O crescimento de produções independentes nos últimos anos possibilitou, dentre outras coisas, o surgimento de ótimas surpresas para o mundo dos jogos, sobretudo em gêneros e sub-gêneros que já não encontram na produção tradicional mainstream o protagonismo de outrora. Bookbound Brigade é um desses casos, revisando e ressignificando o clássico sistema metroidvania 2D de uma forma bastante inventiva e cativante, ainda que traga algumas escorregadas aqui e ali.
Tudo começa quando o grande Livro dos Livros – LiLi para os íntimos – celebrado como o centro de um universo literário, desaparece da grande Biblioteca Infinita, roubado por alguém muito cruel. Fora do seu lugar, começa a perder suas páginas e o seus mundos começam a ruir, com direito a um colapso geral e personagens clássicos se desvirtuando de suas essências. É convocada então a Brigada Literária (que dá nome ao jogo) para resgatar o LiLi e, enfim, arrumar essa bagunça toda e evitar o fim dos tempos.
Formada por grandes personagens da literatura mundial, como Drácula, Rei Arthur, Rei Macaco (que você já viu por aqui no recente Monkey King: Hero is Back) Robin Hood e Dorothy Gale, essa força tarefa logo ganha reforços importantíssimos como Rainha Vitória, Cassandra e Nikola Tesla. Um grupo, digamos, bem diverso, onde cada membro logo mostrará sua importância para o coletivo, para o todo. E é essa composição inusitada que dá identidade para a produção.
Isso porque a exploração, ao contrário do que seria óbvio, será sempre com todos juntos, como um único personagem, explorando ambientes e enfrentando inimigos e obstáculos. Se a princípio, a formação parece um grande pacote desordenado, logo o gameplay ganha contornos mais sofisticados, sobretudo quando o grupo aprende novas formações que darão dinâmica a essa exploração. Atuar em linha vertical, horizontal ou em uma rápida roda será de grande valia para encontrar novos caminhos e mais páginas perdidas do grande livro.
A exploração em busca do grande objetivo do jogo, por sua vez, já e bastante familiar para quem conhece games como os clássicos Castlevania e Metroid (que dão nome ao sub-gênero) ou mesmo produções mais atuais, como Guacamelee. Desbravar ambientes cheios de armadilhas, ir e voltar para abrir novas áreas a partir de habilidades que se aprende pelo caminho, armadilhas mortais, e as clássicas plataformas móveis dão o tom da exploração e da busca na maior parte do tempo. Nesse quesito, a jogabilidade funciona bem, se adapta de forma muito rápida e responde com a precisão necessária, mesmo demandando uma certa habilidade, como é costumeiro de jogos desse tipo.
A resolução de puzzles ao longo dessa caminhada, claro, é tão inevitável quanto necessária. Todavia, não há tantos segredos e são poucos os momentos onde será necessário fritar a mente para encontrar a solução, ou a abertura de uma nova passagem. O jogo consegue guiar o jogador de uma forma que ele aprenda a usar novas funções, ou aproveite as antigas, sem forçar a barra, nem subestimá-lo.
Por outro lado, é no combate que está o maior do problemas do jogo. Não há muito segredo aqui… há o botão de ataque para combos contra inimigos comuns e chefes, e ao longo do tempo, algumas variantes ajudam na parte estratégica. O problema é que inexplicavelmente, a mudança de formação é truncada e responde mal aos comandos, demorando para acontecer e ainda travando em terrenos acidentados. Como a grande maioria dos chefes e mesmo inimigos mais comuns maiores exigem uma rapidez de ação, as vezes com várias alterações de formação durante a batalha, é muito comum tomar muito mais dano do que se deveria nesse processo. Na maioria das vezes, derrotas frustrantes por esse problema acabam minando a motivação do jogador.
Outra questão a se considerar é o desenvolvimento dos personagens – protagonistas ou NPCs – de Bookbound Brigade. Logo de início, a apresentação dos heróis e vilões desse mundo fantástico da literatura carrega em si uma leveza temática, quase emulando um conto de fadas metalinguístico, ainda que utilize, em sua maioria, personagens de obras não tão infantis assim. E, nesse aspecto, o game parece não compreender bem onde quer se focar, já que os diálogos, algumas vezes interessantes na apresentação – ou mesmo reconhecimento – de personagens clássicos (reais ou ficcionais) acabam caindo na piadinha, no trocadilho fácil, e transita perigosamente entre a sacadinha esperta e a bobeira estereotipada.
Para ilustrar essa característica, peguemos a apresentação de Joana D’Arc, logo no começo do jogo (e que pode ser vista por completo no vídeo que abre essa análise). A obviedade de sua trágica história de morte na fogueira acaba resumindo os diálogos entre ela e os demais personagens, quase que numa interação infantilóide e repetitiva, sem apresentar qualquer outro aspecto da presença dela como NPC ou do que isso poderia trazer para o gameplay e para o conjunto da obra. O mesmo vale para Tesla e os trocadilhos simplórios com “chocante” e variações disso, e por aí vai. Trazer essa diversidade faz todo sentido para o lore criado para o jogo, mas se apoiar só na piadoca reduz muito esse potencial.
Perceba: a adoção de um tom mais infantilizado não é um problema em si, mas a escolha de personagens (históricos ou não) bastante conhecidos de obras mais maduras ou temas mais complexos acaba em uma dicotomia quase esquizofrênica onde crianças provavelmente não reconhecem quem está lá retratado e os mais velhos não são alcançados pelo texto raso e quase sem sentido. Ainda que uma fala aqui e ali possam arrancar uma risadinha ou outra, acaba caindo, na maioria do tempo, na vergonha alheia, ficando distante do potencial que a temática teria de nos embrenhar no universo mais rico possível, quase infinito, da literatura mundial. Ok, o mundo está desequilibrado por conta do tal sumiço do LiLi e tudo mais, mas todos os encontros acabam sendo uma coleção de oportunidades perdidas.
Em paralelo, a conceituação estética consegue ser mais sólida com a proposta do game. Trabalhando com um traço bastante estilizado, quase caricatural, de celebridades do mundo literário, há uma representação viva, colorida e sedutora de cada uma das áreas exploradas no game. O trabalho artístico consegue equilibrar um traço leve com camadas de profundidade e iluminação muito bem desenhadas para valorizar cada um dos ambientes. Mesmo os inimigos mais comuns ganham belos detalhes que somam à ambientação sem poluir demais a tela, mesmo que em ambientes mais amplos a câmera se distancie e tudo fique meio difícil de se identificar.
A trilha sonora também tem seus momentos, com um arranjo aventuresco característico e efeitos bem colocados. A narração eloquente e os clássicos diálogos grunhidos funcionam de forma eficaz e facilitam a localização de menus e textos para o nosso bom e velho português brasileiro. Se as piadas não são lá das mais sofisticadas, como dito, ao menos foram bem contextualizadas também na tradução. Enquanto isso, menus e informações complementares ajudam a moldar esse universo para os mais entusiasmados, mesmo não sendo tão necessários assim para seguir adiante na jornada.
Dito isso, Bookbound Brigade é sim uma experiência muito bem-vinda, sobretudo porque sabe lidar com as características do gênero, tem uma duração adequada para a proposta e oferece um desafio interessante, ainda que grande parte da dificuldade esteja nos deslizes de um ótimo sistema com péssimo funcionamento prático. O universo literário é, por motivos óbvios, uma fonte infindável de possibilidades e inspirações e faltaram alguns detalhes para que o game realmente se aproveitasse disso em todo seu potencial estético e narrativo. Portanto, falta um certo polimento em todos esses aspectos, todavia suas qualidades o qualificam o suficiente para nos recrutar para a tal brigada.
Veredito
Bookbound Brigade traz algumas inovações muito interessantes para o já tradicional jeito metroidvania de ser, sobretudo na ambientação e na concepção de um conjunto protagonista e não um herói solitário. Conta com um desenho de níveis muito competente, mas falha naquilo que poderia se destacar mais: o sistema de combate e a mudança de formação, ficando um sentimento quase contraditório onde a diversão, vez ou outra, dá lugar à frustração.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Digital Tales.
Veredito
Veredict
Bookbound Brigade brings some very interesting innovations to the already traditional metroidvania style, especially in the setting and design of a protagonist ensemble and not a lone hero. It has a very competent level design, but it fails in what could stand out the most: the combat system and the change of formation, leaving an almost contradictory feeling where the fun, from time to time, gives way to frustration.