Há 25 anos atrás, era mais ou menos impossível distinguir videogames e Japão, pois a maioria dos jogos vinha de lá, pelo menos nos consoles – também nipônicos. O tempo passou e hoje não é incomum ouvir pessoas falarem que não gostam de games japoneses, ou então se declararem fãs desses títulos. É como se agora houvesse uma distinção clara: a cultura oriental seria mais ou menos isolada da ocidental e as manifestações daquela teriam algo de pitoresco, que poderia ou não agradar as pessoas.
Akiba’s Trip é um jogo decididamente voltado a celebrar elementos associados à cultura nipônica, notadamente a dos otakus. A trama do game se passa no distrito de Akihabara (ou apenas Akiba), conhecido internacionalmente como o centro da cultura otaku, com diversas lojas dedicadas a animes, mangás, games, informática, etc.
Na história, o jogador controla um garoto integrante de um grupo de protetores da paz de Akiba, responsáveis por solucionar conflitos na região. O protagonista – cujo nome você escolhe – acaba perseguindo uma falsa proposta que o torna cobaia num experimento e, ao final, ele se torna uma espécie de vampiro, com superforça e alta sensibilidade à luz solar. Há outros como ele, espalhados pelo distrito e atacando as pessoas comuns, mas apenas ele é capaz de manter a sanidade.
Libertado graças à intervenção da misteriosa Shizuku, seu objetivo é devolver a paz a Akiba. Para ter sucesso, o protagonista terá a ajuda de seus vários amigos, também eles otakus prontos a comprar celulares novos, fazer cosplay, assistir temporadas inteiras de anime em apenas um dia, etc.
Se a história principal é repleta de elementos da cultura otaku, as side quests oferecidas ao longo do jogo também são povoadas por NPCs cheios de desejos específicos, como encontrar um mestre cosplayer, recrutar moças para um novo maid café, etc. Nesse sentido ainda, o mundo do jogo contribui para esse ambiente, com a presença de lojas da Akihabara real, propagandas de outros jogos (pude reconhecer pelo menos Conception e Mind=Zero) e estabelecimentos em telões dentro do jogo, nas paredes e até nas telas de loading.
A presença desses elementos é tão forte que se torna, na verdade, o aspecto principal e mais forte do jogo, e este acaba sendo uma imensa celebração dessa cultura, sabendo, ao mesmo tempo, elogiar a devoção dos envolvidos nesse universo e rir das preocupações exageradas com assuntos aparentemente tão banais. Se o jogador tiver um pouco de otaku em si, a atmosfera de Akiba’s Trip certamente encontrará ressonância.
No entanto, enquanto toda essa ambientação é bem executada e divertida, há um elemento que perturba a imersão: os problemas com a navegação. Na teoria, Akiba’s Trip deveria deixar o jogador passear pelo distrito e descobrir suas peculiaridades, mas ele vai perdendo a vontade de fazê-lo por conta do tempo bem alto de carregamento que cada trecho da cidade exige. Em vez de um cenário articulado, o game separa seu mapa em uma série de segmentos e cada um demora um bom tempo para carregar. Considerando que, para chegar a um lugar um pouco mais distante, serão necessárias várias telas de loading, logo o jogador se habituará ao fast travel oferecido (felizmente) pelo jogo, mas isso tira um pouco o foco na exploração.
Ainda em termos de carregamento, mais assustador do que a passagem de um segmento do distrito é o tempo exigido para os NPCs aparecerem quando se chega a uma área. Em alguns casos, pode demorar ainda mais do que o carregamento do próprio cenário. Por isso, o jogador vai se habituar a esperar parado até tudo aparecer, para não correr o risco de passar do local procurado apenas porque o personagem em questão não surgiu ainda.
O resultado dessa combinação de conceito interessante e execução problemática é uma experiência que engasga constantemente e acaba se tornando cansativa a longo prazo.
O combate do jogo, em contrapartida, é relativamente sólido. Na prática, Akiba’s Trip é um beat’em up cujo objetivo é danificar a roupa dos inimigos até o ponto em que elas poderão ser retiradas com facilidade pelo seu personagem. Os adversários tentarão fazer o mesmo com o protagonista, pois ele também é sensível à luz solar. Embora, em termos de customização, haja muitos tipos de roupas, apenas três são fundamentais para o gameplay: as que cobrem a cabeça, o tronco e as pernas.
Por isso mesmo, o jogador tem a opção de três tipos de ataque: alto, médio e baixo. Quando uma peça de roupa perde todo seu HP, ela começa a piscar, o que é um sinal para poder retirá-la, segurando o botão de ataque correspondente à roupa. Existe certa complexidade nas batalhas, com possibilidades de combo para tirar várias peças de roupa ao mesmo tempo, além de especiais. A câmera se move livremente, o que é sempre bom num jogo no qual é comum o jogador se encontrar cercado de inimigos e, tendo relativamente pouco HP (a resistência da sua roupa sempre parece cair rápido demais, mesmo nos trechos mais avançados do game), é necessário saber fugir e desviar com precisão.
O verdadeiro fator estratégico de Akiba’s Trip é o equipamento do protagonista, ou seja, as roupas e as armas. Estas são muito variadas e normalmente advindas do dia a dia, conferindo um tom até meio cômico: leques, placas, bastões de baseball, monitores de computador, etc. Claro, também há itens malucos, como armas enormes (que não disparam) ou bonecos. O importante a se saber sobre as armas é que elas variam muito em termos de animação de ataques. Alguns podem ser bem demorados ao ponto de serem inúteis. O guarda-chuva, por exemplo, é ótimo para acertar no alto ou embaixo, mas seu ataque médio é feito depois de uma girada que impossibilita conectar combos e deixa o personagem parado por tempo demais. É preciso, portanto, observar esses elementos, e não só o valor que as armas oferecem de upgrade em termos de ataque.
Já as roupas são mais simples, compondo o HP do personagem, e muitas vezes variando apenas em termos estéticos – mas, em termos visuais, há um mundo de opções, inclusive femininas. Para realmente ter equipamentos bons (e isso vale para o ataque também), é preciso usar um sistema de fusão que combina os atributos de várias peças. Por exemplo, a arma mais forte que encontrei no jogo aumentava em 183 o ataque, porém, ao final do game, depois de dezenas de combinações, ela já tinha passado os 400.
Não há exatamente uma variedade enorme de inimigos para enfrentar, até porque eles se comportam mais ou menos da mesma forma: todos vão para cima do seu personagem, seja em missões principais, seja nas side quests. É possível levar um amigo (geralmente uma moça) com o protagonista para os combates, entretanto não há muita diferença além de variações nas coreografias dos ataques especiais, e a customização deles é muito mais limitada. Talvez a última coisa a dizer sobre a mecânica dos combates é que o jogador deve sempre ter cuidado para não envolver outros pedestres em suas lutas, pois alguns podem querer tirar satisfação, o que – especialmente em corredores estreitos – significa lutas bem mais longas.
As animações de combate são relativamente bem feitas, provavelmente as melhores do jogo, tendo fluidez e variando conforme as armas usadas. O que não varia são as animações para arrancar as roupas: embora elas variem conforme a arma usada, elas são sempre as mesmas, mesmo quando não fazem sentido (usando um taco, para retirar uma minissaia, o protagonista agarra um personagem pelas pernas e o segura de ponta-cabeça, num movimento claramente pensado para retirar calças e não um traje menor como o usado pelo adversário). Além disso, durante algumas delas, o inimigo simplesmente desaparece.
Falando nos momentos de arrancar as roupas dos antagonistas, é preciso dizer que eles não são nem um pouco sensuais, como talvez alguém creia. Ao perder as roupas, o NPC corre ou desaparece e o design de personagem nenhum faz desse momento algo que possa ser classificado como um fan service de qualidade. Os melhores segmentos nesse sentido são screenshots disponíveis para o celular do protagonista, mas eles são bem raros.
Falando nesse aparelho, ele é como um menu, onde se acessa os dados de missões obrigatórias e opcionais (que só duram por um tempo, e basicamente envolvem desenvolvimentos lineares como falar com personagem x em lugar y, ou simplesmente sair na porrada, ou, ainda, os dois), o vestuário, o status e nível do jogador, a enciclopédia, o menu e o Pitter, uma espécie de fórum online falso do game, em que se pode ver algumas das repercussões das ações no jogo, além de muita violência verbal. É como uma piada sobre a internet, e tem seus momentos.
Akiba’s Trip tem diferentes finais, baseados, principalmente, no relacionamento do protagonista com as moças que o cercam. Os momentos influentes nesse sentido são bastante óbvios e não devem passar despercebidos ao jogador. Normalmente, estarão ligados a opções de diálogo ou a escolher com quem fazer certa atividade ou a quem dar razão em debates.
Por fim, cabe falar da excelente realização em termos de som no jogo. A trilha sonora é bem divertida e grudenta, a ponto de o jogador se acostumar com ela com rapidez. As dublagens do jogo também são de altíssimo nível, tanto em inglês, quanto em japonês, com dubladores realmente capacitados.
Veredito
Akiba’s Trip é uma celebração do mundo otaku, cheio de personagens curiosos e um universo que não se leva a sério. Seu combate também é divertido e com certa profundidade, então há vários elementos bons no jogo. Só é preciso ir sem a certeza de que se encontrará uma proeza técnica, pois o jogo é cheio de carregamentos e eventuais bugs nas animações.
Jogo analisado com código fornecido pela XSEED Games.