Após dois remasters incríveis e elogiados pela crítica e público em Grim Fandango e Day of the Tentacle, é hora de fechar a trilogia de adventures capitaneadas pela mente criativa de Tim Schaffer na época da finada LucasArts e entregar um dos títulos mais icônicos do gênero: Full Throttle. Lançado originalmente em 1995 para PC, o jogo na época representou uma virada na carreira de seu criador e um dos maiores sucessos da empresa. Com gráficos muito acima da média e um nível de produção sem precedentes para o gênero, o jogo foi o primeiro primeiro adventure a superar 1 milhão de cópias. E agora, com mais de 20 anos nas costas, ele passou pelo tratamento remaster da DoubleFine e chega aos consoles Playstation para apresentar o mundo dos motoqueiros para a nova geração de gamers.
O jogo acompanha a jornada de Ben, membro da gangue de motoqueiros Polecats, que é pego em uma série de acontecimentos que acabam levando ele e sua gangue a serem culpados pelo crime do diretor da última empresa fabricante de motos, a Corley Motors. A partir disso, Ben deve ir atrás dos mandantes do crime para limpar o seu nome e o de sua gangue e impedir que a fabricante interrompa a produção das queridas motos.
Bem-humorado e genuíno: estas duas palavras definem o plot, personagens e o mundo de Full Throttle. Em uma espécie de futuro alternativo, no qual gangues de motoqueiros dominam as estradas em um cenário quase pós-apocalíptico, dominado por uma paisagem árida e desértica, o humor e visual cartunesco dos personagens subvertem as expectativas e transformam a aventura de Ben em algo memorável e diferente de tudo que você jogou. Em uma história que mistura road movie com filme de motoqueiros e ficções científicas pós-apocalípticas a là Mad Max, o toque de bom humor característico dos jogos da equipe torna o game uma aventura fora dos padrões e convenções.
O grande elogio que deve ser feito pelo jogo é o incrível trabalho de remasterização por parte da equipe da DoubleFine, que refez toda a parte técnica e adaptou a jogabilidade para os controles do PS4 e Vita. Repetindo o trabalho primoroso de Grim Fandango e Day of the Tentacle, os gráficos pixelizados originais foram readaptados para os consoles HD, aumentando sua resolução e incrementando detalhes dos cenários e personagens. Alguns detalhes impossíveis de serem vistos no original aqui estão claramente visíveis, algo que os fãs do jogo original certamente vão apreciar. E o mais interessante é que você pode ter a experiência original, com os gráficos e qualidade sonora do game de 1995, com apenas um toque no touchpad do controle. Transitando entre as duas versões, fica ainda mais claro o trabalho que a equipe teve. Inclusive, os jogadores brasileiros foram agraciados com a excelente tradução das legendas de todo o material do jogo para o português .
Porém, ao contrário de Day of the Tentacle, onde a maior parte dos gráficos eram em 2D, Full Throttle foi uma das primeiras tentativas da finada LucasArts de criar modelos e cenários totalmente em 3D, que aqui foram implementados nos carros, motos e em alguns cenários. Assim, o trabalho de remasterização vai além de simplesmente “limpar” os gráficos originais, e sim recriar cenários em 3D completamente do zero. O resultado traz um pouco de controvérsia, já que os novos modelos em 3D, apesar de cumprirem o papel, acabam ficando aquém do material original e passam a sensação de serem mais lavados e simplificados que os gráficos do game antigo. As montanhas feitas em CG destoam completamente da arte original, o que é uma pena devido à excelente direção de arte do jogo.
Mas uma coisa que Full Throttle executa impecavelmente é o trabalho de som. Das dublagens sensacionais dos personagens (com participações como a de Mark Hamill, o Luke de Star Wars e o Coringa da série animada do Batman, aqui dublando o vilão Adrian Ripburguer), com vozes que estão a par do carisma visual e do mundo fascinante do jogo. Além disso, a trilha sonora feita pela banda The Gone Jackals é de balançar a cabeça de qualquer fã de heavy metal. O tema icônico do jogo ressoa na lembrança de qualquer pessoa que jogou o game na época, e a remasterização sonora de toda a parte em áudio melhora ainda mais o que já era praticamente perfeito.
Outras adições muito bem vindas na versão são os bônus, como artes conceituais, as músicas do jogo e os comentários em áudio de Tim Schaffer e a equipe que trabalhou no jogo original, comentando os bastidores da produção do game, além de detalhes sobre o complexo trabalho de revitalização dos gráficos e áudio para esta versão. Aqui, os comentários podem ser ouvidos de duas maneiras, ou ativando para que rodem ao longo do game, com diálogos sobre determinadas partes do jogo, ou ouvindo todos eles através da opção Jukebox no Bônus. Poucos games recebem tanto carinho e cuidado como as remasterizações produzidas deste estúdio, e este é mais um caso desse esmero da equipe.
O jogo apresenta a engine clássica SCUMM, criado na época pela LucasArts e implementado em diversos adventures da empresa, além de cenas feitas completamente com animação em vídeo (algo inédito na época) com a engine de animação chamada INSANE. Aqui, o sistema de point-and-click está mais próximo de Grim Fandango do que de Day of the Tentacle, com algumas possibilidades de interação em uma HUD muito bem feita e talvez uma das mais memoráveis do gênero. É possível socar/agarrar/pegar com o ícone dos punhos de Ben, bem como olhar ou falar (e até mesmo lamber!?) com a caveira, ao selecionar sua boca ou os olhos. Há ainda a opção extremamente útil e abridora de portas que é o ícone da bota, com a qual Ben chuta qualquer coisa que possa ser ativada dessa maneira. O sistema foi simplificado em relação aos seus predecessores mas ainda dá margem para o jogador explorar diversas maneiras de interação.
Há também algumas facilidades nesta versão, como a possibilidade de destacar os objetos interativos do cenário apertando o direcional direito do controle. Isso ajuda na hora de saber exatamente o que o jogador pode ou não pode usar para resolver os puzzles do game.
Os adventures da LucasArts, especialmente os criados por Tim Schaffer, são lembrados não só por terem personagens icônicos e mundos hilariamente fascinantes, mas também por seus puzzles obtusos e pouco intuitivos, em que o jogador deve pensar fora da caixa para tentar resolvê-los. Em um mundo funcionando em sua própria lógica, Full Throttle talvez seja a compilação de puzzles mais difíceis da trilogia clássica da LucasArts, com alguns que provavelmente vão te fazer chutar todas as possibilidades até dar certo ou simplesmente olhar a resolução na internet.
E, infelizmente, existem alguns momentos extremamente frustrantes e que funcionam sem muito controle do jogador, com um gameplay saindo do sistema de adventure e entrando em momentos mais de ação, envolvendo perseguições de motos e controle de carros “bate-bate”. Estas partes são o ponto baixo da experiência e destoam da jogabilidade mais concisa do resto do game, se aproximando mais de mini-games feitos à pressa do que algo polido.
A pior dessas seções, sem dúvidas, é a na estrada, na qual o jogador deve encontrar diferentes motoqueiros ao longo da pista, enfrentá-los e pegar suas armas para poder derrotar outro inimigo mais habilidoso. Além dos gráficos usarem muito do já mencionado efeito 3D “lavado” da remasterização, o gameplay é travado e frustra com tentativas em vão de acertar o motoqueiro do lado. Além disso, a ordem de aparição desses inimigos é feita de forma aleatória, então o jogador acaba demorando bem mais tempo para concluir esta seção, devido à natureza exclusiva desta parte.
A duração da campanha varia muito em um jogo desse tipo. Se o jogador for experiente no gênero e entender os macetes das resoluções dos puzzles, provavelmente não levará mais que 4 ou 5 horas para terminá-lo na primeira vez. Mas se você for um jogador de primeira viagem, essa duração pode aumentar para muito mais. Com as diversas possibilidades de interação em cada cenário e puzzle, o jogo pode se tornar arrastado e pouco convidativo para novos jogadores. Há alguns problemas técnicos herdados da versão original, como as estranhas transições de cenas, remanescentes de uma versão em disco para PC de um game em 1995.
Veredito
Não são todos os clássicos que resistem ao tempo, especialmente nos games. Full Throttle Remaster é uma mistura do conservado com o datado. Enquanto em termos de história, personagens e carisma o jogo não envelheceu um dia sequer, com um mundo criativo e muito bem construído, sua jogabilidade e visual em alguns momentos vão em direção contrária, com efeitos 3D datados (inclusive os remasterizados) e mecânicas em alguns momentos que fogem da proposta de um adventure e se tornam frustrantes e pouco polidas.
Apesar disso, a restauração feita pela Double Fine é primorosa e traz vida para um jogo de mais 20 anos, com toda a parte sonora, modelos e cenários em 2D recebendo o devido cuidado de preservação por parte da equipe, adaptando todo o charme do material original para uma nova geração. Além disso, ele ainda traz legendas em português, com uma ótima adaptação de suas piadas. Definitivamente um remaster feito para os fãs de adventure e dos trabalhos do criativo Tim Schaffer, apesar de talvez não ser o melhor ponto de partida para os jogadores de primeira viagem.
Jogo analisado com o código fornecido pela desenvolvedora.
Veredito
Veredict
Not every classic resists through time, especially in videogames. Full Throttle Remaster is a mix between the well preserved with the old atmosphere. While in terms of story, characters and charisma the game itself hasn’t aged a single day, its gameplay and visuals often go in the opposite direction, using old 3D effects (including the remastered ones) and mechanics that sometimes don’t match the adventure style and become frustrating and badly done. Despite that, Double Fine’s restoration is exquisite and brings new life to a 20-year-old game, giving the proper care to sound, models and scenarios, adapting the charisma of the original game to this new generation. The Portuguese subtitles are present, and the jokes were well adapted to the language. It is definitely a remaster made for the fans of the adventure genre and of the creative Tim Schaffer, but it might not be the best starting point for first-time players.Despite this, Double Fine’s restoration is exquisite and brings life to a game of over 20 years old, with all the sound, 2D models and scenarios receiving due care by the team, bringing all the charm of the material for a new generation. Definitely a remaster made for adventure fans and the works of creative director Tim Schaffer, but may not be the best starting point for first-time players.