God of War Collection é um daqueles jogos que representam a forma como tratam o PlayStation Vita no mercado ocidental. Apesar de um suporte honroso das desenvolvedoras nipônicas, em mercados europeu e, principalmente, americano, o portátil da Sony já é dado como praticamente morto, restando ao mesmo ser um depósito de jogos indie multiplataforma e, vez ou outra, ports piorados de versões caseiras de franquias consagradas. Kratos invade o Vita com dois clássicos do PlayStation 2 (talvez a franquia mais relevante da Sony em sua respectiva geração). Contudo, esperava-se mais. Aliás esperava-se outra coisa, algo inédito.
Inédito, porém, seria tornar frutífero o apelo de God of War Collection. Existe, mas, estrategicamente, é algo irrelevante e quase descartável. Qualquer pesquisa séria acerca do público majoritário do PlayStation Vita será convergente a duas hipóteses: muitos donos do portátil provavelmente já tiveram contato com ambos os jogos do pacote (seja no PlayStation 2 ou no PlayStation 3) ou, ainda, podemos pensar em uma parcela significativa que não vê na franquia God of War algo que a cative. O que sobraria de tudo isto? Uma parcela pequena e corajosa disposta a pagar 30 dólares por algo que já está queimado de tão requentado que foi.
Claro, como já dito, estamos discorrendo acerca de dois jogos com uma perfeição no que se propõem. O retrato da mitologia grega continua aqui encarnada pelo vingativo Kratos em duas aventuras cheias de ação, visuais grandiloquentes e mecânicas de jogabilidade pouco complexas para um hack'n slash, porém, acessíveis e que casam perfeitamente com a violência requintada a cada QTE (Quick Time Event) e a cada combo desferido por um personagem que se tornou símbolo de um estilo. No entanto, a forma como isto foi portado para o PlayStation Vita poderá frustrar até mesmo os que não esperavam nada.
O trabalho da Sanzaru Games, conhecida por ter desenvolvido Sly Cooper: Thieves in Time, denota pouco esforço. God of War Collection parece que roda em um emulador e não em console portátil parrudo de forma pura. De início, temos uma tela simplória de seleção que pode encaminhar o jogador tanto para God of War quanto para God of War II. Escolhendo seu caminho, resta adentrar ao universo da emulação oficial do jogo escolhido.
O primeiro God of War nos dá uma aula de level-design e jogabilidade fluída. Somos apresentados a Kratos, o fantasma de Esparta, o anti-herói traído em busca de vingança e, a pedido dos deuses, deter Ares que estava por destruir a cidade de Atenas. Desde a batalha inicial contra Hidra (um dos momentos mais memoráveis da história dos videogames), passando por templos e câmaras dos mais variados deuses, God of War trouxe um senso de level-design que aliou linearidade e backtracking como poucos, conectando diversos lugares de maneira ímpar. E, obviamente, nos brindando com uma jogabilidade fluída, regada a sangue e finalizações brutais.
Já God of War II, continuação direta do primeiro jogo da série, traz, de início, um Kratos imponente, peitando a tudo e a todos, porém, sofrendo as consequências de seus atos. Desde a batalha inicial de proporções épicas contra o Colosso de Rodes, passando por uma "nova traição" e uma nova busca por vingança, a jornada nos revela visuais mais robustos que o primeiro jogo da série, mas com um level-design menos audacioso, sem deixar de ser brilhante, no entanto. O foco era nas batalhas e nisso a Santa Monica caprichou, aumentando o número de bosses significamente, inserindo novas mecânicas de jogabilidade e, por fim, dinamizando mecânicas já existentes, tornando o jogo mais fluído possível.
Contudo, por mais brilhantes que sejam, ainda estamos diante de um trabalho de conversão que decepciona.
Os controles continuam sólidos. A falta de botões no PlayStation Vita pouco atrapalha a experiência em seu estado bruto, mesmo que demore um pouco para se acostumar aos comandos que exigem uso das telas de toque dianteira e traseira. O jogador ainda continua controlando as principais ações de Kratos por controles convencionais. A tela traseira do Vita é usada para abrir baús, acionar os pontos de salvamento durante o jogo, acionar alavancas e, ainda, abrir algumas portas em comunhão ao botão círculo. A tela de toque principal permite alternar entre diferentes armas que Kratos consegue durante God of War II, ativar a Rage of the Gods (God of War) ou a Chrono's Rage (God of War II) – ataques especiais – e ativar o Amulet of the Fate (God of War II), o qual serve para controlar o tempo e algumas habilidades fundamentadas em Hermes (God of War). São alternativas úteis, apesar de ser um pouco incômodo ditar ações com a tela de toque traseira, devido a ser muito sensível, e, por vezes, um comando pode sair sem o jogador querê-lo.
O tripé jogabilidade, visual e som sofre algumas baixas, ora pequenas, ora consideráveis. A taxa de quadros é inconstante nos dois títulos. Nada de muito alarmante, mas que incomoda principalmente a quem experimentou o framerate sólido da versão de PlayStation 3 dessa coleção. Obviamente, os hardwares são diferentes, mas fica a sensação de que o Vita poderia se aproximar do que fora visto em seu irmão maior. Em God of War II, a falta de uma satisfatória fluidez em coisas básicas se torna irritante, porque até mesmo ao acessar os menus ou ao salvar o progresso temos uma lentidão inexplicável.
Os gráficos ainda impõem certo respeito quando estamos no comando da ação. Mesmo com momentos um pouco borrados, um serrilhado ali e outro aqui, os dois títulos são lindos no Vita. Entretanto, nas cenas de corte, não otimizadas à resolução do portátil, os problemas aparecem. Borradas ao extremo, principalmente nas cenas de computação gráfica, não seria exagero dizer que as belas cutscenes dos God of War, aqui, se assemelham um pouco a trabalhos vistos no PSOne. Junte isto ao som abafado, principalmente em God of War II, e temos uma experiência frustrante quando vemos o enredo sendo contado em cenas não-interativas.
Veredito
A Sanzaru Games estava com ouro nas mãos, mas não fez um bom trabalho. God of War Collection, assim como muitos ports de Vita, evidencia o descaso que há com o portátil. Jogadores pacientes certamente conseguirão se divertir, afinal, em seu cerne, há duas obras-primas da Santa Monica Studio. Entretanto, os defeitos estão presentes nesta adaptação, não a ponto de provocar a ira dos deuses, mas talvez a ira de quem esperava um tratamento digno para um portátil que tem um potencial enorme e subaproveitado.
Análise feita com cópia digital adquirida na PlayStation Store americana.