A Electronic Arts é, indiscutivelmente, uma das maiores produtoras de jogos do ramo de entretenimento eletrônico. Ela é detentora de dezenas de séries populares que, a cada ano, recebem uma grande quantidade de jogos. Com esse volume tão grande de lançamentos, em datas cada vez mais próximas umas das outras, a qualidade dos jogos foi caindo, na opinião geral dos consumidores, e a empresa começou a ser vista com maus olhos, estigmatizada como produtora de jogos ruins. Ciente desse fato, a empresa decidiu reinventar-se, pautando seus lançamentos na qualidade. Uma das facetas dessa reinvenção foi a aposta em séries novas, com novas características para instigar os jogadores. Dessa proposta nasceu Dead Space.
Dead Space é um jogo de ação, suspense e terror em terceira pessoa que, como o título sugere, se passa no espaço, mais especificamente a bordo da nave USG Ishimura. A nave é uma mineradora de planetas e a maior de sua categoria. Em uma missão no planeta Aegis VII, algo acontece à nave, que envia um pedido de socorro. A nave de resgate USG Kellion é enviada e o protagonista do jogo, Isaac Clarke, é um engenheiro selecionado para eventual suporte a reparos na Ishimura. Ao tentar pousar na Ishimura, a Kellion é severamente avariada. Felizmente, os tripulantes escapam com vida do acidente, apenas para se deparar com o pior dia de suas vidas.
Isaac em um compartimento danificado da Ishimura. O planeta Aegis VII é visto ao fundo, com o buraco escavado pela nave.
Em pouco tempo a equipe descobre que a Ishimura está sem tripulação e infestada de criaturas alienígenas chamadas de "Necromorphs", que mutilam e matam todo e qualquer humano que encontrem. Essas criaturas têm semelhanças com pessoas, na sua forma mais comum, mas com membros adicionais e garras para dilacerar quem se puser em seu caminho. Elas não são desprovidas de inteligência, pois demonstram capacidade de raciocínio. Elas se escondem e atacam de surpresa, desviam dos tiros e até "fogem" da batalha. Essa é uma tática muito utilizada e que provê uma boa dose de sustos ao jogador, pois as criaturas escapam pelos vário dutos de ar encontrados por todo o jogo, para em breve chegar em algum perto do jogador e então atacá-lo novamente.
A forma de lutar com os inimigos é uma das inovações de jogo. Ao invés de atirar sem pensar, ou atirar na cabeça para matar rapidamente, o jogo estimula o jogador a desmembrar os inimigos (cortar os braços, pernas, tentáculos ou qualquer outra extremidade que o inimigo possuir) para matá-los. É uma abordagem muito interessante, pois exige do jogador uma certa estratégia para lidar com os inimigos. Por exemplo, em uma sala com vários inimigos, caso você tenha pouca munição, pode apenas cortar as pernas, o que não vai matá-los, mas permite que você fuja ou procure munição em algum lugar. Os diferentes tipos de inimigos presentes ao longo do jogo exigem estratégias diferentes na forma de lidar com eles.
Outra inovação é forma como o jogo apresenta as informações na tela. Tradicionalmente itens como barra de energia, munição e outros são apenas colocados em algum canto da tela, tirando um pouco a imersão proporcionada pelo jogo. Menus são comumente jogados na tela, paralisando o jogo. Em Dead Space essa interface é diferente e muito superior, em termos de design. A barra de energia de Isaac é exibida como uma faixa em suas costas, similar a uma coluna vertebral colorida. Quando cheia, a barra é azul e conforme ele sofre ataques, a cor muda gradualmente para amarelo e então vermelho. É algo sutil e que sempre está disponível para o jogador conferir. A munição é exibida quando se mira a arma selecionada, e aparece em uma projeção holográfica diretamente sobre a arma. Novamente, informações visuais são exibidas. O holograma é azul quando ainda há tiros a disparar, e se torna vermelho quando a arma precisa ser recarregada.
O menu principal do jogo também se dá como uma projeção holográfica. Ao ativar o menu (com o botão "triângulo"), uma projeção aproximadamente da altura de Isaac é exibida poucos metros à sua frente. Nessa tela é possível verificar seu inventário, o mapa da área em que se encontra e a história do jogo que se sabe até o momento. Tudo isso é visto em tempo real: você pode caminhar e controlar a câmera enquanto navega no menu. Isso faz com que o jogador esteja sempre atento, pois ele pode estar verificando o mapa ou utilizando um medkit no menu e no mesmo instante um inimigo pode surgir de surpresa e atacá-lo.
A história do jogo também é contada em tempo real, como ocorre em Half-Life, por exemplo. Não há cenas pré-renderizadas durante o jogo. Vídeos são exibidos em hologramas, de forma similar ao menu descrito anteriormente. Logs de vídeo, áudio e texto são encontrados pela Ishimura e ajudam a entender melhor o que se passou na nave pouco tempo antes da chegada do jogador. No geral, a história é muito interessante, com uma mistura de ficção científica e religião que certamente deixará o jogador interessado. Para aquele que quiser conhecer mais, há um gibi e um filme de animação que complementam a história do jogo.
Graficamente o jogo impressiona. Efeitos de luz e sombra foram bem trabalhados no jogo (mesmo que em certos momentos a sombra projetada do jogador tenha algum serrilhado), as texturas são de alta resolução e tudo no jogo, incluindo personagens, inimigos e cenários foi bem modelado. A parte sonora merece muito destaque, pois recebeu atenção especial da equipe de produção, o que já foi recompensado com alguns prêmios nessa categoria. Não há músicas para acompanhar o jogo, mas sim sons etéreos da própria nave, como uma porta abrindo e fechando, algo metálico caindo no chão e sons de passos de inimigos, além dos sons gerados por Isaac, por seus passos e sua respiração. A atuação de voz dos personagens também é excelente.
Os controles seguem um esquema comum para jogos de ação em terceira pessoa. O analógico esquerdo controla a movimentação do personagem, o direito controla a câmera e para disparar suas armas você deve mirá-las com L1 para então atirar com R1. R1 e R2 sozinhos são utilizados para ataques físicos. Com L2 pressionado, Isaac pode correr em qualquer direção e é possível andar e atirar ao mesmo tempo (duas coisas que Resident Evil 5 poderia ter implementado). Com o passar do jogo, Isaac adquire duas novas habilidades. Uma é um lançador de stasis, uma forma de energia que diminui o tempo daquilo que ela afeta. Ao utilizá-la em um inimigo rápido, ele ficará temporariamente lento, quase parado, permitindo que você lide com ele com mais calma. A outra habilidade é a de telecinésia, que permite Isaac movimentar certos objetos pelo ar, de forma similar à Gravity Gun apresentada em Half-Life 2.
As "armas" do jogo são na verdade ferramentas que Isaac encontra e que utiliza para enfrentar os inimigos. A primeira a ser encontrada, e uma das melhores, é um cortador de plasma utilizado para pequenas tarefas. Outro exemplo é uma serra industrial utilizada para serrar materiais densos, ou inimigos ao alcance de suas lâminas. Só uma arma tradicional (um rifle militar) é encontrada no jogo. Todas as armas possuem também um tiro secundário (L1 + R2) e podem ser melhoradas em locais específicos da nave utilizando power nodes, que podem ser encontrados ou comprados nas "lojas", que também vendem munição, medkits, novas armaduras, dentre outros.
Duas inovações da jogabilidade, encontradas ao longo do jogo, são a gravidade zero e o vácuo. A Ishimura possui um controle distribuído da gravidade, de forma que algumas salas podem ter gravidade enquanto outras não a tem. Nas salas com a ausência da força, o jogador pode saltar para qualquer superfície para superar obstáculos ou enfrentar inimigos. Essa é uma experiência muito divertida, pois amplia muito o leque de possibilidades das ações do jogador. A sensação de liberdade nessas salas amplia a imersão no ambiente do jogo. O vácuo está presente em algumas salas e nelas o jogador possui um tempo restrito de jogo, pois sua armadura não possui estoque infinito de oxigênio. Ele deve ser rápido nesses locais, e prestando atenção redobrada em tudo que o cerca. Novamente, o design de som merece aplausos, pois ao entrar no vácuo, nada ao redor de Isaac emite som. Apenas sua respiração pode ser ouvida. Dessa forma, inimigos podem surpreendê-lo com facilidade.
Em suma, Dead Space é um jogo sensacional e que recebeu menos atenção do que deveria. A Electronic Arts cumpriu bem sua promessa de aumentar a qualidade de seus lançamentos e o jogo definitivamente merece sua atenção. Até quem não é fã do gênero survival horror (eu, particularmente, não era) pode apreciar muito o jogo. Com ótimos gráficos, som simplesmente fenomenal e jogabilidade excelente, além de uma história envolvente com um final surpreendente, Dead Space agrada e vale cada segundo de suas várias horas de jogo. Sem esquecer que o jogo possui troféus a serem coletados, aumentando ainda mais sua "vida útil". É uma nova franquia de qualidade e esperamos que sequências sejam anunciadas e lançadas o mais breve possível.