Existe uma tendência a supervalorizar tudo que é original em se tratando de jogos. Não é à toa: com tantos lançamentos por ano, e com tantos jogos pegando elementos emprestados uns dos outros, normalmente um jogo precisa ser bem diferente do restante para se dastacar. Entretanto, não podemos confundir originalidade com qualidade. Um jogo pode ser muito bom mesmo pegando elementos emprestados de outros (o recente Sleeping Dogs vem à memória de imediato), sem ter o fator “uau” do pioneirismo.
O primeiro Darksiders, porém, é quase um caso à parte: ele não é apenas semelhante a um ou outro jogo, e sim um amálgama de vários títulos, de Devil May Cry e The Legend of Zelda a Prince of Persia e Portal. Embora a sensação de “já vi isso em algum lugar” nunca o abandone por completo, Darksiders foi um pacote competente e, num geral, um jogo muito bom. A sequência, Darksiders 2, segue o mesmo caminho: um jogo muito bom, que peca por ousar pouco.
Vamos recapitular: o primeiro Darksiders se inicia com a destruição da humanidade. War, um dos cavaleiros do Apocalipse, é enviado à Terra e inicia seu caminho de destruição em meio à batalha travada por anjos e demônios, até perceber que o sétimo selo não fora quebrado, privando-o, assim, de seu poder de direito com um dos Quatro Cavaleiros. Tendo marchado para o Apocalipse sem permissão, War perde seus poderes e acaba morto. Sua alma é resgatada pelo Charred Council, uma entidade antiga que visa manter o balanço de poder no universo e que ameaça condenar War ao sofrimento eterno. A honra de War, porém, não permite que ele aceite seu destino, já que ele sabe que foi enganado. Determinado a provar sua inocência, War pede ao conselho para voltar à Terra e punir os responsáveis.
Darksiders 2 ocorre no mesmo período de tempo que o primeiro jogo. Desta vez, você não controlará War, e sim seu irmão mais velho, Death. Death sabe que há algo de errado por trás da “traição” de War e procura uma forma de reviver a humanidade – fornecendo, assim, uma espécie de barganha ao Charred Council pela liberdade de War. Essa busca leva Death ao Crowfather, e então tem início sua jornada.
Particularmente, eu gosto muito da lore de Darksiders. O tema do Apocalipse é conhecido praticamente por todos, e a ideia de se controlar um Cavaleiro do Apocalipse é ótima. Alguns nomes são trocados (como Famine e Pestilence, aqui chamados de Fury e Strife) e alguns conceitos não são entendidos logo de cara (como o fato de Death não ser a personificação da Morte, e sim apenas um nome), mas o geral do universo do jogo é ótimo. A história de Darksiders 2, porém, peca por sua falta de foco. Seu objetivo principal é traçado desde o início e o progresso em direção a ele é lento demais. A impressão que se tem é que você frequentemente é desviado de seu caminho sem motivo aparente, tendo que cumprir tarefas mais meniais para outros personagens para progredir para um ponto que TALVEZ o leve a progredir para seu objetivo. Isso é especialmente notável no segundo ato do jogo, em que você tem que coletar 3 X para abrir caminho para um Y, do qual você terá que coletar 3 também para adquirir W e chegar a Z.
Este, senhores, é o maior problema que tenho com Darksiders 2: o excesso de fetch-quests. Para os que não sabem, fetch-quests são essa buscas excessivas de itens para trocar com NPCs e progredir no jogo. Nada contra a coleta de itens em si, mas em Darksiders 2, a quantidade de fetch-quests se estende até às dungeons. Não é só “complete a dungeon para um NPC abrir um caminho”, e sim “pegue 3 itens dentro da dungeon para abrir caminho até o chefe para adquirir o primeiro de 3 itens necessários para o NPC abrir seu caminho”. Para efeitos de comparação, pense no primeiro Darksiders: por mais que você tivesse a fetch-quest dos corações para Samael, era perceptível como cada coração o deixava mais perto de seu objetivo e fortalecia War. Isso simplesmente não acontece em Darksiders 2, e todo o primeiro e segundo atos do jogo parecem, no fim, um pouco infrutíferos. Esse recurso de retardar artificialmente a narrativa eventualmente se torna cansativo e enfadonho, acabando por prejudicar um pouco a boa história e a longa duração do jogo (cerca de 30 horas com todas as sidequests), e fez com que eu desejasse que o jogo fosse um pouco mais curto e focado.
Felizmente, esse problema é contra-balanceado pelo ótimo elenco de personagens. Mesmo que seu inimigo principal não seja imponente e bem-desenvolvido como o Destroyer de seu predecessor, o restante dos personagens é ótimo. Dos Makers ao Lord of Bones e seu Conselheiro, passando pelo Crowfather e o próprio Death, o elenco de Darksiders 2 esbanja carisma.
Muito desse carisma provém da excelente atuação de voz, marca do primeiro jogo e que não decepciona em nada na sequência. Death, dublado por Michael Wincott (Edward Gein em Hitchcock), consegue ser um caso especial, por conseguir ser ameaçador, mordaz e divertido mesmo sem possuir uma expressão facial sequer (fruto de sua máscara em forma de caveira que cobre todo o seu rosto), graças à sua excelente dublagem. Os outros personagens não ficam atrás, com Simom Templeman (mais conhecido por ter dublado Kain em Legacy of Kain), Vernon Wells (Wez no clássico e eterno filme Sessão da Tarde, Mad Max 2), Keith Szarabajka e muito mais. A OST por Jesper Kyd (o compositor de toda a série Assassins Creed, Borderlands e muitos outros) também não deixa a desejar, e todo o áudio de Darksiders 2 é excelente.
O jogo em si é bem polido, ainda que seja, como dito acima, pouco original. Death cavalga por campos abertos, e embora estes sejam vastos, o jogo não é exatamente “open-world” – a maioria das dungeons não pode ser acessada ou completada sem alguma habilidade específica, então seu caminho é bem linear. As grandes áreas do jogo agem mais como um HUB do que como um Overworld de fato (vide Deus Ex: Human Revolution, por exemplo), ou seja, grandes áreas a partir das quais você acessa sub-áreas. O feeling geral do jogo definitivamente tem um quê de The Legend of Zelda, evidentes pelo cavalgar, pela aquisição de itens semelhantes ao hookshot, o esquema de dungeons com chaves, bombas, o travamento em inimigos que coloca duas tarjas pretas na tela etc.
A exploração em si, por outro lado, remete muito mais a Prince of Persia. Death é ágil, se move rapidamente e consegue realizar várias manobras acrobáticas, como se agarrar em bordas, equilibrar-se em vigas, correr em paredes, escalar grandes alturas e mais. Num geral, a navegação em Darksiders 2 é rápida e agradável, muito em parte por causa de seu excelente design de ambientes e dungeons – Ivory City é um dos melhores exemplos, aliando beleza e complexidade.
Já no combate, o jogo lembra muito mais Devil May Cry. Os ataques são feitos pressionando quadrado de forma ritmada de forma a obter combos diferentes com as foices de Death. No botão secundário triângulo você encontra as outras armas de Death. Num geral, estas são divididas em armas rápidas e leves (garras, punhos) e armas pesadas e lentas (maças, martelos, machados), e você pode alternar ataques entre os dois botões para criar combos destruidores. Além disso, você pode lançar o inimigo no ar, alternar seu ataque físico com projéteis (a pistola Redemption) ou puxá-los para você com o DeathGrip (semelhante ao Devil Arm de Nero em DMC4), além de acessar suas habilidades especiais.
Darksiders 2 tem uma quantidade consideravelmente maior de elementos RPG que seu predecessor. Death ganha níveis de experiência e possui uma série de atributos, como Strenght, Arcane, Critical Chance e outros. Além disso, existe ainda Gilt (a moeda corrente do jogo) e loot, que inclui diversos pedaços de euipamento para o Cavaleiro. Estes elementos foram bem incorporados ao jogo e enriquecem a experiência de “construir” seu personagem.
Fruto direto de seus elementos RPG e da maior customização do personagem é a Skill Tree, ou árvore de habilidades. Ao se ganhar Level ou completar algumas tarefas específicas, você ganhará pontos para alocar nas habilidades de Death. A escolha de habilidades e seus ramos não é novidade no mundo dos games, e funciona bem em Darksiders 2 por de fato proporcionar formas diferentes de se jogar. De modo mais amplo, as skills de Death são dividas em Harbinger (focadas em combate corpo-a-corpo) e Necromancer (uso de habilidades mágicas). São 4 habilidades de cada lado, cada uma com seus vários ramos de efeitos secundários. Aliando as habilidades aos diferentes atributos e às mecânicas básicas do jogo, o combate de Darksiders 2 se torna não apenas divertido, mas também rico em opções. Você pode, por exemplo, se focar no dano puro e simples de seus golpes e skills, favorencendo seu atributo Strenght com Unstoppable, ou pode buscar um combate de longa distância com Redemption e Murder, ou ainda sacrificar um pouco de sua força bruta para maximizar suas chances de acertar golpes críticos, e muito mais. Não existe uma maneira “certa” de se construir Death, e isso é muito bacana.
Graficamente, o jogo também não faz feio, embora não seja nada extremamente chamativo. Algumas texturas são borradas e de baixa qualidade (especialmente as caveiras), mas isso é minimizado pelo ótimo design de ambientes do jogo. Death e os NPCs são muito bem construídos, e os inimigos maiores também possuem modelos excelentes – me chamou a atenção em particular as escamas dos Stalkers. O frame-rate é inconsistente, mas raramente chega ao ponto de ficar incômodo (como na luta com o Guardian, por exemplo). O design dos personagens e inimigos me chamou a atenção também por ser bem menos extravagante que o de Darksiders 1 – Death é bem mais “limpo” que War, e o jogo todo se beneficia por ser menos agressivo aos olhos que Darksiders 1.
Um ponto que eu realmente não gostei em Darksiders 2 foram os Bosses. Eles estão presentes em grande número, mas a maioria possui designs pouco inspirados. Além disso, a maioria das lutas contra os chefões é dolorosamente básica, não exigindo nenhuma estratégia que não “desvie e ataque”. Os encontros com os bosses que exigem estratégias diferentes (Guardian, Gnarsh, Jeremiah…) são facilmente os melhores do jogo, então é decepcionante que a Vigil não tenha se empenhado mais nesse aspecto, sobretudo com os ótimos Bosses de Darksiders 1 de precedência.
Chega a ser irônico, aliás, que por mais que uma das críticas a Darksiders 2 seja sua falta de originalidade, seja nos momentos em que o jogo se arrisca a oferecer algo diferente que ele mais brilha. Habilidades como Interdiction e Soul Splitter, por exemplo, poderiam ser muito mais usadas do que são no decorrer do jogo, e são genuinamente interessantes. Se a Vigil Games ousasse um pouco mais, talvez tivéssemos um grande concorrente a GotY em mãos.
Como está, porém, originalidade não é o ponto forte de Darksiders 2. O que o título da Vigil Games não tem de original, entretanto, possui de execução, e Darksiders 2 é um jogo muito bom, ainda que não seja isento de defeitos – a saber, além da já dita falta de originalidade, os bosses fracos e o ritmo ruim da história. No fim, recomendo Darksiders 2 para todos os fãs de de jogos de ação, sobretudo aos fãs do primeiro jogo.
— Resumo —
+ Gráficos muito bons.
+ Design excelente, tanto de personagens e inimigos quanto de ambientes.
+ Combate divertido.
+ Trabalho sonoro primoroso.
+ Boa incorporação de elementos RPG.
– Poucas mecânicas originais.
– Fetch-quests excessivos prejudicam o ritmo da história.
– Bosses fracos.