Historicamente, os videogames sempre foram utilizados como um espaço de expansão de marketing para outras mídias, sobretudo o cinema. Certamente, você vai se lembrar de uma infinidade de jogos oportunamente lançados na esteira de grandes estreias, e nem sempre essa estratégia gerou produções interessantes ou memoráveis – ao menos, não do jeito certo. Talvez o mais emblemático dos casos dessa estratégia tenha sido o game do ET para Atari, lançado em 1982, que foi símbolo (ainda que esteja bem longe de ser o único motivo) da quase derrocada dessa indústria vital naquilo que ficou conhecida como a “crise de 1983”.
Ainda que grande parte destas produções esteja realmente aquém do potencial desta mídia, há uma série de exceções que conseguem surpreender e superar as expectativas, como a adaptação de X-Men Origins: Wolverine, que é muito melhor que a porcaria do filme. Felizmente, na sétima geração, tivemos um bom exemplar dessa categoria de bons trabalhos, mesmo não ganhando todo o destaque que mereceria: Ghostbusters – The Video Game (2009) trouxe, em um momento histórico onde a transmidialidade ainda não era uma tendência tão evidente, uma narrativa que ia para além de uma adaptação, ou de uma livre inspiração, e sim realmente continuava a história apresentada nos dois primeiros filmes.
O game volta remasterizado 10 anos depois para a geração atual e busca assim se apresentar para uma nova leva de fãs antigos e, quem sabe, renovar a fan-base da marca para um vindouro novo episódio nos cinemas. Com o elenco original (Dan Aykroyd, Harold Ramis, Ernie Hudson e Bill Murray) guiando um novo membro da equipe – este que será a personificação do jogador – o jogo parte daquilo que foi contado nos filmes, cronologicamente localizado como uma continuação direta, ao mesmo tempo que consegue se apropriar de alguns de seus elementos mais marcantes e incorporá-los na história sem parecerem gratuitos. É evidente que trazer o “Homem-marshmallow” (Stay Puff) ou o Geleia (Slimer) logo no começo é um fan-service escancarado, mas funciona dentro da narrativa e cria uma identificação mais orgânica com o jogador.
A questão inevitável, a cada nova versão de uma produção antiga (ou nem tanto) é: precisava? E aí são uma série de perguntas derivadas que visam dar sustentação a esse grande dilema: há algo novo que acrescente valor de produção nessa nova versão? Há melhorias e adições significativas em termos de gameplay e de visual que façam essa diferença? Há um público potencial não alcançado pela versão original que conheceria o jogo pela primeira vez em uma nova plataforma? São temas relevantes e, pautando-se por eles, a resposta mais direta possível é: depende.
Primeiro que, considerando o material base, não há qualquer adição significativa. Ghostbusters – The Video Game Remastered é basicamente o mesmo jogo, com todas as suas características, campanha e conteúdo, inclusive com alguns elementos muito marcantes da geração passada. O visual, ainda que obviamente tenha recebido uma repaginada e alguns ajustes aqui e acolá, já era muito interessante, mas não recebe aqui um salto significativo e somente naquelas análises comparativas poderão ser identificadas as reais melhorias. Um ponto a desejar está nas cut-scenes pré-renderizadas, que foram mantidas e tem uma gap visual enorme se comparadas aos momentos de gameplay. Ainda que não sejam especificamente feias, parecem borradas sempre que são acionadas.
A composição sonora, por outro lado, funciona muito bem, e sem muitas surpresas. Com o tema oficial (que não poderia faltar), as vozes originais dos quatro protagonistas e efeitos sonoros dignos das produções cinematográficas da franquia, o game é um deleite para os fãs. É uma produção, antes de mais nada, que respeita a marca e funcionou, desde sua idealização (com roteiro de Aykroyd e Ramis) como a última parte de uma trilogia. Desde a reprodução do spot para TV e da abertura típica até a conclusão do arco, tudo remete diretamente a uma expansão do universo, ainda que o game tome suas liberdades em termos de realidades e dimensões para tornar tudo mais próximo desta mídia.
Já sobre adições, não há notícias tão boas assim. Como dito, o game é o mesmo e, considerando que o original já carecia de conteúdo, de modos extras e de motivações para o replay, há uma certa frustração para quem espera explorar um game intensamente. Com uma campanha que gira em torno de seis horas e meia, sete se você tiver algumas dificuldades pelo caminho, não há muito mais o que fazer, a não ser que tenha deixado para procurar colecionáveis ou analisar cada entidade para depois. É possível jogar cada missão separadamente, inclusive sabendo exatamente o que falta para completar 100% das ações em cada uma delas. Mas isso vale mais para colecionistas e caçadores de troféus do que para quem quer explorar mais o jogo, uma vez que sua campanha é bem direta, objetiva e linear. Já o modo multiplayer, presente no original, prolonga (e muito) a vida útil do game, mas ainda não está presente na remasterização (há promessas para que chegue no futuro).
Em outras palavras, considerando os padrões atuais, é um jogo bastante restrito em termos de tempo de dedicação. O investimento, claro, depende de uma avaliação pessoal de custo/benefício, mas é importante salientar que quem já jogou na sétima geração não vai encontrar nada de novo aqui (a não ser que volte a reunir a turma para novas investidas cooperativas assim que o multiplayer for liberado), e mesmo quem ainda não experimentou sabe que, se jogar duas vezes a campanha, vai ter algo em torno de 10, 12 horas no máximo com o jogo. Uma das falhas mais graves para nós, brasileiros, é a falta de localização para o nosso idioma. Uma legenda seria um avanço considerável, uma vez que o jogo é recheado de textos e sub-textos, e uma dublagem seria incrível, já que grande parte de nós cresceu assistindo os filmes nas tardes da TV aberta. Não ter nem uma coisa, nem outra é um pecado.
No mais, o jogo se mantém bastante sólido. A narrativa segue os padrões do que já fora visto em outras mídias, a ambientação traz cenários clássicos dos filmes e outros totalmente exclusivos do mundo dos games, a variedade de inimigos é bastante consistente e a reconstrução digital dos heróis, que acompanham esse recruta que assumimos durante a ação, é competente, ainda que não escape do famigerado “vale da estranheza”. Os ambientes se destacam por apresentarem uma grande capacidade de serem destruídos, e os prejuízos disso são parte da diegese do jogo. Os colecionáveis, que não são tão difíceis assim de se encontrar, são interessantes para trazer mais alguns easter eggs para os fãs de longa data e a cede da equipe conta com muita coisa nostálgica de forma certeira.
Durante as missões, poder se apropriar de vários tipos de “combustível” para as mochilas de prótons e saber quando utilizar cada um deles traz variedade para os combates (seja por meio do PK Meter e suas informações valiosas, seja pelo empirismo dos mais impacientes), e tentar encontrar as soluções para as batalhas contra chefes completam o pacote de um típico jogo de ação e aventura que resgata muito do clima leve das comédias de horror dos anos 1980/1990 e o mistura com as mecânicas características dos jogos em terceira pessoa que se consagraram nos tempos de Uncharted e Gears of War, com comandos próximos do que foi visto na última versão de Doom (onde a mira é o centro da tela e os gatilhos tem funções diferentes para o mesmo tipo de armamento). Sem surpresas e sem decepções também.
Infelizmente, como dito anteriormente, não é possível ainda avaliar o sistema multiplayer do jogo, já que ele chega inicialmente sem o modo. Há notícias de que o recurso está sendo refeito completamente do zero e será acrescentado posteriormente ao título, algo que pode aumentar – e muito – a vida útil do game. Considerando a versão original, era possível controlar não só o novo personagem, como também qualquer um dos protagonistas originais em alguns modos cooperativos distintos. Se a reconstrução é somente para dar mais estabilidade para as partidas ou se haverá novos modos e sistemas competitivos é difícil saber por enquanto. Resta aguardarmos novidades.
Enquanto jogo, portanto, Ghostbusters – The Video Game Remastered mantém a solidez que o marcou em sua versão original. Traz um gameplay bastante divertido e intenso, alguns pontos de dificuldade mais elevados (sobretudo quando há muitos inimigos ao mesmo tempo) e um visual adequado, mas longe de mostrar uma transformação no que já havia antes. É uma obra que pode valer a pena – pelo preço certo – para quem ainda não o experimentou ou para quem gosta de passar bons momentos jogando partidas multiplayer, quando o modo estiver disponível. Talvez quem se interesse só pelo single player e já tenha aproveitado bem não tenha muitos atrativos para voltar ao título, mas os fãs podem ficar tranquilos que o legado da franquia continua bem vivo.
Veredito
Ghostbusters – The Video Game Remastered traz de volta um dos melhores trabalhos já realizados de expansão de universos cinematográficos para os games. Com roteiro e elenco no mesmo nível do que foi visto nos cinemas, consegue manter uma ambientação fascinante e uni-la com uma jogabilidade consistente. Essa remasterização, contudo, ainda que consiga atualizar alguns elementos gráficos, parece muito mais um port, já que não acrescenta muito ao que já foi visto antes e ainda carece de algumas melhorias, como localização para nosso idioma, algo que poderia não só apresentar o jogo para um novo público como também lhe conferir novos significados para quem já o conhecia antes.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Saber Interactive.
Veredito
Veredict
Ghostbusters – The Video Game Remastered brings back one of the best works ever made to expand movie universes for games. With script and cast on par with what has been seen in theaters, it can maintain a fascinating ambience and unite it with consistent gameplay. This remastered version, however, although it can update some graphics, looks a lot more like a port, since it does not add much to what has been seen before and still needs some improvements, such as localization for our language, something that could not only present the game for a new audience as well as giving it new meanings for those who knew it before.