Você se aproxima furtivamente de um acampamento inimigo. Você usa sua câmera para rastrear e identificar os movimentos das pessoas e dos animais que circulam por ali. Você se agacha e, lentamente, infiltra-se no acampamento e se esconde atrás de uma casa. Você equipa o seu arco-e-flecha e se prepara para acertar o sniper que pode vê-lo de longe e denunciar sua posição para os outros. Você puxa a flecha e mira, estimando a distância para o inimigo para dar o tiro certeiro. Assim como o seu personagem, você prende a respiração, certifica-se de que o inimigo está na mira correta, e prepara-se para dar o disparo mortal.
Aí um tigre surge do nada, por trás de você, e te destroça sem dó nem piedade.
Far Cry 3 (FC3) é um jogo sensacional, e a descrição acima ilustra apenas uma pequena parte disso. FC3 é um jogo de tiro em primeira pessoa que se passa em um conjunto de ilhas (supostamente) paradisíacas no Oceano Pacífico, chamadas Rook Islands. Você controla Jason Brody, um jovem americano em férias com seus amigos. Um belo dia eles decidem pular de pára-quedas em uma ilha não muito apropriada: ela é infestada de piratas que prontamente capturam vocês e se preparam para vendê-los como escravos para o maior pagador.
A história de FC3 é muito interessante, cheia de reviravoltas e é bastante pesada. Vários temas como escravidão, uso de drogas e até estupro são trabalhados nele, mas sem nunca partir para violência gratuita ou apelação. Tudo que ocorre no jogo tem os seus motivos e você pode não concordar com eles, mas vai sempre entender porque ocorrem. Sem dar spoilers, mas uma das cenas mais emblemáticas do jogo, uma cena de tortura que ocorre em determinado momento, vai perturbar você tão ou mais do que perturbará Jason.
Jason, aliás, é um protagonista tão bem trabalhado que deveria servir de modelo para o restante da indústria de jogos. Ele começa como um adolescente chorão, um menino rico e mimado, que acha que entende o mundo e manda nele… Até ser capturado por piratas, ser humilhado por eles e sofrer um grande trauma emocional. Ele é uma pessoa comum, e a primeira morte causada por ele é tão acidental que nem ele mesmo acredita no que acabou de fazer.
Ao longo do jogo Jason cresce como personagem e você cresce com ele. Ele se vê obrigado a tomar atitudes para salvar os seus amigos e o seu irmão, que ainda são prisioneiros dos piratas, e essas atitudes irão fazer ele desenvolver um lado que nem ele mesmo imaginava existir. A cada capítulo do jogo Jason se torna mais confiante e mais corajoso, e com a ajuda de alguns aliados que ele encontra pelo caminho, ele começa pela primeira vez na vida a “andar com as próprias pernas”.
Jason é um personagem legal, mas o jogo tem muito mais a oferecer, começando por Vaas, um dos antagonistas da história (e o garoto-propaganda do jogo). Vaas é o líder dos piratas e ele é um monstro, um psicopata altamente perturbado e, para piorar, alguém com quem você tem grandes chances de se relacionar. Ele tem uma história um tanto quanto trágica, e Hoyt Volker, outro vilão da história, aproveita-se da fragilidade emocional de Vaas para explorá-lo em busca de novas oportunidades de negócio.
Na busca por seus amigos Jason também irá encontrar um espião americano com alguns parafusos a menos, um especialista em estudar fungos e em ficar chapado o tempo todo e também os habitantes nativos da ilha, os Rakyat, que tentam lutar contra a dominação dos piratas e que precisam de toda a ajuda para se libertar da opressão, mesmo que essa ajuda venha de um garoto americano franzino e duvidoso.
O jogo possui exploração livre (open world), e você pode ir para onde quiser, quando quiser. Além de missões que dão prosseguimento à história, o jogo oferece dezenas de missões opcionais que envolvem assassinatos, ajudar os habitantes da ilha, caçar animais raros e muito mais. Você também pode jogar pôker no jogo, e não é uma versão simplificada ou automatizada: você realmente pode jogar um jogo completo de pôker Texas Hold'em em Far Cry 3. Nem todas as missões são liberadas de início; você deve habilitá-las, e isso envolve as duas melhores atividades do jogo: ativar as torres de rádio e liberar os acampamentos inimigos.
Quando você começa o jogo não há acesso ao mapa da ilha: tudo está escurecido, e você não sabe para onde ir e o que encontrar. Espalhadas pelas ilhas do jogo há 18 torres de rádio que devem ser escaladas, para que no topo delas você possa ativar o mapa daquela região. Cada torre é única, e escalá-las é um puzzle que exige paciência, observação e habilidade. As torres do início são simples, mas à medida que se avança no jogo, fica cada vez mais difícil chegar ao topo, e você pode se preparar para falhar algumas vezes. Essas escaladas lembram a subida aos viewpoints da série Assassin’s Creed, mas agora em primeira pessoa.
Também espalhados pelo mapa há 34 acampamentos inimigos, locais com grande concentração de piratas e soldados prontos para encher você de balas. Esses acampamentos servem de base para a distribuição de inimigos pelo mapa, e ao matar todos os inimigos de um acampamento, ele será liberado e você passará a ter o controle dele, diminuindo assim a concentração de inimigos naquela região e facilitando a exploração. Liberar esses acampamentos é a melhor atividade do jogo e você vai gastar algumas boas horas buscando a melhor forma de conquistá-los. Cada acampamento liberado se torna um ponto de Fast Travel, então para facilitar a sua vida, você realmente terá que liberar todos.
É na liberação dos acampamentos que as várias mecânicas de Far Cry 3 vem à tona. Sendo um jogo de tiro em primeira pessoa, é perfeitamente possível equipar as suas melhores armas e chegar atirando indiscriminadamente. Alguns inimigos podem ativar o alarme do acampamento e pedir reforços, mas você pode dar conta deles também. É uma forma mais direta e sucinta, especialmente para aqueles com pouca paciência. Porém, para mim, essa nunca foi a melhor forma. Legal mesmo é matar sem ser visto.
FC3 tem uma mecânica de stealth fantástica e, sempre que possível, ela era a minha forma escolhida de lidar com inimigos. Conforme eu mencionei no parágrafo introdutório, você possui uma câmera fotográfica que serve para marcar os inimigos. Basta equipá-la e focar nos inimigos para que eles sejam identificados na tela e no mini-mapa. Dessa forma você saberá onde eles estão, mesmo que estejam ocultos atrás de paredes ou dentro de casas.
Depois de marcar os inimigos você pode usar um ataque físico de surpresa, chamado Takedown, para matar um por um com um golpe certeiro. Com um pouco de planejamento, e usando um item que permite que você distraia os inimigos temporariamente, é possível matar uma dezena deles sem que eles nem saibam da sua existência. O stealth é o melhor desde os dois Batmans recentes e liberar um acampamento assim é extremamente gratificante. Outro benefício de usar o stealth é que ele sempre rende mais pontos de experiência, e você vai precisar muito disso.
O jogo possui um esquema de evolução do seu personagem através de skills e criação de itens. As skills são habilidades que você adquire usando os pontos de experiência (XP) adquiridos ao longo do jogo, seja matando inimigos, ativando torres de rádio ou liberando acampamentos sem ser detectado. Essas habilidades são divididas em três “árvores”, mas elas não são mutuamente excludentes. O jogo oferece oportunidades suficientes para que você maximize todas as três árvores, ficando cada vez mais rápido, forte e letal.
Você também pode evoluir seus equipamentos através da criação de itens. Os itens são criados usando a pele de animais que você pode caçar, e o jogo oferece uma grande quantidade deles: há desde herbívoros que fogem de você, como porcos e veados, até carnívoros que podem te atacar e te matar com poucos golpes, como ursos, tigres e até tubarões. Há até alguns animais especiais, encontrados em missões opcionais, que fornecem os melhores itens do jogo, se você conseguir matá-los usando as restrições que o jogo lhe impõe.
Os animais também podem ajudar você a liberar os acampamentos inimigos. EM mais de uma ocasião eu estava me preparando para atacar alguém, ou já estava no processo de liberação, quando algum animal violento atacou o acampamento e matou todos os outros inimigos para mim. É sempre divertido receber essa ajuda e ver os inimigos caindo um a um perante um grande urso pardo.
Além de caçar, você pode colher plantas de variados tipos para a criação de itens de recuperação de energia e buffs temporários, como proteção a determinados tipos de ano ou mais fôlego para poder mergulhar mais fundo.
As armas são bem variadas e incluem pistolas, sub-metralhadoras, rifles de assalto, metralhadoras e lançadores de granadas (como o RPG). Cada arma pode ser customizada, sendo possível comprar diferentes acessórios como silenciadores (essenciais para um stealth bem sucedido) e miras telescópicas, ou até mesmo diferentes camuflagens para mudar o visual delas. Também há um lança-chamas muito divertido de usar: tanto a vegetação da ilha quanto construções de madeira pegam fogo e ele se espalha facilmente, então você pode atacar seus inimigos com um incêndio bem controlado e deixar as chamas fazerem o trabalho por você.
Contudo, a melhor arma do jogo não é nenhuma ultra-moderna nem com alto poder de fogo; é o arco-e-flecha. Além de ser extremamente mortal, já que praticamente qualquer inimigo morre com 1 flecha, ele é silencioso, o que ajuda imensamente no stealth, e as flechas podem ser recuperadas após serem disparadas, se você conseguir chegar onde elas ficaram fincadas. Em tese, você pode nunca ter que comprar flechas extras e ficar reutilizando as que já possuir.
O mundo do jogo é muito bonito, com belas praias e montanhas, ótimos efeitos de iluminação e densas florestas e cavernas para explorar. Espalhados por todos esses lugares há centenas de colecionáveis, sendo que alguns expandem a história do jogo, contando mais sobre o passado das ilhas.
O single-player é imenso por si só e já rende algumas dezenas de horas (excelentes) de jogo. Para um jogo normal, isso já seria o suficiente, mas Far Cry 3 não é um jogo normal.
FC3 oferece um modo cooperativo para até 4 pessoas, com uma história e personagens próprios e se passando em uma ilha próxima à do jogo single-player, alguns meses antes dos eventos dele. O co-op funciona nos moldes de Left 4 Dead (L4D): há várias missões separadas, cada uma delas com diversos objetivos. Os personagens conversam e interagem o tempo todo entre si, fazendo comentários sobre o que deve ser feito no jogo ou até mesmo piadinhas entre eles. Você também ganha XP no co-op, e à medida que evolui o seu personagem destrava novas armas, equipamentos e habilidades.
O co-op é muito bom mesmo, sendo até mais duradouro que L4D e até mais divertido, já que você enfrenta inimigos armados e não somente zumbis descerebrados. As missões são muito variadas entre si e todas contam com pelo menos um momento “fodão”, em que você equipa uma arma poderosa com munição infinita e compete com seus amigos para ver quem faz mais pontos. Há 4 níveis de dificuldade no co-op, ideais para quem quer cada vez mais desafio.
Para quem prefere multiplayer competitivo, o jogo também oferece um nos moldes do que nós já esperamos, com opções como Team Deathmatch e afins. Eu, particularmente, não sou muito fã de multiplayers assim (o que explica a curta vida útil dos Call of Dutys para mim), mas para quem gosta, é ainda mais uma opção em um jogo que já extremamente completo.
Com tantos elogios, você pode se perguntar se o jogo é impecável. Naturalmente nenhum jogo é perfeito, ainda mais um jogo de exploração livre e cheio de modos diferentes. Em algumas ocasiões, explorando o mapa, eu fiquei preso no cenário, e tive que usar o Fast Travel para sair da situação. O jogo também é carregado demais de notificações, que ficam pulando na tela o tempo inteiro e com o passar do jogo incomodam um pouco (mas um patch para eliminá-las está a caminho).
O sistema de salvar o progresso é ruim, pois só é possível ter, em um mesmo slot, 2 saves: um automático e um manual. Caso você queira salvar o jogo em algum ponto para poder voltar nele, por exemplo, você não poderá. E, para quem se acostumou com o esquema de missões de Borderlands, que permite que você cumpra várias simultaneamente, eu tenho uma má notícia: em FC3 você só pode fazer uma missão de cada vez, e em algumas delas você não pode nem sair de uma área pré-definida, sob o risco de falhar a missão e ter que começá-la novamente.
Problemas existem, mas a questão é: eles atrapalharam a minha experiência de jogo? Eles interferiram no prazer de jogar? Eles diminuíram a diversão? Posso dizer sem hesitar: não, de forma alguma. Eu gostei demais de Far Cry 3, do começo ao fim. Explorar o mundo, ativar as torres de rádio, liberar acampamentos, caçar animais… Sempre havia algo para fazer, e quando eu parava de jogar, eu só pensava em jogar de novo. Depois de terminar o jogo principal, eu ainda tive algumas boas horas de jogo no co-op, e mesmo já tendo jogado tudo, pretendo voltar e jogar pela simples diversão e para evoluir meu personagem.
Far Cry 3 é um jogo maravilhoso, um exemplo de como se deve criar personagens, uma boa história e um mundo livre para explorar. Por ter saído no final do ano, depois de todos os blockbusters da temporada, o jogo ficou um pouco ofuscado e até fora do radar de muita gente, inclusive do meu, por um bom tempo. Felizmente isso foi corrigido e eu pude aproveitar tudo o que o jogo oferece. Seja no single-player ou no multiplayer (cooperativo ou competitivo), Far Cry 3 tem algo a oferecer para todo mundo. Não tenha dúvidas: o jogo é um dos melhores lançamentos do ano e tem todos os elementos para ser o melhor jogo do ano de 2012.
— Resumo —
+ História e personagens
+ Mundo enorme e bonito
+ Stealth bem feito
+ Ativar torres de rádio
+ Liberar acampamentos inimigos
+ Criação de itens
+ Colecionáveis
– Bugs de cenário
– Notificações incessantes na tela
– Sistema de saves limitado
– Só poder fazer 1 missão por vez
Imagens: divulgação (baseadas na versão de PC)