Monster Harvest – Review

Reuniões de brainstorm são muito divertidas quando há aquele momento do exercício do “e se…”, quando as pessoas podem propor ideias das mais simples às mais malucas ou extravagantes. Não sei como foi o processo de idealização de novos projetos dentro da Maple Powered Games, mas fico imaginando se não foi alguém levantando a mão e dizendo “ei pessoal! E se misturássemos mecânicas de cultivo de sucessos como Harvest Moon, Stardew Valley ou Animal Crossing com Pokemon?”. Tudo bem, provavelmente não deve ter sido exatamente assim que aconteceu, mas seja como for, o resultado de uma série de influências como essas resultou no divertido e inesperado Monster Harvest.

Deixe-me explicar melhor: trata-se de um jogo com ponto de vista superior (no estilo dos clássicos RPGs da geração 32 bits) onde o jogador assume o papel de um (ou uma) jovem recém chegado a um pequeno povoado, chamado Planimália, convidado por um parente para assumir a propriedade da família, uma fazenda que está um pouco abandonada e mal-cuidada. Contudo, essa região tem uma característica muito particular, e com o surgimento de um tipo estranho de slime, acabou desenvolvendo uma tecnologia agrícola que ao utilizar essa substância, gera monstrinhos derivados de vegetais, e daí vem a expressão Planimal, a mistura óbvia entre plantas e animais.

Obviamente que uma descoberta assim não passaria despercebida do resto do mundo e logo haveria uma grande corporação interessada nos “benefícios” dessa descoberta. Logo descobrimos que a uma tal de SlimeCo já está instalada na região, explorando agressivamente esse pacata comunidade, e nos cabe salvar a fazenda de nossa família do abandono enquanto descobrimos e desmantelamos alguns planos nefastos que ameaçam a paz e a tranquilidade desse lugar que aprendeu a conviver com os adoráveis monstrinhos vegetais. Essa é a premissa clássica do forasteiro chegando a uma comunidade gentil, e logo precisando assumir um protagonismo para o qual não estava preparado, estrutura narrativa bastante comum na cultura pop.

A dinâmica da passagem do tempo de Monster Harvest é bastante tradicional considerando o gênero: há os ciclos de dia e noite, onde na primeira parte normalmente passamos a maior parte do tempo coletando recursos como pedra e madeira, preparando o terreno e cultivando diferentes espécies de vegetais, e melhorando nossa infraestrutura. Cada atividade exige energia da sua barra de estamina, que quando esgotada (o que acontece com mais rapidez do que eu gostaria), precisa ser recarregada dormindo ou consumindo alimentos. Como a segunda opção é bastante restrita e pouco faz diferença, a rotina fica voltada a se esforçar até não ter mais energia e ir descansar. É possível escolher um intervalo menor para retornar ao trabalho durante a madrugada com uma parte da barra recarregada, ou uma noite completa de sono para acordar totalmente disposto.

Para além desse modus operandi padrão, há uma exploração social, por assim dizer, onde visitamos certas áreas do vilarejo (das quais há aquelas desbloqueáveis com dinheiro) para conversar com alguns moradores, conhecer mais da região, e visitar o comércio local atrás de mantimentos como sementes, melhorias para o ferramental, novas variações de slime, itens de cura, etc., bem como participar de eventos da comunidade, rendendo uma melhor integração à região e à cultura local. Contudo, o grande mote para termos ao nosso lado nossos fiéis bichos-vegetais de estimação é enfrentar os perigos e desafios de masmorras noturnas.

Geradas proceduralmente, essas aventuras são destinadas à procura e coleta de materiais raros, pedras preciosas, sementes especiais e outros mistérios. O desafio é o fato destes locais serem lar de criaturas selvagens que não hesitarão em nos atacar. É nesse ponto onde vamos nos deparar, pela primeira vez, com o sistema de batalha por turnos típico dos jogos dos monstros de bolso mais famosos. Podemos carregar até 6 companheiros diferentes conosco – ainda que só dois apareçam na tela quando estamos nos locomovendo – e a investida a essas áreas cavernosas termina quando todos eles forem derrotados, ou quando decidimos sair. O grande problema aqui é que uma vez derrotados, eles estão definitivamente mortos, o que significa que perde-los em batalha é o fim definitivo para eles. Resta utilizar o que sobrou deles para melhoria do solo da fazenda, como um adubo. No final, eles vem da terra, e retornam para ela. Um detalhe sutil, mas potente.

Isso nos leva de volta ao sistema de cultivo: cada variedade de semente gera, naturalmente, um tipo de produto agrícola que pode ser consumido para recuperação da estamina, nas serve principalmente como fonte de renda para continuarmos existindo e melhorando nossa fazenda. Contudo, como já dito, a adição do tal slime (na sua versão vermelha) na fase de crescimento da planta causa uma mutação que resulta em novas criaturas. Há ainda uma variação verde, que acelera a maturação de plantas, e a azul, que gera monstrinhos pacíficos para a fazenda. Em outras palavras, o sistema de captura de jogos como Pokemon e TemTem, por exemplo aqui é substituído por um modelo onde criamos, no quintal, esses companheiros inestimáveis, o que naturalmente facilita a renovação de nossa equipe perdida. O detalhe é que cada criatura tem seu próprio sistema de níveis, e perde-los significa também perder todo o esforço em evoluí-os.

Monster Harvest trata, portanto, da própria lógica do cultivo de consumíveis e leva essa dinâmica para um modelo de exploração, combate e renovação dos estoques, mas exige que o jogador saiba lidar com o efêmero, com o descartável, com o sacrifício calculado de recursos para um bem maior. Construir uma propriedade forte, bem cuidada e financeiramente sustentável nos dá meios para desenvolver criaturas mais fortes, mais diversificadas geneticamente e melhor preparadas para os níveis de aprofundamento nas dungeons cada vez mais perigosas, nos permitindo ir cada vez mais fundo nos mistérios que cercam a narrativa macro deste lugar.

Há outras características importantes que valem ser consideradas no planejamento geral do dia-a-dia da fazenda, como a construção e a melhoria da infraestrutura de celeiros, estábulos e cercadinhos para nossos novos animais, já que nem todas são voltadas para a proteção, defesa e batalha, mas cada um tem sua importância na ecologia da nossa propriedade. O modelo de crafting não serve somente para coleta e troca por dinheiro, mas também para o acúmulo de ingredientes para novos elementos e equipamentos a partir de receitas que vão sendo desbloqueadas conforme se avança na história, sobretudo ao cumprir missões específicas, algumas automáticas, outras nem tanto.

O plano maior inclui também um modelo bastante sólido de três estações anuais, que são importantíssimos de se compreender, já que cada tipo de planta só pode ser cultivado na sua época. Como cada uma tem um prazo certo para crescer e dar frutos, uma bobeira no momento do plantio ou na irrigação diária pode significar a perda de safras inteiras. Com três ou quatro pés de uma planta, nenhum desastre, mas quando você tem canteiros enormes e muito investimento em tempo e sementes, qualquer perda pode ser bastante frustrante. Por outro lado, a combinação entre as plantas da estação e as diferentes variações do slime também gera uma diversidade de novas criaturas – são 72 espécies diferentes presentes no jogo – produtos híbridos com propriedades especiais e, em resumo, muito o que se fazer.

Essa alternância de estações contribui não só para essa diversidade de coisas a se cultivar, mas também evidencia um ótimo trabalho artístico em Monster Harvest. Ao se apropriar, e abusar, da estética retrô pixel art de outros tantos RPGs conhecidos, o design de personagens e, principalmente, das criaturas ganha destaque e personalidade. Nem todo bichinho tem seu desenho criativo e marcante, mas é fato que há muito mérito nesse aspecto. Não é desta vez que iremos decorar o nome de todos eles como já fizemos com outros jogos similares, e provavelmente não é esse o objetivo aqui, considerando o quão descartáveis podem ser seus amiguinhos, tanto pela derrota permanente quanto pelo modelo de constante substituição.

Brilha muito também o estilo visual dos cenários, que não são tantos assim ao longo de toda a jornada, tanto pela alternância entre dias e noites quanto pela variação climática, seja pela mudança de estação, seja pela possibilidade mais aleatória de dias ensolarados ou chuvosos. Construções do vilarejo, campos cultivados e outros aspectos funcionam muito bem no quesito estético. As masmorras aleatórias, nem tanto. Destaque positivo para detalhes mais pontuais, como a sutileza da iluminação de pontos de luz como postes ou até vaga-lumes, o reflexo em superfícies líquidas, ou até mesmo o movimento suave de folhagens em passagens mais arborizadas e a arrevoada de pássaros quando chegamos perto. Coisas bobas, coisas simples, mas que fazem toda a diferença em termos de ambientação.

Talvez o aspecto menos agradável tanto visualmente quanto na manipulação regular seja a interface de inventário, que parece ter sido desenhada para o mouse, mas que é bastante truncada para o controle de console. Todavia, configurar os atalhos desde o princípio ajuda muito ao menos nas tarefas mais corriqueiras, como alternar entre a picareta para explorar pedras e cristais preciosos, o machado para madeira e a espada para ataques iniciais. Outros itens dependem muito do que o jogador espera e gosta de ter em mãos de forma mais prática, como sementes, outras ferramentas ou consumíveis. Ainda assim, é uma solução insuficiente para mecanismos de troca, construção, ou armazenamento em baús e coisas do tipo.

Já do ponto de vista sonoro, o trabalho é bastante competente, ainda que não traga nenhum grande destaque. A trilha musical foge da obviedade de também seguir para caminhos sintéticos dos anos 1990, com uma canção contínua que lembra desenhos animados, enquanto os efeitos de ruído, estes sim, lembram bastante o que já conhecemos e certamente alguns deles você pode até jurar que já ouviu em outros games. Sem a utilização de vozes, todo o diálogo é realizado por texto, e felizmente o jogo está totalmente localizado para o nosso bom e velho português brasileiro. Como conjunto, a banda sonora do jogo conta com uma mixagem agradável, sem exageros e que mesmo em jornadas mais longas, continua funcionando bem.

Como conjunto da obra, Monster Harvest traz alguns conceitos bem interessantes e surpreende ao misturar coisas que já vimos em outras produções e que funcionam organicamente muito bem aqui. A rotina de uma fazenda cultivando hortaliças e outras plantas, junto com a criação de monstrinhos para montaria, produção de recursos animais e, porque não, batalhas em dungeons contra mega corporações industriais inescrupulosas parece uma rotina bastante coesa, ainda que a repetição cíclica, intrínseca ao gênero, pode não ser agradável para todo tipo de público.

A história do estrangeiro que chega para mexer com o marasmo da cidade pequena não nos é algo novo, muito menos a assombração de uma grande corporação extrativista assolando uma comunidade humilde com potencial. Tampouco é original a mecânica de investidas regulares em masmorras perigosas para obtenção de recursos, muito menos a de usar criaturas vivas para batalhas até a morte. Cultivo, nem se fala. Mas quando Monster Harvest mistura tudo isso, o faz bem, de uma forma viciante e provocativa, sem parecer punitivo ou exageradamente trabalhoso para se chegar a algum lugar realmente interessante.

Nem mesmo alguns recursos mais sofisticados que vão sendo liberados algumas horas depois do início da jornada, parecem complicados demais. Uma armadilha para esse tipo de produção é querer complexificar demais coisas descartáveis, como criar receitas ultra elaboradas de alguma coisa, ou limitar demais a obtenção de um certo elemento. Aqui, contudo, essa evolução se desenvolve em uma curva confortável de crescimento, sem melindres ou exageros. Para os mais exploradores, certamente a estamina vai parecer curta demais, e os consumíveis quase inúteis para aventuras mais longas, e para os gestores, a interface vai se mostrar extremamente trabalhosa para se fazer as coisas mais simples, como vender um item ou colocar outro no menu de acesso rápido. Mas no geral, essa mistura de influências acaba se mostrando um Ovo de Colombo, tão óbvia quanto necessária, principalmente porque aqui foi feita com muito cuidado.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Merge Games.

Veredito

Monster Harvest é uma bem-vinda mistura entre jogos de cultivo e de batalhas de monstrinhos por turnos, utilizando de um estilo artístico coerente com o projeto e com um modelo de jogabilidade tradicional e muito bem executado. É divertido, viciante e desafiador sem parecer punitivo ou exageradamente complicado.

80

Monster Harvest

Fabricante: Maple Powered Games

Plataforma: PS4

Gênero: RPG / Simulação

Distribuidora: Merge Games

Lançamento: 31/08/2021

Dublado: Não

Legendado: Sim

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Monster Harvest is a welcome mix between farming games and turn-based little monster battles, using an artistic style consistent with the project and with a traditional and very well executed gameplay model. It’s fun, addictive and challenging without seeming punitive or overly complicated.


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