Um dos pontos mais altos do portfólio Square Enix são os RPGs lançados por ambas as companhias nos anos 90 antes da fusão delas e a recente propensão da gigante japonesa em revisitar esse catálogo e trazê-lo para plataformas modernas tem sido uma surpresa bem agradável, ainda mais por ser voltada para séries não tão conhecidas aqui, como o recente lançamento de Romancing SaGa 3 e o vindouro remake de Trials of Mana.
Enquanto não deixamos de receber relançamentos em HD dos Final Fantasy de PS1 e PS2 (alguém precisa lembrar a Square de FFI-VI e do XIII…) e ainda faltem ports para PS4 de Dragon Quest (e que seriam muito bem-vindos), uma série que recebeu mais carinho do que até os seus maiores fãs esperariam foi Star Ocean, uma das principais franquias da Enix no seu auge.
Apesar de ter sofrido com o péssimo Star Ocean: Integrity & Faithlessness, a série desenvolvida pela tri-Ace é um dos marcos mais importantes da história dos JRPGs e ao longo dessa geração já havíamos visto ports para Star Ocean: Till the End of Time e The Last Hope, jogos de PS2 e PS3 respectivamente. Agora, o primeiro jogo da franquia chega ao PS4 em alta definição, permitindo a novos jogadores conhecerem a gênese dela através de Star Ocean First Departure R.
Baseado no remake para PSP do jogo originalmente lançado para SNES, First Departure R traz uma série de melhorias importantes a um jogo que, por si só, já é muito especial e importante no DNA do seu gênero, tornando a experiência mais acessível para novos fãs que nunca tiveram acesso ao primeiro Star Ocean ao mesmo tempo em que faz o suficiente para justificar que os fãs de longa data retornem a ele.
First Departure R gira em torno de três jovens amigos chamados Roddick, Dorne e Millie, membros da raça Felipool, habitante do planeta Roak, e integrantes de um grupo de patrulheiros responsáveis por manter a paz em sua pequena vila. No entanto, uma cidade próxima chamada de Coule começa a sofrer com uma praga que transforma todos os habitantes em pedra.
Após o pai de Millie, um importante curandeiro da região, não conseguir resolver o problema e ser infectado, os três resolvem escalar o Mt. Meteorx para coletar uma planta medicinal e é lá que a vida deles muda completamente. É no topo da montanha que o trio entra em contato com os oficiais da Federação, Ronyx J. Kenny e Illia Silvestri, dois terráqueos responsáveis por tentar salvar Roak de um ataque biológico e que acabam alistando a ajuda deles para tentar solucionar a situação.
O trio de protagonistas parte então em uma jornada interestelar para tentar salvar o seu planeta em uma saga que acabaria por estabelecer vários dos fundamentos por trás de uma das principais séries de ficção científica dos JRPGs, apresentando elementos de viagem espacial, relacionamentos entre espécies de mundos distintos, protocolos de abordagem e até viagem no tempo, tudo através de uma estrutura narrativa até relativamente simples diante de tudo que ela encompassa, estabelecendo vários conceitos que seriam melhor explorados em Second Story/Second Evolution.
É interessante revisitar o primeiro Star Ocean muito porque esses conceitos de ficção científica não são tão comuns até hoje nos JRPGs, mesmo que um pouco da estética que a série criaria tenha sido incorporada por outras franquias e First Departure R, ainda se apoie em vários elementos de fantasia medieval misturados com uma estética bem Star Trekiana, consegue capturar alguns dos principais sentimentos que o gênero precisa ter.
O principal deles é a constante sensação de exploração, de se estar encontrando algo novo e aquela sensação de admiração e surpresa com o que é apresentado a cada novo planeta, a cada novo twist da história. É algo que ecoa muito o que tornou a série Star Trek tão popular e é um molde maravilhoso a se seguir e colocar sua própria variação, muito como jogos de fantasia medieval costumam usar Senhor dos Anéis como modelo.
Outro ponto que parece ter sido inspirado por ST e que torna Star Ocean First Departure R tão especial é a química e a qualidade das interações entre os personagens. Muito disso vem da alta qualidade da dublagem do jogo, seja nas belas cutscenes em 2D, seja nos diálogos normais do jogo (incluindo os personagens conversando durante a batalha), e do roteiro muito bem escrito sobre o qual a história se desenrola.
O jogo original já possuía 12 personagens jogáveis, com mais 2 sendo incluídos com o remake original, trazendo um enorme número de Private Actions, pequenas cenas especiais de interação entre Roddick e os demais membros da equipe e que determina uma série de fatores no jogo, como a afinidade entre os personagens, a possibilidade de recrutar novos membros para a equipe e os finais dos personagens.
Finais, aliás, são algo que Star Ocean FDR possui em larga escala. São cerca de 80 finais diferentes para os personagens, com uma boa porcentagem deles sendo bem distintos entre si, todos influenciados por cada decisão que o jogador toma, algo que muitos jogos tentam fazer até hoje e não conseguem ter o mesmo sucesso que SO tinha quando foi originalmente lançado em 1996.
Um outro ponto no qual Star Ocean foi pioneiro é o seu combate. Desenvolvido originalmente por uma equipe formada por desenvolvedores que deixaram a Namco após o lançamento de Tales of Phantasia em 1995 em razão do seu descontentamento com várias disputas criativas no ciclo de criação do jogo, e que acabaram fundando a tri-Ace, SO:FDR compartilha algumas das ideias básicas com o jogo que deu início a série Tales, justificando porque se tratam de dois dos mais importantes JRPGs de Ação da história.
Assim, temos aqui a mesma estrutura básica de um RPG de Ação, com um botão dedicado para ataque em tempo real, a possibilidade de realizar combos, do personagem se movimentar pelo cenário com o jogador assumindo o controle de um membro da equipe e os demais sendo controlados pela IA (apesar de ser possível alternar livremente entre eles e estabelecer formações e estratégias para melhor guiá-los), além da possibilidade de se interromper o combate para utilizar magias, itens ou fugir da batalha e tudo mais que se espera do gênero.
É um sistema simples apesar de, naturalmente, ser bastante raso ainda e faltar o refinamento que a série veria principalmente nos seus três jogos seguintes (quanto mais ignorarmos SO5, melhor). Ainda assim, existe uma boa variedade de opções a disposição do jogador, seja usando symbology, a nomeclatura usada aqui para o que costumamos classificar como magia, e special arts, ataques físicos mais poderosos mas não tão variados quanto a symbology.
Onde já há uma profundidade quase assustadora é no sistema de criação de itens que o jogo possui. O jogo permite que cada personagem adquira habilidades de campo chamadas de Specialty, as quais são aprendidas ao comprar e melhorar habilidades normais, o que pode ser feito subindo de nível e aprendendo talentos. Com essas specialties (e suas versões melhoradas, as Super Specialties), o jogador pode roubar itens, treinar, tocar música ou até mesmo cozinhar pratos especiais e criar itens impossíveis de se obter de outra forma.
Essas opções acabam se combinando para tornar Star Ocean First Departure R uma experiência bem distinta e variada, mesmo que o jogo em si não seja tão longo assim, com a campanha principal durando cerca de 20 horas, apesar de haver uma boa quantidade de outras coisas a se fazer que estendem a duração do jogo em pouco mais do dobro disso, fazendo com que ele seja um jogo bem acessível e divertido sem cair nas armadilhas que JRPGs passariam a ter de enfiar conteúdo desnecessário para superar a casa das 80-100 horas.
Um último ponto que precisa ser esclarecido são as melhorias trazidas especificamente para a versão de PS4 desta remasterização do remake. A primeira e uma das mais notórias são as novas ilustrações dos personagens, feitas por Katsumi Enami, responsável pelo design de personagens de SO: The Last Hope, e que dão a essa versão um estilo visual muito mais moderno ao invés do tradicional estilo dos mangás dos anos 90 (sendo possível alternar entre eles quando preferir).
Naturalmente, o jogo também ficou bem mais bonito em HD, algo que era de se esperar considerando que a pixel art dele já era algo muito bonito. Como em outras remasterizações da Square Enix, temos também a possibilidade de acelerar o jogo com um botão, algo muito útil, uma vez que o deslocamento, em especial no mapa do mundo, é notoriamente lento, gerando uma bem-vinda economia de tempo.
Outras melhorias vieram na forma de um balanceamento melhor para o jogo, sem os pulos de dificuldade que ocorriam em pontos aleatórios do jogo e novas faixas de áudio em japonês, além de uma clara melhoria no tratamento do áudio em inglês, mesmo que não tenha novas faixas gravadas para ele.
O único ponto que seria bem-vindo (além de uma possível tradução para o português) e que a ausência chama a atenção é de uma função de auto-save, sendo importante o jogador observar que é preciso salvar manualmente constantemente, sob o risco de perder uma quantidade considerável de progresso. Óbvio, isso ajuda o jogo a se manter fiel ao design original, mas é importante que o jogador tenha consciência disso antes de começar.
No conjunto da obra, Star Ocean First Departure R é um dos RPGs mais recomendados para fãs do gênero que não tiveram contato com muitos dos jogos lançados para SNES, já representando uma das grandes jóias do catálogo do PSP e se encaixando muito bem no portfólio do PS4, sendo um verdadeiro clássico do gênero que não envelheceu nem um pouco e mostrando ainda o porquê a série é tão amada e tão influente.
Veredito
Star Ocean First Departure R é uma aguardada e merecida remasterização de um dos clássicos mais atemporais dos JRPGs, trazendo boas melhorias de qualidade de vida para o jogador sem afetar uma experiência que já era fantástica por si só.
Jogo analisado no PS4 padrão com cópia digital fornecida pela Square Enix.
Veredito
Veredict
Star Ocean First Departure R is a well-deserved and long awaited remaster of one of the most timeless and classic JRPGs ever, delivering good quality of life enhancements for the player without affecting an experience that already was fantastic by itself.