Conseguiram me aprisionar, devo admitir. A partir do momento em que aquelas estrelas, gradualmente em acréscimo, junto ao som das sirenes, cada vez mais acentuado, se perfilaram até formar cinco delas, no canto direito da tela e , após isto, uma delas se uniu ao clássico logotipo da Rockstar, era quase certeza de que Grand Theft Auto V conseguiria prender a atenção a cada posterior instante. E lá vamos nós, condenados e fixados à liberdade sem igual em uma Los Santos totalmente redesenhada, em suas localidades reimaginadas, revigoradas e engrandecidas para nos proporcionar a sensação colossal de metrópole pulsando em ordem e desordem.
Um dos grandes méritos da Rockstar em GTA V foi conseguir um equilíbrio entre as dimensões gigantescas de Los Santos (tanto territorial quanto populacional) e as várias atividades a se fazer no lugar, dentre missões e eventos paralelos à mesma. Junto a isto, existe a região desértica de Blaine County, trazendo uma variação ao ambiente urbano, porém dotada dos mesmos predicados que Los Santos. A grande propaganda da desenvolvedora era de que Los Santos e Blaine County fariam com que os jogadores se sentissem como se as vidas, via gameplay, fosse tal qual a vida nos filmes. A Rockstar mentiu. Há muito mais do que isto. Existe a quebra de rotina, mas existe a rotina. Jogar tênis, praticar triatlo, nadar, essas práticas podem ser tão naturais quanto roubar carros, preparar golpes e outras transgressões da lei, se dar bem ou se foder (como atesta a tela de Game Over em PT-BR). A combinação desses quesitos faz com que a progressão em GTA V missões e ações adentro seja algo tão natural quanto dormir e acordar.
Infelizmente não existe San Fierro e Las Venturas, oriundas de Grand Theft Auto: San Andreas e que dariam um certo sentido ao estado como um todo. Todavia, por ser uma recriação adaptativa e não um remake, as ausências mencionadas, apesar de sentidas, permitem a Los Santos brilhar ainda mais e ser mais fiel à sua inspiração (Los Angeles). E Blaine County nos aparece como uma novidade quase que como uma homenagem a Red Dead Redemption, jogo que tanto contribuiu para as evoluções dessa nova empreitada da maior franquia de sucesso da Rockstar.
Com prometido, tudo está entregue à exploração no início do jogo. E conforme as coisas vão se desenvolvendo, essa exploração, núcleo-mor dos jogos da Rockstar, vai se refinando, com as missões dando combustível a uma posterior liberdade sem precedentes. Prestes a ir à uma área iniciar uma missão da história e, do nada, aparece um NPC pedindo ajuda? Claro, vamos ver o que isto nos reserva. Ah, mas desta vez quero chamar os amigos para curtir as diferentes atrações de Los Santos. Por que não? Desde o mais longínquo céu até as profundezas do oceano, tudo instiga a curiosidade do jogador. Quer alcançar? Alcançará. Dar um salto de pára-quedas e admirar a vista aérea de forma radical, ver o que algo "estranho e doido" tem a reservar. Investir a grana na bolsa de Valores e ditar alguns acontecimentos aleatórios no ambiente e que influenciará na flutação de valor das ações. Tunar seu veículo, mudar o penteado, se tatuar ou comprar uma roupa bacana nas ricas opções de customização? Passear com o cão de estimação, um parceiro até nas brigas ocasionais? Ou se divertir nos clubes de strip-tease? As possibilidades são imensas.
Tais possibilidades, ao contrário do que muitos poderiam pensar, estão revestidas de um trabalho técnico quase impecável. Grand Theft Auto V pode ser considerado o jogo mais bonito desta geração, dado o estilo de mundo aberto. Desde as texturas nos ambientes, nas áreas comercias, industriais ou residenciais, passando pelas montanhas rochosas, por áreas florestais, as áreas desérticas e rústicas do Blaine County, temos uma noção especial de realismo incrível, colocado em um draw-distance notável (Vinewood Sign, por exemplo, pode ser vista a quilômetros de distância). A variedade monstruosa de veículos, cada qual com suas modelagens ímpares, reflexos realistas, dirigibilidade agradável, desde carros até aviões, cada qual com seus comportamentos emprestados da realidade em seus diversos tipos nos faz querer testar cada um deles, nem sempre de forma legal, afinal estamos em um GTA.
Salta aos olhos também o comportamento da natureza no jogo. Você encontrará bois pastando em áreas campesinas, veados passando por estradas próximas a florestas, além de malditas pumas. No mar, peixes, além de tubarões que podem apresentar um perigo. Aliás, a movimentação da água é um show à parte. Além de bem retratada graficamente, ela testará suas habilidades de nado. Nadar em um lago será diferente de nadar no vasto oceano. Acredite, tudo isto, além de estar livre para exploração, é aproveitado em missões durante o jogo (do enredo ou paralelas a ele), ou seja, de uma forma ou outra, você aproveitará esta imensidão que o aguarda, seja em um tempo ensolarado, noturno com luzes embasbacantes dos prédios e dos carros nas ruas, ou naquela chuva torrencial que parece não acabar, dando à passagem do dia e das condições climáticas um intervalo mais coeso, adicionada a uma beleza visual mais diversa, trabalhando em sintonia com o restante do que o jogo oferece em termos de estrutura dos cenários.
Raros são os pop-ins durante o jogo. As versões digitais podem apresentar uma presença maior de cenários e texturas sendo carregadas conforme o progresso, porém isto pode ser ocasionado devido ao pouco espaço no HDD do videogame.
As opções culturais em GTA V abrangem desde obras mais complexas, de uma arte mais abstrata, estando disponíveis nos cinemas espalhados por Los Santos, até desenhos que satirizam práticas e vícios sociais decorrentes de uma realidade próxima aos habitantes das cidades que fazem parte do jogo. Existe até um jogo de videogame (infelizmente não jogável) com técnicas diferenciadas dentro da modinha de tiro em primeira pessoa. Se estiver em um veículo, poderá ouvir várias rádios, já características da franquia, atendendo a vários estilos diferentes e com muitas músicas licenciadas, que vão desde Britney Spears, passando por Queen, Robert Plant, Phil Collins e muitos outros. As estações de rádio também auxiliam na imersão dentro das localidades. Dependendo das consequências de determinada missão, estas serão noticiadas em alguma das rádios.
O trabalho de modelagem dos personagens mostra uma evolução da Rockstar nesse quesito. As expressões faciais dos mesmos não são do nível de jogos da Naughty Dog, mas podemos ver algo comparável ao que fora visto em L.A. Noire. A naturalidade da movimentação deles in-game nos permite um controle mais imedianto. O comportamento dos NPCs também é louvável. Se você provocá-los, uns virão para a briga, outros correrão e alguns espertinhos ligaram para a polícia por meio do celular e em instantes a mesma virá para manter a ordem e até poderemos ouvir o rádio dela dizendo que você está provocando desordem, inclusive citando a localidade em que isto está acontecendo.
A polícia está mais agressiva, desta feita. Nada muito difícil de contornar, mas apresenta um bom desafio. Quando as estrelas de procurado estão piscando, o mapa sinalizará que as viaturas estão procurando o personagem. Momento ideal para tentar se esconder. O sucesso ou não disto não é garantido, pois dependerá da sua habilidade e sorte. Inimigos em tiroteios apresentam uma inteligência artificial também muito boa. Alguns deles virão para cima dos personagens sem nem pensar duas vezes e outros, todavia, se protegerão, esperando o momento certo de atacar.
Pois bem, chegou a hora. O que faz desse GTA diferente em sua essência? Claro, a inclusão de três protagonistas. Mergulhar nas histórias vivenciadas por Michael, Trevor e Franklin fará do jogador um cúmplice leal de toda a bandidagem e humanidade que permeia o trio que impulsiona GTA, tornando variável e factível a diversidade encontrada nas missões correlacionadas ao contexto da série. Aperte o direcional para baixo que aparecerá uma área circular em que estão selecionáveis os três personagens. Selecione e o jogo, por meio de uma transição com uma vista aérea do local com um zoom out/zoom in, você terá acesso ao personagem que quiser. Excetuando as partes relacionadas à história, nas quais o controle de algum personagem é obrigatório, a transição pode ser feita constantemente. Será quase natural e tornará a exploração mais agradável. Cansou de explorar o jogo com Michael? Mude para Trevor e terá surpresas. Cansou de Trevor? Vá para Franklin e aproveite missões exclusivas dele. Cansou de Franklin? Faça a mesma coisa e aproveite as particularidades de cada personagem, dentre missões secundárias próprias e interações diferenciadas.
Ladrão de bancos, após um assalto mal sucedido, Michael se aposentara da vida do crime e vivia uma vida até então normal, em uma família com seus defeitos e defeitos, porém aproveitando o que a classe alta tinha de melhor em Rockford Hills, Los Santos. Michael se mostra um personagem muito ligado ao seu passado e situações criadas durante o jogo farão com que ele volte à ativa na prática de golpes na busca de uma grana necessária (o que não significa que seja para ele). Dos personagens do jogo, é o que mais foge ao "lugar comum" de um GTA. Apesar de criminoso, ele sua família é bem retratada no jogo, com uma esposa preocupada em estética acima de tudo, uma filha que busca o sucesso a todo custo e um filho largado, entregue às suas jogatinas de videogame e a algumas contravenções em menor escala. Muitas missões do jogo nos mostram essa rotina familiar de Michael, seus esforços para ajudar os filhos a se livrarem de confusões, suas visitas a um terapeuta reajustável monetariamente, enfim, todos esses eventos ajudam a moldar a personalidade de pai e esposo. E um criminoso perturbado, claro.
Um pouco mais próximo do que vemos em um GTA, mas ainda diferente por ser um novato na vida do crime, quase sem experiência relevante, Franklin vive em um lugar mais modesto de Los Santos com sua tia. Franklin trabalha para um gangster armênio como um homem que "retoma" carros. Contudo, ele tem aspirações maiores. Sonha em estar na vida do crime de forma grandiosa, conseguir vencer nesta vida, algo que ronda seu contexto social. Acontecimentos fazem com que Franklin e Michael se encontrem e Michael vê potencial no rapaz. E é isso que Franklin representa: alguém com potencial. Por vezes, aparenta ser "o mais inocente" dos três, talvez por sua inexperiência. A ascensão dele na trama como personagem não empolga tanto quanto ao dos seus companheiros do trio.
Junto a eles, temos o personagem que mais consegue se sustentar sozinho na trama. Trevor Philips, parceiro de Michael no grande assalto à banco que desencadeou boa parte da trama de GTA V tem uma habilidade ao manusear veículos aéreos tão alta quanto os seus distúrbios mentais. Boa parte oriunda da vida criminal, outra parte proveniente de problemas pessoais. Talvez problemas de aceitação. Trevor dita seu destino por si só durante a trama. Suas armas letais podem ser tanto pistolas, rifles, quanto as suas falas contundentes, seus gestos intimidadores, mas que escondem muito mais por trás disto. Vive em Sandy Shores, Blaine County, região desértica, rústica como a personalidade do personagem e que, por meio de desavenças locais e missões a serem executadas, nos vão apenas introduzindo a um dos personagens mais intrigantes de GTA.
A história principal de Grand Theft Auto V não prima por um brilhantismo tão notável quanto os outros aspectos vistos no jogo, isto devido a outros fatores, inclusive já expostos aqui, que se sobressaem e fazem dos acontecimentos algo simplesmente natural neste mundo de crimes e golpes em busca de grana fácil. Briga de gangues, conspirações corruptivas dentro de ambientes que deveriam primar pela ordem, mas onde há pessoas que tentam manipular o sistema a seu contento se tornam interessantes justamente pelo que se tem que fazer para chegar até isto e não propriamente só por isto. Os antagonistas que aparecem no jogo são meros seres manipuláveis pelo clima temático. Nada mais que isto. Nenhum chama muito a atenção provavelmente de propósito, a fim de primar pelo equilíbrio na história e tornar igualmente interessante tanto os eventos do enredo, quanto as possibilidades da exploração livre do mundo aberto.
O que impulsiona as histórias de GTA são os ricos diálogos construídos. Seja em uma cena de corte vital para o enredo ou simplesmente em uma conversa dentro do carro, seguindo rumo a uma missão (ou dando um rolê casual) os roteiristas da Rockstar mostram o quão profissionais são. Experimente guiar um carro e batê-lo para ver a reação do passageiro. Falas e dublagens coesas. Cada discussão de Trevor e Michael, a troca de insultos usando fraquezas mentais, físicas e sociais uns dos outros é um presente para a trama. GTA V teve um competente trabalho de legendas para o português do Brasil. Claro, existiram alguns erros de digitação, alguns termos exageradamente colocados, mas as gírias e vícios de linguagem em seus contextos foram bem adaptados em boa parte.
As diferenças entre Michael, Trevor e Franklin se refletirão nas missões que exigirão diversas habilidades. Em GTA V temos novamente o sistema de melhorias de habilidades do jogador. Atividades que pensamos serem triviais podem ser de vital importância para o incremento das habilidades. Cada personagem tem uma habilidade que se sobressai entre os demais. Franklin, por exemplo, é hábil na direção, mas deficiente com a arma nas mãos. Trevor, por sua vez, consegue se sair melhor na aviação, mas precisa treinar mais furtividade. Michael não tem um bom fôlego, mas é mais resistente. Todas as virtudes e fraquezas precisam de treino. Escola de aviação, nadar, correr, bater, atirar, dentre outras ações darão um incremento gradual nisto tudo.
Junto a isto, temos as habilidades especiais temporárias. Cada personagem tem a sua. Mais uma vez temos emprestada aqui a influência de Red Dead Redemption. Ativando a habilidade especial, a tela toma uma tomada em câmera lenta e uma coloração diferenciada. Com Franklin, a habilidade especial permite uma direção mais cautelosa, evitando batidas. Michael já se beneficia de uma vantagem especial em tiroteios. Por sua vez, a habilidade especial de Trevor permite que o mesmo se torne furioso, permitindo investidas mais efetivas e menos dano dos ataques inimigos.
Missões que envolvem tiroteios nos trazem uma jogabilidade mais fluída. O sistema de cover está mais sólido e a transição entre um ambiente e outro para buscar cobertura também. Há um número variado de armas (possibilitando váriados upgrades das mesmas) e que os personagens podem utilizar, as quais são selecionáveis tal qual em Red Dead Redemption, em uma roda com cada arma em um slot, na qual o jogador seleciona utilizando o analógico direito. Se acostumar ao sistema de mira pode ser complicado a um primeiro instante, mas a possibilidade de travar a diminuta mira nos inimigos facilita o avanço.
As missões de golpe se apresentam como a cereja do bolo dentre todos os eventos do jogo. Nelas, a estratégia e as decisões (diante de alternativas dadas pelo cerebral Lester) refletirão no êxito das ações e na dificuldade para almejar o triunfo. Além de Franklin, Trevor e Michael, uma equipe por vezes se torna necessária. Equilibrar as escolhas entre efetividade e partilhar o lucro dos golpes se torna um dilema. Desde a preparação dos golpes até a execução dos mesmos, as alternâncias necessárias para as funções dos três protagonistas nos golpes, refinam a ação com um toque cinematográfico, convertidos em jogabilidade, e proporcionando ao jogador o que a Rockstar sabe dar de melhor: possibilidades.
Com tantas possibilidades, seria normal querermos mais. Há missões de assassinatos, encontrar reféns, bicos de taxista, dentre outras, mas sentimos falta de missões simples envolvendo viaturas policiais, carros de bombeiros, ambulâncias. Sentimos falta também de outras práticas de lazer como sinuca ou a máquina de fliperama. Entretanto, são coisas que podem ser adicionadas via DLC e o próprio ambiente do jogo já acena para coisas do tipo, basta descobrir.
Há uma integração via Rockstar Social Club, site da empresa que funciona como se fosse uma pequena rede social, na qual jogadores podem partilhar seus desempenhos, suas faixas favoritas, suas fotos tiradas do celular de cada personagem do jogo, dentre outros recursos, o que pode expandir a experiência vista em GTA V por meses a fio.
GTA V é declaração de liberdade mais contundente de um jogo nesta geração. Oriundo de aspectos de toda uma experiência da Rockstar em jogos anteriores de suas franquias icônicas, temos aqui o presente final da empresa para os fãs. Raptar o jogador e fazê-lo cúmplice desse universo é pouco. Fazê-lo tomar para si cada detalhe, contar suas histórias para os amigos sobre suas andanças por Los Santos e Blaine County define algo que deu certo. Entender GTA V é mergulhar de cabeça em sua temática, dentro desse universo e tão somente dentro dele. Se você tem qualquer tipo de preconceito nunca irá entender a faceta ficcional dentro de jogo que apenas empresta para si coisas da realidade. Caso o preconceito esteja ausente, você fatalmente ficará preso à liberdade. Que tal um rolê por Los Santos agora?
— Resumo —
+ GTA em sua melhor forma
+ Sensação grandiosa de mundo aberto
+ Três protagonistas
+ Jogabilidade
+ Diálogos
+ Equilíbrio entre missões da história e missões paralelas
+ Gráficos e trilha sonora
+ Possibilidades
– Formará jogadores reclamando de "barriga cheia"