não dá pra entender nada do que está acontecendo tamanho o exagero na montagem, fugindo inclusive da estética anime que preza pelos bons quadros e pelo timing variável para valorizar a dramaticidade de golpes.
Considerando tudo isso, é fácil recomendar Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections para dois perfis claros: os fãs da franquia, que encontrarão aqui uma tonelada de conteúdo que vai deixar um sorriso permanente de orelha a orelha em quem já está disposto a gostar desses personagens tão marcantes; e aqueles que curtem uma adaptação de animes shonnen para game de luta no estilo dos anteriores, com movimentação 3D em arenas, golpes suntuosos e combos megalomaníacos. O game faz muito bem o que se propõe a fazer, se alimenta competentemente de tudo o que foi construído até então, e sabe se apropriar de toda a lore com maestria, a não ser pela escorregada de vender as músicas mais icônicas separadamente.
Para os demais públicos, talvez seja um pouco mais difícil aproveitar o que há de melhor aqui, porque a história é reproduzida em sua totalidade, mas em um resumo que lhe tira todo o valor narrativo e emocional, de modo que quem não a conhece não vai entender metade das coisas e aquilo que entender, não vai impactar muito. As mecânicas são eficientes, mas primárias para quem, por exemplo, gosta da complexidade de jogos de luta como Street Fighter, Tekken ou King of Fighters, e por mais que 130 slots preenchidos pareçam muita coisa, a jogabilidade acaba sendo muito parecida entre os diferentes personagens, mudando coisas como alcance, velocidade e área de dano dos movimentos especiais. Eu mesmo ainda não joguei com uns 50 desses personagens, e mesmo assim já vi que os demais são muito similares entre si. Se você já torceu o nariz para jogos nesse estilo, provavelmente este vai gerar a mesma reação. Do contrário, seja bem-vindo à Vila Oculta da Folha, pegue suas kunais, faça um monte de movimento estranho com as mãos e se divirta.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Bandai Namco.
Veredito
Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections finalmente traz toda a saga de seu protagonista para um game, junto com uma infinidade de personagens icônicos da franquia. Suas mecânicas e sua estética, porém, reciclam tudo o que já estava presente nos games anteriores, com qualidades e defeitos, o que deve agradar fãs de longa data e afastar qualquer outra pessoa.
Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections
Fabricante: CyberConnect2
Plataforma: PS4 / PS5
Gênero: Luta
Distribuidora: Bandai Namco Entertainment
Lançamento: 17/11/2023
Dublado: Sim
Legendado: Sim
Troféus: Sim (inclusive Platina)
Veredict
Naruto X Boruto Ultimate Ninja Storm Connections finally brings the entire saga of its protagonist to a game, along with a multitude of iconic characters from the franchise. Its mechanics and aesthetics, however, recycle everything that was already present in previous games, with qualities and defects, which should please long-time fans and put off anyone else.