[PSN] SOMA

Dotada de um respeitável acervo de jogos de terror, a desenvolvedora sueca Frictional Games introduz no mercado mais um excelente produto do gênero. Detentora das séries Penumbra e Amnesia, jogos lançandos apenas para o PC, foi somente com SOMA que a Frictional começou a trabalhar em um console – no caso, o PlayStation 4.

SOMA carrega mecânicas de gameplay já conhecidas e até um pouco batidas. Sua jogabilidade é característica do gênero adventure com uma perspectiva em primeira pessoa, de estrutura linear e sem a existência de um sistema de combate. Os momentos de encontro com inimigos lembram Outlast e Alien Isolation, mas sem qualquer possibilidade de atacar ou afastar a ameaça como nesse último. Correr, e, principalmente, esconder, são as únicas alternativas no game da Frictional.

Longe do perigo, o jogo exige a exploração e solução de puzzles para dar continuidade ao andamento da narrativa. Não há qualquer indicador de caminho ou ícones que facilitem o cumprimento do objetivo, como é usual em diversos jogos atuais. O game não lhe dá a mão, mas também nunca deixa o jogador totalmente perdido. Há pistas e tudo é, de certa forma, bastante intuitivo.

Embora não seja ruim, os desafios impostos pelo jogo não são grandes atrativos. A jogabilidade desajeitada atrapalha um conjunto de características do jogo. Um dos problemas mais evidentes de SOMA está na movimentação do personagem. A câmera se mexe e balança demais, além de existir um pequeno atraso na resposta dos controles durante o início da caminhada ou corrida. É especialmente frustrante quando o protagonista está machucado e a câmera simula uma movimentação de uma pessoa mancando ou, quando perto de determinadas criaturas do jogo, a tela treme exageradamente.

Outros aspectos bastante incômodos são os carregamentos e a taxa de quadro por segundos. Os loadings iniciais não são suficientes para proporcionar um gameplay fluido. Em determinadas áreas novas, o jogo congela por um tempo, até carregar as informações do novo ambiente. É uma interrupção constante por todo o game e agravado por quedas de framerate, especialmente nos momentos finais.

Esses são incovenientes toleráveis e que alguns usuários podem até se acostumar, no entanto, jogadores mais sensíveis podem passar por um enorme desconforto, com tonturas típicas do “motion sickness” nos games. É possível customizar a velocidade de movimentação da câmera, contudo, não há como alterar o atraso na resposta dos controles para a locomoção do personagem.

Mesmo contendo algumas barreiras no gameplay que possam lhe desanimar de encarar o jogo, SOMA não deve ser evitado. É na história que o jogo se distingue de outros produtos do mercado. A narrativa é brilhante e as descobertas ou esclarecimentos dentro da trama são surpreendentes. Poucos jogos trabalham tão bem com questões existenciais e de inteligência artificial como este.

SOMA abre com o protagonista Simon Jarret despertando de um pesadelo, interrompido por uma chamada telefônica. Na ligação, um Doutor lembra Simon de uma consulta e de um novo experimento para avaliar os danos cerebrais, após um acidente que o jovem protagonista sofrera. Posteriormente, ao iniciar o exame, Simon apaga e acorda em um ambiente diferente e sem qualquer companhia.

A partir desse ponto é que o jogador é introduzido ao mundo sombrio e enigmático de SOMA. Pouco se sabe daquele universo e o que aconteceu com Simon, mas aí está parte do charme do jogo – aos poucos, o usuário descobre pequenas informações que trazem respostas aos mistérios do jogo. Todavia, o game vai muito além dessa mudança misteriosa de ambientes e trata de assuntos de ficção científica de maneira inteligente e inesperada.

Boa parte do game se passa em bases subaquáticas, intercaladas por áreas abertas no fundo do oceano. Ainda que existam tais áreas com maior liberdade de progressão, o jogo mantém sua estrutura linear, pois existem poucos motivos para explorar esses ambientes. Já nas bases subaquáticas é mais comum encontrar arquivos, textos e gravações que permitem conhecer um pouco mais desse universo, justificando e recompensando o olhar atento do jogador.

A história do jogo é ainda mais atraente por conta do fantástico design do mundo e das criaturas de SOMA. Embora não tenha gráficos de ponta, é um jogo muito bonito. Efeitos de partícula, água e iluminação impressionam, mas a qualidade das texturas varia do bom ao medíocre e alguns modelos poligonais (como personagens humanos) não acompanham o mesmo cuidado de determinados assets do cenário. A ambientação é recheada de misturas de máquinas e seres orgânicos com estruturas tipicamente “alienígenas”. Não chega a ser algo tão doentio como os cenários de Dead Space, mas possui um caráter único de bizarrice.

As aberrações presentes no jogo também possuem visuais fantásticos e criativos – também dotados dessa junção de máquina e concepções de alienígenas que possuímos, mas com uma estrutura humanoide. O maior diferencial de SOMA em relação a outros jogos similares é o tratamento dado ao comportamento desses monstros.

Boa parte de nossos medos é decorrente do desconhecido, do inesperado, e os designers de SOMA parecem entender muito bem disso. Além de suas aparências grotescas, é difícil decifrar como elas vão reagir. Cada monstro segue um comportamento específico e o jogador deve compreender isso o quanto antes, a fim de sobreviver. Alguns soam inofensivos, mas podem se tornar extremamente agressivos caso o jogador se aproxime demais. Outros reagem apenas ao contato visual e há aqueles que se guiam pelo som. A tensão nesses encontros é exponencialmente aumentada pelos estranhos sons e gritos emitidos por tais criaturas. O terror em SOMA é muito bem desenvolvido, apelando mais para o lado psicológico, raramente se utilizando de “jump scares”.

O jogo é acompanhado de uma trilha sonora propícia para o gênero e que encaixa bem com o universo proposto. Os sons decorrentes da colisão de objetos, de barulhos no fundo do oceano ou da movimentação de seres vivos também são muito competentes e demonstram dedicação da equipe responsável para com esse aspecto. A dublagem é surpreendentemente boa, os diálogos entre Simon e Chun (uma importante personagem do game) são um dos pontos altos do jogo, sobretudo quando tratam do limiar entre humanidade e inteligência artificial.


 

Veredito

Apesar de um início lento e de um gameplay nada excepcional, SOMA foi me conquistando gradualmente. Por meio de revelações em doses certas, o meu interesse e grau de imersão nos eventos ocorridos na estação subaquática de PATHOS II se intensificaram rapidamente, com poucas horas de jogo. Seu excelente roteiro de ficção científica e seus diálogos impactantes tornam irrelevantes diversos dos problemas do game.

Apesar da omissão de alguns conteúdos da história de SOMA nesse texto (a fim de se evitar spoilers), dificilmente os temas abordados no jogo não captariam o interesse do usuário. É um universo de terror que merece ser visitado, com um conteúdo profundo e que incita diversas reflexões. É um daqueles jogos especiais que perdura em nossas cabeças depois de um tempo, principalmente por seu admirável encerramento.

Jogo analisado com código fornecido pela Frictional Games.

Veredito

89

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