Análises

Trails in the Sky 1st Chapter – Review

O mundo era um lugar muito diferente quando o primeiro The Legend of Heroes: Trails in the Sky chegou ao mercado. Olhar de volta para o começo daquela que, pra mim, é a melhor série contínua de RPGs de todos os tempos (mesmo que TiTS FC seja, tecnicamente, o 6° – ou 4 – título da Falcom com esse nome), é realmente se transportar de volta para um momento muito diferente, tanto de vida quanto de mundo. Tanto se considerarmos a data original de lançamento dele no Japão, lá em 2004 para PC e 2006 no PSP até os anos com status cult até finalmente ser localizado em 2011.

Embora a série tenha passado por mudanças consideráveis nesses mais de 20 anos desde seu lançamento original e alguns pontos de inflexão que, pouco a pouco, a colocariam em maior evidência dentro do gênero, a começar com o seminal trabalho do Jason Schreier 10 anos atrás sobre a insanidade do processo de localização de sua sequência ainda para o Kotaku. E é o título que, francamente, eu mais comprei na minha vida, baseado na absurda quantidade de vezes em que o dei de presente já que, mesmo com as várias tentativas de publishers ao longo do ano de pintar o começo de outros arcos como adequados para se iniciar a jornada por Zemuria.

Mas cá estamos nós, com a Falcom finalmente dedicando o tempo necessário para transportar o título do seu pitoresco (e único) estilo visual típico de um RPG de baixo orçamento para PC e PSP no meio dos anos 2000 para algo totalmente em um belo 3D, mais em linha com o visto nos jogos ambientados em Calvard (como o vindouro Trails beyond the Horizon). E, os jogadores que se sentiram intimidados sobre como entrar em uma série que já vai caminhando para o seu 13° título contando um dos mais celebrados arcos narrativos de um RPG, seja pelo seu gráfico, gameplay ou baixa acessibilidade, agora podem fazê-lo em todas as plataformas modernas com o apoio da nova publisher, a GungHo.

Trails in the Sky 1st Chapter

Tá, mas sobre o que é, Trails in the Sky 1st Chapter? O jogo conta a história de uma jovem chamada Estelle Bright que, em um belo dia, recebe um irmão adotivo de “presente” do seu pai, o lendário Cassius Bright. Cassius faz parte de um grupo de guerreiros conhecidos como Bracers cujo papel é ajudar as pessoas das diferentes cidades de Zemuria, cumprindo diferentes tarefas que vão de derrotar monstros infestando as estradas até resgatar pessoas sequestradas por bandidos.

Embora seu pai seja tão talentoso com uma espada na mão quanto é levemente maluco, Estelle e seu novo “irmão”, Joshua, decidem seguir os passos dele e se tornarem Bracers também, partindo, tão logo podem, na jornada necessária para chegarem ao nível de Seniors, visitando as diferentes filiais da guilda ao redor do reino onde moram, Liberl, para coletar as cartas de recomendação necessárias antes da sua graduação.

TITS 1st Chapter é a definição de um “slow burn”. A história te trata muito da forma como trata Estelle, como um jovem só começando a molhar seus pés no oceano que Zemuria tem a oferecer, te apresentando os conceitos do mundo e os desafios que ele eventualmente irá jogar para cima dela aos poucos. Não há um grande e maquiavélico vilão logo de cara ou mega desafio que irá se apresentar no começo para que os heróis o superem. Pelo contrário, tudo aqui vai surgindo aos poucos, com o jogador puxando cada diferente fio desse complexo novelo eventualmente resultando em um final que é exatamente o tipo de gancho que fez com que todos se apaixonassem pela franquia.

Trails in the Sky 1st Chapter

Não que ele não apresente mistérios ao longo do tempo. Do paradeiro de Cassius ao desconhecido passado de Joshua, existem uma série de pontos no plot que no começo podem até parecer pontos mais simples ou até mesmo “ignorados” pela narrativa, mas, ao longo das cerca de 50 horas que o jogo dura, vão sendo muito bem trabalhados através dos diálogos, documentos e desafios que o jogo apresenta. É um título com um pacing um pouco mais lento e um tom até mesmo leve durante a sua maior parte de forma bem proposital e deliberada (ao ponto de ser replicado posteriormente no começo de outros arcos), mas que funcionam bem para construir a guinada que o jogo sofre em seu terceiro ato. Se há um defeito na narrativa é que, propositalmente, você se sentirá ou excessivamente ansioso para o remake de Trails in the Sky SC ou se vendo forçado a buscá-lo no PC.

É justamente esse pacing mais vagaroso que permite que o título brilhe em seus dois pontos mais fortes: seu mundo e seus personagens. Liberl parece um lugar extremamente vivo e, mesmo que o título não abuse da quantidade de sidequests (muito porque, convenhamos, o trabalho de um Bracer já é meio que fazer sidequests), cada novo avanço na história também significa o avanço da vida das pessoas espalhadas pelo país o que significa que, caso você retorne para falar com elas, quase sempre elas terão algo novo a te contar. É justamente esse cuidado e atenção aos detalhes que fazem com que cada NPC tenha sua própria história, por mais boba que seja, e te faça se sentir mais do que alguém vendo uma história, mas parte ativa do mundo.

Se os NPCs recebem esse grau de cuidado, o que falar então do cast principal de personagens? Estelle é uma protagonista brilhante que vai de uma garota explosiva, impulsiva e birrenta beirando o insuportável a uma jovem encontrando seu lugar como heroína nesse mundo. Joshua, seu “irmão” e parceiro de combate, e, francamente, o co-protagonista da história, vai aos poucos saindo do seu casulo, se abrindo mais para as pessoas ao seu redor. Ambos por si só já ocupariam um lugar de destaque entre as melhores duplas de personagens de RPGs da história similar a Tidus e Yuna ou Cloud e Aerith/Tifa, muito por não serem “escolhidos”, mas por, ao longo da sua jornada para conhecer o país que juraram proteger com seus próprios olhos, se estabelecerem como alguém além de predestinados: heróis por escolha.

Trails in the Sky 1st Chapter

E então temos os personagens secundários que vão, em diferentes momentos do jogo, compondo o grupo com os dois protagonistas. Sherazade, uma bracer sênior, é uma excelente parceira e mentora para os protagonistas, oferecendo um ótimo contraponto para a insanidade do Cassius ou a dureza de Agate, um bracer bem mais ríspido e focado apenas em fazer seu trabalho com Zin, o último dos bracers mais velhos a integrarem a equipe, sendo um calmo ponto de equilíbrio entre as diferentes e fortes personalidades que compõem a guilda. Adicione a essa receita a pequena e genial Tita, descendente de uma prestigiada família de engenheiros orbais, a carinhosa e poderosa Kloe e a grande estrela do show, o absolutamente fantástico Olivier, um insano e mulherengo bardo, e você tem aquele que é, com uma certa facilidade, o melhor elenco da franquia. Tanto pela forma como interagem com os protagonistas mas, principalmente, pela dinâmica entre eles que é muitas vezes tão boa quanto ou até superior ao visto com Estelle e Joshua (e sim, eu tô pensando em Olivier e Sherazade/Agate).

E olhando por ambos os prismas para ele, é fácil entender tanto porque os jogadores novatos vão se apaixonar por esse grupo quanto o quão fantástico é olhar de volta para eles sabendo onde todos eventualmente irão chegar. Isso faz com que o título tanto seja uma boa jornada para novos jogadores quanto um afetivo (e necessário) retorno para quem já vem dedicando anos e anos a acompanhar a série. Embora a história como um todo seja muito bem escrita, é a força desse grupo que a eleva ao nível que ela alcança e estabelece as bases para que o vindouro 2nd Chapter entregue para novas audiências um (futuro) retorno a um dos melhores RPGs de todos os tempos.

Isso não quer dizer, por outro lado, que o gameplay deixe algo a desejar. Como o jogo é construído com base na engine implantada em Trails through Daybreak, várias das suas mecânicas retornam aqui. Com isso, pequenos grupos de inimigos, que costumavam ser o maior problema do balanceamento de Trails in the Sky FC, deixam de ser um problema grave já que podem ser derrotados usando o combate em tempo real que segue a estrutura mais simplificada de golpes mapeados para os botões de face (fraco, forte e Burst) e um botão de esquiva. Esse mesmo sistema pode ser usado para enfraquecer inimigos mais fortes antes de transicionar para o tradicional sistema de combate por turnos da franquia.

Trails in the Sky 1st Chapter

O chamado Tactical Mode traz a linha do tempo das ações dos personagens, com diferentes pontos na linha tendo efeitos positivos ou negativos atrelados a ela. Com isso, saber manipular a posição dos seus personagens nela, seja acelerando ou atrasando ataques, é tão ou mais importante para o seu êxito quanto simplesmente spammar seus ataques mais poderosos ou explorar fraquezas elementais. Optar por ataques fracos que sejam mais rápidos e que vão te tirar do ponto em que um status negativo será aplicado muitas vezes será a resposta ao invés de optar por um ataque poderoso que vai te jogar no lugar onde você irá zerar sua barra de CP, por exemplo.

Nesse ponto, as mesmas ferramentas que se tornaram padrões da série estão presentes aqui. Crafts, habilidades dos personagens, e S-Crafts, as técnicas especiais únicas de cada personagem, estão presentes e podem ser utilizadas com Craft Points (os citados CPs). Arts, o nome dado aos ataques mágicos, também se apresentam e precisam ser utilizadas para preencher a barra de stun dos inimigos, a melhor e mais eficiente forma de evitar ataques mais poderosos contra a sua party. Um ponto importante aqui é que vários dos seus ataques especiais são destinados a uma área de efeito e, como é possível andar pela área de combate, os inimigos (e você) também podem usar isso como recurso para desviar de golpes que poderiam ser fatais.

O sistema de progressão dos personagens é relativamente simples de entender, mas traz um grau de profundidade bem robusto e que abre muito a possibilidade de customização. Chamado aqui de Orbment System, cada personagem tem seis espaços que podem ser utilizados para equipar Quartz e que dão algum tipo de melhoria para ele, seja melhorias de estatísticas, habilidades passivas ou magias. Não é um sistema muito diferente do que é visto, por exemplo, em Final Fantasy VII (e, consequentemente, no Remake/Rebirth), e, a medida em que você vai avançando, Quartz melhores vão surgindo, tanto como recompensa quanto em lojas, além da possibilidade de usar o cristal que serve de base para eles, o Sepith, para melhorá-los ou criar novos.

Trails in the Sky 1st Chapter

Existem alguns outros sistemas bem úteis de customização, como, naturalmente, a possibilidade de comprar novos equipamentos e equipar acessórios, com uma bem-vinda adição dessa versão o fato de que, quando um personagem sai da sua party, os acessórios são desequipados automaticamente e ainda podem ser customizados mesmo se não estiverem presentes. O sistema de cozinhar para melhorias de stats também retorna, sendo mais uma fonte de progressão e recompensa o jogador por seguir explorando cada detalhe dos belos mapas.

É importante dizer que o jogo se adaptou muito bem aos novos visuais. As cidades de Liberl são lindas e, por terem um escopo menor do que as de Calvard (os outros jogos rodando nessa engine), tudo parece muito mais confortável e fácil de se explorar. Os efeitos visuais do combate também são bem bonitos e entregam uma experiência que antes só se poderia imaginar, mesmo com os carismáticos visuais da versão original, algo que se reflete especialmente no quão espetaculares as novas cutscenes são, com a icônica cena da peça e a batalha entre Kloe e Estelle sendo um dos pontos mais legais de toda a franquia. E, no fim das contas, a trilha sonora e a dublagem são absolutamente espetaculares, ajudando imensamente na ambientação do jogo.

Dito tudo isso, fica bem claro que, independente do que se possa tentar encontrar de problemas com Trails in the Sky 1st Chapter, é basicamente impossível. O título é espetacular e não só reconstrói o primor que já estava presente no título original, mas o evolui muito bem em pontos que precisavam de melhoria. O que temos aqui é uma verdadeira aula de game design, narrativa e gameplay que, ao retornar a ela, nos lembra exatamente o porquê o título nos conquistou e, mais do que isso, faz todo esse amor florescer novamente ainda mais forte.

Trails in the Sky 1st Chapter está disponível para PS5, Switch, Switch 2 e PC sem legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela GungHo Online Entertainment.

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