Início de 1959. Um grupo de estudantes russos liderados por Igor Dyatlov, todos esquiadores e montanhistas experientes, decidiu explorar a parte norte dos Montes Urais. Nunca retornaram para contar a história. Todos foram encontrados mortos na região leste da montanha Kholat Syakhl (do dialeto mansi: Montanha dos Mortos).
O caso, chamado “Incidente do passo Dyatlov”, nunca foi solucionado pelas autoridades russas e até hoje continua sendo um mistério. Quando pesquisamos sobre a história na internet, ficamos intrigados com vários detalhes que podem ser facilmente classificados como sobrenaturais.
Quando as equipes de busca chegaram até o local do desaparecimento, encontraram a barraca utilizada pelo grupo e, dentro dela, vários de seus pertences (inclusive seus sapatos). O abrigo estava todo cortado. O estranho era que os cortes tinham sido feitos de dentro para fora. As pegadas indicavam que o grupo saiu às pressas da tenda, correndo para longe, alguns descalços, outros calçando apenas meias e um deles com apenas um sapato.
Seguindo os rastros, a equipe de buscas encontrou dois corpos ao redor dos restos de uma fogueira na borda de uma floresta. Eles trajavam apenas roupas íntimas. Em uma árvore próxima havia galhos quebrados a uma altura de 5 metros, indicando que um deles tentou escalá-la. No caminho de volta à tenda, mais três corpos foram achados. Estavam separados uns dos outros, como se estivessem tentando voltar ao acampamento. Um deles tinha um pequeno trauma craniano, mas não havia nenhum sinal de pancada externa que justificasse a fratura.
Somente após quatro meses de buscas, passado o inverno russo, os outros quatro cadáveres foram encontrados. Eles estavam a 75 metros de distância da floresta, soterrados por 4 metros de neve. Três dos corpos apresentavam graves fraturas no tórax e um deles um grande traumatismo no crânio. Curiosamente eles também não apresentavam qualquer sinal externo que explicasse os traumas sofridos. Segundo os legistas, tais fraturas só poderiam ser causadas por uma força equivalente a uma batida de carro. O detalhe mais chocante dessa história é que um desses cadáveres, além das fraturas, estava sem língua, olhos, partes da pele da face, de ossos do crânio e tinha várias feridas nas mãos.
Esse caso gerou e ainda gera diversas teorias, mas nenhuma explicação definitiva. Algumas pessoas concluíram que a maioria dos estudantes havia morrido por hipotermia e foi levantada a hipótese de uma avalanche ter causado o incidente, o que explicaria as fraturas apresentadas pelos corpos. Mas como a tenda e as pegadas puderam ser encontradas, essa alternativa foi descartada. Pensou-se que eles poderiam ter sido atacados pela tribo Mansi, mas não havia outras marcas de pegadas além daquelas deixadas pelas vítimas e nenhuma delas apresentava sinais de ataque. Chamou a atenção o fato de suas roupas apresentarem um alto nível de radiação.
Outras histórias surgiram, dizendo que a área era utilizada pelos militares para testes de bombas, o que explicaria a radiação. Várias pessoas alegaram que viram esferas alaranjadas flutuando pelo céu da região e muitos acreditavam que algo sobrenatural pudesse ter acontecido. A verdade é que ninguém jamais conseguiu solucionar o caso e as autoridades concluíram oficialmente que os estudantes foram mortos por uma “força desconhecida”. Assim foi encerrado o “Incidente do passo Dyatlov”, que até hoje é um mistério.
Aproveitando-se do potencial que essa história possui e da liberdade criativa que ela oferece, a produtora indie polonesa IMGN.PRO a transformou em Kholat, jogo de suspense com pitadas de terror que pretende dar definição à sombra que paira na cabeça daqueles que leram sobre o mistério.
Sem que o jogo nos ofereça qualquer tipo de orientação ou tutorial, temos o objetivo de explorar a região em busca de respostas que ajudem a elucidar o caso. Sem nunca esperar a explicação definitiva para os acontecimentos, somos constantemente confrontados com situações fantásticas inspiradas na história. Kholat não é um documentário, mas sim uma proposta de entretenimento baseada em fatos reais.
O jogo começa em uma estação ferroviária de uma vila aparentemente abandonada, partindo daí devemos atravessar um pequeno bosque e uma densa nevasca, capaz de nos desorientar, até chegarmos à região onde o incidente se passou. Logo encontramos uma barraca de acampamento e, dentro dela, as únicas três ferramentas que teremos à mão durante toda jornada: um mapa, uma bússola e uma lanterna.
A principal dificuldade em Kholat é aprender a se orientar em meio à imensidão gelada que é o cenário do jogo. Não existem setas indicando os caminhos, não há um mini mapa fixo na tela a nos orientar e nem mesmo nossa posição atual é marcada no mapa.
Quer saber o que fazer e pra onde ir? No mapa que encontramos há uma série de coordenadas geográficas marcadas. Chegar aos pontos correspondentes a essas coordenadas é o nosso objetivo principal. Para desvendar o que aconteceu com o grupo de exploradores e investigar os segredos da história, devemos explorar o cenário e chegar até esses locais, utilizando a bússola para nos guiar. Observar o cenário em busca de pontos de referência e utilizar a lua como ferramenta de orientação é de grande utilidade.
Entre idas e vindas pelo cenário, podemos encontrar diversos itens que oferecem maiores detalhes sobre a história. Páginas do diário de uma das exploradoras, notas sobre experiências que ocorriam na área e sobre pessoas que estiveram relacionadas àquele local em alguma época. A produtora se esforçou para montar o enredo do jogo levando em conta todos os rumores que surgiram à época do incidente. Temos desde segredos militares até as misteriosas luzes laranjas que as pessoas alegavam ter visto.
As luzes laranjas, inclusive, são o principal perigo que encontraremos durante a jornada. As chamadas anomalias serão nossos inimigos durante o jogo. E já adianto, não há como enfrentá-las, basta se aproximar delas para que elas acabem com a gente. Nossa única opção é fugir e tentar despistá-las.
A única colher de chá que Kholat nos oferece é marcar em vermelho no mapa cada local ou item descoberto, o que mostra temporariamente nossa posição. Esses pontos tornam-se checkpoints. Caso o jogador morra, renascerá no local de sua última descoberta. Existem também outros acampamentos espalhados pelo cenário. Uma vez descobertos, é possível utilizar o recurso de viagem rápida entre eles.
Os gráficos apresentados pelo jogo são muito bonitos. A produtora soube utilizar muito bem o Unreal Engine 4. Os movimentos da vegetação bem trabalhados, os flocos de neve caindo sem parar e se espalhando por toda parte com o vento. Os efeitos de iluminação também são convincentes. Tochas e fogueiras com sua luz instável e acolhedora, a luz da lua passando pelos galhos da vegetação e criando sombras. Tudo muito belo, mas não perfeito. O framerate tem lá seus engasgos, mais notáveis assim que os cenários são carregados. Esse é um problema menor, que não atrapalha a imersão mas mostra que os gráficos poderiam ser melhor otimizados.
Os efeitos sonoros também são dignos de menção. O vento uivante que nos acompanha pelo cenário transmitindo uma sensação de tensão contínua. Sons de galhos se partindo, de folhagens balançando e algumas vezes o uivo de lobos, nos pregam inúmeras peças e contribuem para a sensação de perseguição. Em momentos de maior importância do game, somos acompanhados por temas pesados e cheios de suspense, parecendo indicar que algo de muito ruim está para acontecer.
O ponto alto da parte sonora do game é o trabalho de narração de Sean Bean, ator que fez Boromir em Senhor dos Anéis e Ned Stark em Game of Thrones. O trabalho de dublagem foi muito bem feito, apesar de ser subutilizado.
Veredito
Kholat finca seus alicerces num tema com grande potencial. Todo o mistério em volta do “Incidente do passo Dyatlov” gera um grande fascínio naqueles que conhecem a história. Todavia o jogo nunca chega a ser impressionante. A principal impressão que o jogo me passou foi a de custo. Seus momentos de clímax são esparsos e acabam ofuscados pela cansativa exploração do mapa. É como abrir caminho em uma selva com uma lâmina cega.
Jogo analisado com cópia digital fornecida pela IMGN.PRO.