Existe uma surpreendente falta de jogos ambientados no Século XVII. Um período relativamente esquecido por aqui, ainda que seja marcado na Europa pela Era de Ouro Espanhola e Holandesa, é raro ver algum jogo se valer desse período para contar alguma história. Mesmo outras mídias não aproveitam tanto o período barroco como sua inspiração.
Black Legend, novo jogo da desenvolvedora Warcave, busca preencher essa lacuna com seu novo RPG de Estratégia. É uma decisão que faz sentido para a desenvolvedora Belga, trazendo a experiência do seu título anterior, War Party, e o casando com uma ambientação mais próxima da vivência do estúdio.
O jogo se passa na cidade fictícia de Grant, bastante inspirada pela arquitetura dos Países Baixos no Século XVII. Nela, um grupo de mercenários adentra a cidade acometida por uma maldição para tentar ajudar o grupo de rebeldes lutando contra cultistas que dominaram a cidade e colocam a vida da população em risco.
Esses cultistas fazem parte de um grupo de fanáticos seguidores de um alquimista chamado Mephisto, responsável por criar uma névoa que tomou conta de toda a cidade e enlouquece todos aqueles que entram em contato com ela. Cabe a você assumir o controle deste esquadrão de mercenários, sobreviver aos conflitos e insanidades causadas pelos Mephistian Cultists e salvar a população.
A ambientação do título é a parte mais interessante. Parte disso realmente é o quão única ela é, mas simplesmente ter uma premissa mais incomum não é suficiente. Black Legend desde os primeiros momentos consegue estabelecer um clima distinto, tornando real a sensação de que aquele mundo é, de fato, ameaçador, sem que você saiba o que pode te aguardar na próxima área ou no próximo combate.
Isso ajuda a sustentar o jogo já que a história em si é bem chata. Apesar de todo o papo sobre a névoa e os cultistas, o que realmente move a história (e o seu combate) é a alquimia. É ela quem move os elementos sobrenaturais do jogo, mas ainda assim não é capaz de transformar um roteiro fraco em ouro.
Apesar do jogo buscar criar uma sensação de urgência, ele falha miseravelmente em transformar o vilão principal, Mephisto, em uma verdadeira ameaça ou te dar uma verdadeira motivação para querer derrotá-lo além do básico. Leve em consideração ainda que não há nada de muito marcante no caminho até chegar lá e fica claro que não vai ser exatamente pela história que você irá ser cativado em Black Legend.
O que irá te cativar, se algo o fizer, é o sistema de combate do título. BL é um RPG de Estratégia mais tradicional, evitando trazer elementos típicos de jogos de estratégia como XCOM para os seus embates. Na maior parte do tempo, você irá enfrentar cultistas ou criaturas afetadas pela alquimia de Mephisto, precisando saber explorar as fraquezas de cada um deles para sobreviver.
Isso não quer dizer que ele seja um jogo difícil, talvez até longe disso. Trata-se de uma experiência que pega bem leve contigo, mesmo no médio, te punindo por erros mais grotescos, mas te dando bastante espaço para experimentar e descobrir novas combinações de ataques, habilidades, classes e composições da sua equipe.
As batalhas se passam em um tradicional grid ao estilo de um tabuleiro de xadrez, com cada personagem tendo uma determinada quantidade de casas que pode andar a cada turno. Sua equipe e os inimigos agem cada qual em sua vez, sem a alternância entre “turno do jogador” e “turno do inimigo” que alguns jogos trazem.
Além dos pontos gastos com movimentação, cada personagem tem uma determinada quantidade de pontos de ação que podem ser usados em habilidades ativas distintas, uso de itens ou em um “catalisador”, que é o nome dado ao ataque mais poderoso do seu personagem. Habilidades e itens ofensivos possuem diferentes propriedades alquímicas e isso influencia o poder que um ataque pode ter.
Ao todo, são quatro diferentes tipos de “humores”, cada qual vinculado a um dos quatro estados da alquimia e representado por uma cor: Rubedo (vermelho), Nigredo (preto), Albedo (branco) e Citrinitas (amarelo). O seu objetivo é causar o máximo de efeitos nos adversários de cores distintas e então usar um ataque catalisador, já que é a forma mais eficiente de causar muito dano de uma vez só ao inimigo.
Cada classe tem uma quantidade limitada de habilidades com acesso a uma pequena variedade de cores, então algo muito importante é garantir que a sua equipe conte com acesso a diferentes classes e, com isso, possa explorar as fraquezas dos inimigos. Isso é algo bem fácil de conseguir, já que não só o jogo te incentiva a testar as classes com a possibilidade de manter as habilidades ofensivas, mas até mesmo permite mudar de classe durante o combate.
É claro, os seus inimigos também têm acesso a essas habilidades e irão explorá-las contra você, então também é necessário saber usar itens de cura, habilidades de suporte e todas as ferramentas necessárias para se manter vivo. Isso volta ao que foi dito antes, pois por mais que eles possam usá-las, não é sempre que o jogo te pune por erros primários quando poderia.
Enquanto possui algumas boas ideias, infelizmente Black Legend também sofre com alguns sérios problemas. O primeiro deles é a péssima execução da ideia de te permitir explorar a cidade a pé. O mapa é composto por várias áreas interconectadas, com seus próprios inimigos e locais a descobrir. O problema é que se mover por elas é chato e repetitivo, tornando a exploração um sofrimento desnecessário.
Outro ponto que contribui para a exploração ser ruim é que, francamente, BL é um jogo excepcionalmente feio. Por se tratar de um jogo independente, é possível se perdoar até certo ponto, mas é notório que tanto as áreas quanto os modelos de personagens são bem abaixo do padrão que se vê hoje em dia, com texturas de baixa qualidade, algo que a falta de cores tenta esconder, mas não consegue.
Fora as animações simplórias e longas durante o combate que acabam enfraquecendo o ponto mais interessante do título. O que acaba contribuindo para a sensação de que se trata de um jogo feito com recursos do final do PS2 ou do PS3, não um título saindo já com o PS5 no mercado.
Assim, como nem mesmo os pontos mais fortes de Black Legend conseguem se destacar muito, o que se vê aqui são boas ideias que falham em realmente entregar um produto que valha a pena se recomendar. Acaba sendo uma pena, mas em uma época em que dezenas de jogos saem todas as semanas, uma ambientação distinta não é suficiente para torná-lo digno de investimento.
Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Warcave.
Veredito
Mesmo contando com uma ambientação distinta e boas ideias no seu combate, Black Legend falha em colocar todos os seus elementos no lugar correto para entregar uma experiência que valha a pena, o que acaba tornando-o só mais um jogo esquecível.
Veredict
Despite having a distinct setting and good ideas for its combat, Black Legend fails in putting its elements in the right place to deliver a worthy experience, which makes it just another forgettable game.