Airborne Kingdom – Review

Jogos de simulação e gerenciamento de estruturas macro estão longe de serem uma novidade no mercado. SimCity ainda é a maior referência do modelo para os jogadores mais experientes, mas ao longo dos últimos anos tem surgido uma série de variantes muito interessantes e, à sua maneira, inovadores para esse formato tycoon. Com elementos de estratégia e com forte apelo para a construção de relações comerciais, avanços tecnológicos e planejamento urbano, são games perigosíssimos para quem tem prazo para encerrar a jogatina e não raro, quando percebemos, o dia já amanheceu e nos sobram umas 2 horinhas antes de sair de casa para trabalhar.

Recentemente, eu mesmo passei por alguns bons exemplos do gênero (e por boas noites em claro) para falar sobre produções como Port Royale 4 (com a temática náutica), Monster Harvest (que mistura a criação de monstrinhos com gerenciamento agrícola) , Graveyard Keeper (que acrescenta o sobrenatural), The Colonists (com robôs explorando um novo mundo) e Townsmen – A Kingdom Rebuilt (que nos leva a um momento histórico outro que não o moderno). Cada qual com suas particularidades estéticas e modelos de administração de recursos e crescimento, todos trazem alguns dos mesmos princípios popularizados pelas produções da Maxis Studios lá nos anos 1990.

Airborne Kingdom, produzido pela The Wandering Band e publicado inicialmente para computadores há quase um ano atrás, chega agora para Playstation 4 com uma premissa que bebe bastante das melhores fontes do passado, incluindo os recentes Cities Skylines e Tropico 6, mas com um diferencial que não só o distingue de seus concorrentes similares, como também faz uma grande diferença no planejamento, articulação de recursos e exploração de um amplo mundo desconhecido: nosso reino, como bem entrega o título, será construído nos céus. Ainda que o termo flutuante seja um tanto quanto impreciso – afinal, estamos tecnicamente voando de forma motorizada – há um aspecto lúdico ao nos remeter diretamente a contos fantásticos que falam de grandes cidades e civilizações escondidas por entre as nuvens.

Não escondendo algumas inspirações que misturam levemente o dieselpunk (com veículos futuristas emulando uma estética retrô) e as ideias renascentistas para máquinas voadoras e artefatos que desafiam as leis da física, Airborne Kingdom é mais explícito ao nos levar para uma visão muito particular da arquitetura, da geografia, da música, do clima e da temática geral que nos lembram obras como As Mil e Uma Noites e tantas outras inspiradas no Oriente Médio e desde os primeiros segundos, já reconhecemos a tipografia e as canções instrumentais típicas de produções que vão desde as animações de Alladin até os jogos de Prince of Persia. Ainda que nosso olhar ocidental possa simplificar demais a coisa toda, é inegável que essa ambientação é encantadora, quase hipnótica.

Nada disso seria suficientemente importante, claro, sem uma boa estrutura de gameplay. Jogos nesse modelo precisam equilibrar uma gestão inteligente de recursos enquanto valorizam a boa administração que não abra mão da inventividade, e felizmente aqui encontrei uma das propostas mais bem ajustadas nesse aspecto. Sem correr o risco de complicar demais as coisas, de burocratizar funções e ações que devem, acima de tudo, serem prazeirosas pro jogador, é realmente muito instigante ver sua cidade voadora crescer à medida em que exploramos novas terras não mapeadas, buscando por riquezas e oferecendo à nossa população o melhor lugar para se viver do mundo. Tudo funciona de forma orgânica, sem aquele caráter punitivo de outras obras.

Isso não quer dizer que seja um jogo bobo, porém. Uma das coisas que sempre me preocupam em jogos assim é o fato de quanto mais crescemos, mais as coisas podem começar a sair do controle. Uma grande cidade em Sim City precisa de só cinco minutinhos de bobeira para que a orçamento entre em um estado decrescente, as pessoas comecem a ficar descontes, as estruturas que tanto demoramos a construir comecem a ruir e aí é uma ladeira sem fim. Em outros jogos, basta um empreendimento com investimento ruim para a falência. Não que isso seja ruim, claro, mas é uma característica que parece, o tempo todo, nos deixar em um estado de alerta extremo para questões mais básicas, para as mesmas com as quais nos preocupamos desde o começo. Em Airborne Kingdom, contudo, a coisa se inverte um pouco, e um bom planejamento inicial é um verdadeiro divisor de águas para o futuro.

Digo isso porque a minha preocupação, nas primeiras horas, conforme meu reino ia crescendo, era como conseguir sustentar tudo isso a longo prazo. Comida e água não são problema no início, mas seria questão de tempo até que isso começasse a ficar mais escasso e me vi preocupado em ter que passar dezenas de horas buscando recursos básicos só pra manter todo mundo vivo. Supreendentemente, essa preocupação dura o tempo suficiente para que aprendamos como esse sistema funciona, para aí então desenvolvermos tecnologias dedicadas à sustentabilidade. Se tal como os primeiros seres humanos do nosso planeta, nos portamos inicialmente como nômades explorando os recursos naturais até esgotá-los, logo aprendemos a controlar a produção desses recursos, a otimizar processos, a melhorar o rendimento do que temos em mãos.

A lógica, portanto, começa a se inverter: ao invés de termos que cada vez mais extrair recursos naturais do mundo à nossa volta, sermos cada vez mais predatórios com a meio ambiente, nos tornamos menos agressivos com técnicas mais refinadas, e consequentemente mais sustentáveis. Por exemplo, se no começo começamos a esvaziar as raras fontes de água, algum tempo depois estamos condensando a umidade do ar e utilizando a água que geramos para produzir comida. Se antes tínhamos que achar uma fonte de carvão para abastecer nossos motores, logo aprendemos nós mesmos a produzir o combustível para nos tornar mais autônomos. Não que isso nos torne independentes de recursos naturais, ainda será necessário explorar florestas ou bancos de quartzo para algumas produções manufaturadas e construção de novas estruturas, mas a autonomia em alguns aspectos nos torna livres para investir esforços no avanço, no próximo passo.

Esse detalhe é importante não só para que não estejamos o tempo todo flertando com o colapso social, mas também para viabilizar uma das grandes vantagens de se estar no ar, que é poder viajar livremente por todo o mapa para encontrar novos recursos e novos desafios. A locomoção não é das coisas mais ágeis do jogo, e mesmo melhorando o rendimento de propulsores e jogando na velocidade máxima – são três no total, além da pausa – por vezes demora para chegarmos do ponto A ao ponto B. Ainda que valorize a grandiosidade de mover uma grande estrutura pelos ares, pode ser que esse translado se torne mais enfadonho se no caminho não houver o que se fazer, como encontrar riquezas em ruínas antigas, recursos a serem extraídos ou coisas assim. Exatamente por isso, e por queimar combustível quase sempre finito, a decisão de ir até algum lugar é um movimento que deve ser muito bem pensado.

Estar no ar, aliás, tem suas claras vantagens práticas, mas obviamente todo ponto forte tem sua dose de responsabilidade. Afinal, para se manter firme diante a gravidade, é necessário ter uma base de sustentação e dentre as construções possíveis, as mais diferenciadas são exatamente aquelas que mantém a cidade voadora no ar, bem como aquelas que aumentam seu equilíbrio, velocidade e dirigibilidade, se assim podemos dizer. Também é importante saber para onde crescer, e questões de simetria aqui são fundamentais, já que qualquer desequilíbrio pode gerar um tilt, um desnível. As maiores causas de descontentamento da minha população, quando dei bobeira, não foram falta de moradia, suprimentos ou trabalho, mas sim esse desequilíbrio, já que ninguém quer viver em um lugar torto. E se ainda assim a cidade crescer demais, ela vai ficar lenta sem melhorias na propulsão, que também precisam ser implementadas com o tempo.

Dito isso, a pergunta que pode vir à mente é: pra quê? O que nos motivaria a crescer, melhorar, aumentar nosso reino, e viajar a esmo por aí? A campanha do jogo é bastante feliz ao nos oferecer alguns ótimos objetivos sem qualquer senso de urgência que move a nossa narrativa emergente, e ao longo dessa peregrinação, vamos encontrar outros reinos com os quais podemos estabelecer relações de parceria e amizade. Mesmo que de forma bastante objetiva, entendemos que essas nações, hoje espalhadas pela superfície, um dia estiveram unidas e dominantes no céu, mas em algum momento, tudo deu errado. Essas parcerias não são meros laços de cooperação contextual, portanto, mas sim o reestabelecimento de algo muito maior que se perdeu em algum momento e, quem sabe, um dia voltará, colocando todos os povos uma vez mais sob a mesma bandeira.

Para uma missão tão nobre, há três grandes ações a se fazer nessa troca diplomática quando se encontra um dos reinos perdidos: temos o livre comércio, com a possibilidade de se trocar mercadorias em excesso por outras que precisemos; há o aprendizado de novas tecnologias, as quais adquirimos trocando por pedras preciosas e que nos permitem melhorar nossas estruturas a partir de pesquisas em nossos laboratórios; e a realização de missões para nossos aliados, como reformar uma construção estragada ou encontrar algo perdido, o que nos garante não só um laço mais sólido como também novos habitantes para o nosso reino particular.

Garantir essas alianças é o grande mote da evolução da campanha. Sem pessoas, não se cresce, sem tecnologias novas, não se cria a base para uma reino próspero, e essa é a maior das ideias do jogo, algo que evita que entremos num ciclo confortável (e tedioso) de ficar circulando nos mesmos lugares, extraindo os mesmos recursos. A descoberta desbravadora é das sensações mais recompensadoras de todo o projeto, dando sentido àquelas mesmas ações que já fizemos tantas vezes antes: extrair madeira, produzir carvão, construir uma forja e tudo o que já nos acostumamos ao longo das últimas três décadas. Com uma economia que evita o sistema de compra e venda com dinheiro ou algo que o valha, e nem exige tanto assim o escambo, ficamos livres para procurar o que importa, melhorar as condições de vida da nossa população e criar um ambiente próspero.

Não sou muito fã, porém, de como essa vida está representada no jogo, e esse é um dos pontos baixos da produção. O estilo visual mescla modelos low poly – sobretudo em montanhas, planícies e grandes estruturas naturais – com modelos de maior detalhe presentes principalmente nas construções da nossa cidade. Nada que seja absurdo, ou que ofereça uma grande variedade de formas e cores, tudo é bastante esquemático, mas consegue transparecer uma beleza naquilo que se propõe. As pessoas, contudo, não seguem essa máxima, e são extremamente simplificadas, parecendo bonequinhos de rascunho tanto no visual quanto nas animações. De longe, tudo parece fofo e estilizado, mas com um zoom mais próximo, a coisa não e bem assim. Este é um jogo, definitivamente, para se ver de longe, feito para as paisagens, não para a intimidade.

Conta a favor o sistema de passagem de tempo e o ciclo entre dias e noites. Estamos no céu, afinal, e navegar sob as estrelas de uma noite de tempo limpo ou sob o sol escaldante de dias quentes é tão tranquilizador quanto na neblina forte das montanhas desconhecidas. Encontrar ruínas e pirâmides abandonadas entre colinas, ou um novo reino escondido em uma encosta é comparável àquelas passagens de plano aberto em filmes de aventura, e a trilha sonora amplia a sensação de imensidão e de uma jornada fantástica em busca dos cantos mais desconhecidos do mapa, que literalmente tem suas bordas enroladas, como um grande pergaminho que se abre para abrigar um mundo inteiro.

Outra boa novidade é que a interface do jogo é muito amigável para quem joga no controle, algo sempre louvável dado o fato de que os comandos foram projetados, a princípio, para mouse e teclado. Com um mapeamento bastante responsivo, o acesso a menus e submenus é muito prático.  Para não dizer que tudo está perfeito e ideal, textos tem fonte pequena para a TV, e tanto a tipografia quanto a não localização para o português jogam contra, tanto para o entendimento necessário dos generosos tutoriais iniciais quanto para a contextualização nos encontros com diferentes povos pelo caminho. Em outras palavras, se você quer entender tudo, precisa dominar o inglês e se sentar bem próximo da tela.

Ajuda o fato de que não há aqui a uma grande complexidade esquemática, textos sofisticados, modelos econômicos complicados de se entender e de se gerenciar, tudo é bastante direto, objetivo e o mais leve possível, incluindo o sistema de pesquisa das novas tecnologias e suas melhorias, a organização dos tipos de recursos disponíveis e até o equilíbrio do reino, no sentido físico da coisa. Vale a máxima: ser simples não significa ser simplório, e ainda temos muitas preocupações com as quais lidar ao longo da jornada. Uma máquina barulhenta pode incomodar se acomodada próxima a uma região habitacional, um hospital distante pode não ser lá muito útil para a população e uma fazenda pode desequilibrar o abastecimento de água na produção de comida, só para dar alguns exemplos de como o sistema é coeso e precisa estar em perfeita sintonia para não degringolar.

Airborne Kingdom é um grande amálgama de modelos e sistemas que já foram bem explorados, testados e validados em uma infinidade de jogos que vieram antes dele, somados a uma elaboração estética muito segura e com um conceito promissor e, dentro do esperado, bastante original. A ideia de explorar um mundo de reinos independentes e reuni-los sob uma única nação, uma vez mais, dá propósito para além do clássico “mais e maior” de jogos do gênero (ainda que haja um modo livre para quem quiser explorar o vasto universo do game sem quaisquer amarras), e a economia baseada na exploração, na construção de alianças e na sustentabilidade atualizam a lógica de como crescer sem perder o controle da escalabilidade de recursos finitos. Assumo, passei muito mais horas do que esperava no jogo, e há muitas mais adiante. Esse mundo, de desértico, não tem nada, e há muitos segredos a se desvendar.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela Freedom! Games.

Veredito

Airborne Kingdom é um excelente jogo de construção de cidades e gerenciamento de recursos, com uma temática tão original quanto o conceito de reinos voadores. Com uma jogabilidade fluida e confortável para os controles e uma construção narrativa surpreendente, é um dos melhores jogos recentes do gênero.

85

Airborne Kingdom

Fabricante: The Wandering Band

Plataforma: PS4

Gênero: Simulação / Estratégia

Distribuidora: Freedom! Games

Lançamento: 09/11/2021

Dublado: Não

Legendado: Não

Troféus: Sim (inclusive Platina)

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Veredict

Airborne Kingdom is an excellent city-building and resource management game, with a theme as original as the concept of flying kingdoms. With a fluid and comfortable gameplay for the controls and an amazing narrative construction, it is one of the best recent games in the genre.