Sherlock Holmes: Crimes & Punishments

Crimes & Punishments é o primeiro título da série Sherlock Holmes com o qual tive contato, mas foi uma experiência bem contida em si mesma e bastante prazerosa. No jogo, controla-se o mais famoso detetive do mundo em aventuras diversas, que não têm outra ligação além do fato de que cabe a Holmes desvendar seus diversos mistérios. Por vezes, o jogo dá sinais de que quer apresentar uma trama geral, com conotações políticas, mas são poucos os momentos em que isso é desenvolvido – na verdade, a trama é apresentada quase como um entreato inserido entre um caso e outro.

O foco está, portanto, nos casos individuais e seu caráter multifacetado. Inclusive, o formato do jogo, em termos de enredo, poderia se encaixar com perfeição no modelo episódico consagrado pela Telltale. A menção à desenvolvedora de The Walking Dead é bastante apropriada, pois Crimes & Punishments guarda semelhanças com jogos desse estúdio que vão além da temática.

Ao iniciar uma investigação, cabe a Sherlock Holmes explorar todos os tipos de evidências que estão disponíveis num determinado espaço (a cena do crime, a casa de um suspeito, etc.) e interpretá-los corretamente para conduzir seu caso. Nesses momentos, o jogo se comporta como um genuíno point and click, em que se anda por um cenário, interagindo com alguns objetos e, em raros casos, determinando que tipo de ação se deve fazer com cada item. Nesse sentido, o jogo tem bastante do estilo difundido pela Telltale.

Os objetos com que Holmes interage são bem variados e determinam o rumo das investigações de diversas maneiras. Quando se coleta uma evidência nova, por exemplo, frequentemente deve-se questionar um suspeito para obter mais informações. Esses interrogatórios são uma mecânica de diálogo muito interessante, pois exigem dedução para poder prosseguir com a investigação. Ao começar a conversa com um indivíduo, o jogador pode fazer parar o tempo e investigar traços físicos do personagem para obter pistas sobre o passado deste ou seu comportamento.

Assim que se traça esse perfil psicológico (muitas vezes ajudado pelos itens encontrados nos cenários), Holmes pode fazer perguntas específicas e, caso o interrogado minta ou omita informação importante, confrontá-lo com a verdade. Nesse momento, o jogo fornece um leque de argumentos para Holmes contestar as afirmações do investigado e é preciso encontrar a resposta correta, o que não é muito difícil. Não há nenhuma necessidade de ler os traços psicológicos do personagem enquanto ele responde: trata-se sempre de um exercício de lógica, como é natural num jogo do detetive britânico.

As informações obtidas nos depoimentos e nos cenários nem sempre são claras, e é também preciso criar alternativas para encontrar mais itens ou modificar os já encontrados, tornando-os mais claros. Nesse momento, entram os diversos minigames de Crimes & Punishments. Todos eles, é claro, exigem a lógica como ferramenta de solução, e não a habilidade motora. Desse modo, para abrir uma porta trancada, é preciso alinhar os diversos níveis de um quebra-cabeça; para fazer um composto químico eficaz, é necessário organizar seus ingredientes na ordem exata. Esses minigames oferecem uma variedade bem interessante, que diverte e recompensa em curto prazo, opondo-se, assim, ao andamento dos casos, que podem durar mais de duas horas.

Conforme se vai obtendo e decifrando pistas (com experimentos, interrogatórios, simulações, pesquisas por livros e jornais), o game vai fornecendo informações que precisam ser combinadas corretamente pelo jogador e, quando este consegue, Holmes cria uma dedução. É o momento em que a exploração começa a virar, de fato, um caso. Entretanto, cada uma das investigações necessita de diversas deduções para se encerrar corretamente. Pior: muitas delas, em vez de fornecerem uma informação concreta, acabam se apresentando de forma dupla, ambígua. Aí, novamente, é preciso interpretar.

Este é um ponto muito interessante de Crimes & Punishments, que faz do jogo uma experiência muito significativa: embora, como já foi apontado até aqui, todo o gameplay tenha a ideia da lógica como eixo, as diversas deduções ambíguas apresentadas em cada caso acabam criando um mundo em que Holmes precisa distinguir o possível do provável, e aí a lógica só ajuda até determinado ponto. Em momentos de fechamento de caso, é como se o jogo fizesse, através das suas mecânicas, uma autocrítica: a lógica nos leva até certa altura, mas existe um ser humano decidindo como interpretar cada elemento e esse ser humano é falível, mesmo que seja o maior detetive de todos.

Esse profundo relativismo implantado no meio de um jogo baseado na lógica se revela mais fortemente no modo como as deduções se unem para fechar o caso. Conforme Holmes realiza suas deduções, as pistas se unem na forma de neurônios, até criar uma esfera maior, com a resolução do caso. A genialidade do jogo está, entretanto, em não haver apenas uma resolução: cada caso tem, em média, três possibilidades de explicação e todas elas, no geral, parecem plausíveis e satisfatórias, mesmo havendo apenas uma que os desenvolvedores tenham escolhido como correta. Se o jogador não ativar a opção de revelar a resposta correta, ele pode terminar o jogo sem nunca saber e sair satisfeito com a experiência mesmo assim.

O relativismo se manifesta também na forma como Holmes decide o que fazer com as informações que obtém. Ao decidir uma hipótese como correta, o jogador pode escolher o que fazer, normalmente significando condenar ou absolver o criminoso. Basicamente, trata-se de decidir entre fazer a justiça falar mais alto ou entender as circunstâncias do caso como atenuante e aí, por si mesmo, oferecer a liberdade ao criminoso.

Essa escolha nem sempre é fácil, porque o roteiro de Crimes & Punishments faz um excelente trabalho em criar personagens cheios de nuances, que nunca agem por maldade pura, mas se debatem entre emoções humanas como dor, vingança, senso de justiça, inveja, etc. Os próprios assassinados não costumam ser figuras livres de culpa. Junte condições extremas e interesses humanos em conflito, e vários crimes podem ser cometidos, pautados igualmente pela escolha humana e pela fatalidade.

É nesse momento de escolha que o jogo ressalta a sua última ambiguidade: as leis, também baseadas na lógica, podem ser interpretadas como cegas. É nesse ponto que as análises de Holmes se tornam mais necessárias.

Por tudo isso, em termos de roteiro, Crimes & Punishments é um dos jogos mais interessantes dos últimos tempos. Em termos técnicos, essa excelência se reflete nos bons controles do jogo. Os gráficos estão bem bonitos, com belas construções e ambientação do final do século XIX. Se há problema nessa área, são trechos borrados em volta de Holmes e o carregamento meio lento de certas texturas, mas nada que afete muito a experiência.

Demoras também acontecem no carregamento entre um cenário e outro, problema relativamente amenizado pelo fato de o jogo permitir navegar pelos diversos menus (itens, objetivos e deduções) enquanto o carregamento acontece. Uma vez carregado o cenário, o jogo se comporta com firmeza, com exceção de alguns trechos muito grandes e com muitos itens; nesses pontos, há certo engasgo, mas nada que comprometa a experiência, que não demanda precisão.

Por fim, cabe falar da dublagem (apenas em inglês, infelizmente), que está em altíssimo nível e faz jus ao belo roteiro do jogo. É como se ouvíssemos personagens vivos.

Veredito

Crimes & Punishments é um excelente jogo de detetive, que mistura mistérios e puzzles mentais com capricho e, ao fim, apresenta uma experiência que, por um lado, escolhe a lógica como a ferramenta suprema e, por outro, revela seus limites mais claros. Não são muitas as obras que podem dizer ter ido tão fundo no assunto que discutem.

Jogo analisado com código fornecido pela Focus Home Interactive.

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