Análises

Star Overdrive – Review

Um planeta inóspito, um pedido de socorro de alguém muito importante… e uma prancha gravitacional! Star Overdrive é um daqueles casos que vez ou outra surgem no mercado trazendo combinações de elementos consagrados, mas quase improváveis de ser ver juntos, até que alguém vai lá e faz parecer a coisa mais natural do mundo.

Ambientado no planeta distante de Cebete, o game nos narra a trajetória de BIOS desde sua chegada um tanto quanto acidentada a este lugar estranho, nos levando a explorar um mundo novo, cheio de perigos e mistérios fascinantes. Buscando encontrar NOUS, uma velha conhecida, e etender o que teria acontecido com ela, seu caminho será cheio de percalços e descobertas, inclusive sobre si mesmo.

Munido de uma poderosa Keystar, um teclado musical com grande poder de combate, será necessário enfrentar criaturas pouco amistosas e inimigos cuja intenção nefasta é difícil identificar. Este poderoso artefato será o foco da aquisição de poderes incríveis ao longo da campanha, tais como parar o tempo, conectar objetos e manipular o ambiente à nossa volta.

Fazer tudo isso a pé, contudo, seria terrível, uma vez que Cebete é extenso e pouco afeito a viajantes. É aqui onde o maior trunfo do jogo se faz presente: a prancha obtida logo nos primeiros instantes da aventura, no melhor estilo De Volta Para o Futuro 2, consegue se conectar bem ao modelo gravitacional do planeta, permitindo o deslocamento em alta velocidade e muito estilo.

O resultado de tudo isso é um jogo de ação e aventura exploratória em mundo aberto onde o nosso herói precisa encontrar pontos de interesse no mapa, incluindo minas subterrâneas que se comportam como as dungeons de exemplos como Imortals Fenyx Rising, resolver puzzles ambientais e partir para o próximo local surfando pelas ondas de areia e manobrando pelas dunas como um verdadeiro Tony Hawk espacial.

Reconstruindo a fragmentada história dos eventos que o trouxeram até ali por meio de fitas cassete e outros registros deixados pelo cenário, BIOS é a testemunha póstuma de um passado recente cada vez mais intrincado, rico e recompensador. O aparente vazio esconde segredos, ainda que esta efervercência nem sempre esteja manifesta nas possibilidades de ação no gameplay.

Claramente inspirado nas mais recentes incursões da franquia Zelda, sobretudo Breath of the Wild, a liberdade de exploração não esconde um modelo com pontos focais de intenção, com atividades restritas aos poderes liberados – ou não – pelo nosso protagonista. Encontrar locais interessantes não depende, portanto, só da curiosidade do jogador, mas daquilo que o levou até lá.

Por mais que usar um teclado musical como arma tanto para ataques físicos como para poderes à distância seja inusitado e inovador, algo potencializado por um bom trabalho de mapeamento de som, o combate está longe de ser um dos maiores méritos do game. Não há tanta variedade de inimigos assim, e por mais que algumas cenas mais povoadas tragam uma certa adrenalina, o timing da porradaria é anticlimática e um tanto quanto genérico.

Usar criativamente cada nova habilidade traz um frescor contínuo para estas passagens de enfrentamento, porém. É divertido utilizar o poder de seduzir um inimigo, atentá-lo a atacar seu companheiro enquanto alternamos para o recurso de atração para conectar dois outros adversários um contra o outro, e em seguida paramos o tempo para disparar rajadas contra aquele pobre coitado que sobrou.

Adentrar Star Overdrive buscando arrumar confusão com os nativos, entretanto, é subestimar suas maiores potencialidades. Há um trabalho muito interessante na composição dos quebra-cabeças em cada ponto de interesse do mapa que eleva o potencial do uso destas mesmas ferramentas ao máximo. Sem subestimar a inteligência do jogador e sem forçar demais a ponto de frustrar, cada desafio é divertido, intrigante e muito satisfatório.

O melhor está guardado para as dungeons, disponíveis em câmaras subterrâneas a serem liberadas por meio de torres regionais. Algumas delas são parte da campanha central e são responsáveis por liberar os principais poderes já citados. Outras tantas são complementares e resultam em pontos a serem investidos em uma árvore de habilidades mais tradicional, que permite aumentar a resistência a ataques inimigos, o dano, a obtenção de recursos e mais.

Outro recurso a ser melhorado constantemente é o próprio hoverboard, este com sua própria lógica de fabricação e implantação de peças melhoradas. Para tanto, é necessário primeiro coletar recursos variados pelo planeta, como frutos e plantas, bem como resquícios de inimigos vencidos. Também é necessário acumular um tipo de recurso que funciona como a moeda do jogo.

Com tudo isso recolhido, há certas câmaras de fabricação, onde basicamente investimos uma quantidade de cada um destes coletáveis, pagamos o preço estabelecido e geramos uma peça dedicada à potência ou aerodinâmica do nosso meio de transporte. Quanto mais recursos investidos, maior o preço, e também melhor e mais poderoso o dispositivo. Simples e bastante intuitivo.

Também é possível mudar o estilo e a coloração da prancha, algo que parece mais cosmético do que a confecção de peças, mas que também tem a sua aplicação prática, já que deslizar pelo planeta desgasta o equipamento e pode prejudicar seu desempenho. Refazer a pintura renova este status e permite potencial total à disposição, o que não parece fazer tanta diferença assim na maioria do tempo, mas que realmente pode ser o diferencial nos principais enfrentamentos, incluindo um chefe inconveniente.

A soma destas melhorias todas compõem um sistema de progressão bastante orgânico, sem as burocracias tradicionais de nível, pontos de experiência e outras travas em jogos do gênero. O formato narrativo em mosaico e não necessariamente linear é muito feliz em realmente oferecer a sensação de liberdade ao jogador e, por mais que estes mecanismos de controle existam, eles são muito mais suaves do que o esperado.

Por sua vez, o level design do jogo não é tão simpático e naturalista quanto o seu contexto. Por mais que o universo do jogo seja de uma navegação bastante ampla, ele estabelece algumas travas que acabam promovendo um auto-boicote, a exemplo de alguns canions e muralhas que teimam em limitar a livre passagem, incluindo momentos de maior ação, perseguições intensas e batalhas de grande escala.

Algumas destas limitações são intencionais, como a dificuldade para atravessar corpos d’agua, que dependem de uma melhoria especial adquirida nos campos de caça, espaços onde lutamos contra vermes de areia enormes que não escondem querer lembrar daqueles minhocões vistos na franquia Duna. O mesmo vale para superfícies outras, que se tornam muito mais convidativas conforme temos um equipamento mais potente.

Ainda assim, certos acidentes geográficos, construções e estruturas são só desajeitados, feitos para desagradar e para forçar um uso contra-intuitivo dos recursos da jogabilidade. Unido a um sistema de câmera que parece pouco refinado em cenários apertados e outras variações contra paredes e obstáculos, o desenho macro joga contra as boas soluções no micro.

Quando limpa as arestas e se abre para o jogador, o bioma ainda encontra seu brilho. Por mais que se esforce, ele não consegue ser tão variado assim, e na grande maioria do tempo é composto por caminhos cheios de beiradas e elevações que funcionam basicamente como rampas de uma grande pista de skate, e a cada salto, oportunidades de manobras adicionam estilo e potência à viagem, unindo assim o útil ao agradável.

Sem complicar demais nesta jogabilidade, Star Overdrive é um verdadeiro convite ao passeio livre por Cebete, fazendo com que um dos maiores problemas de mundos amplos, que é o espaço de transição entre as ações principais, deixe de ser um percalço e se torne uma solução. Não foram poucas as vezes em que me peguei simplesmente surfando por aí, buscando saltos cada vez mais altos, conectando manobras cada vez mais malucas e simplesmente curtindo ir daqui pra lá, de lá pra cá.

O fato deste mundo ser lindo ajuda, e muito. Até pelo escopo da produção, este jogo está longe de ter as paisagens mais gananciosas da geração. Todavia, há vantagens na estética adotada aqui com muita luz, vegetação predominantemente rasteira (lembrando savanas africanas e o nosso cerrado brasileiro) e um cel shading que também lembra as aventuras de Link. A soma de tudo isso abre espaço para um belo cartão postal de dois sóis, ótimas composições de contraste com cores pastéis intensas e uma sensação leve de fantasia espacial.

Algumas texturas e arestas são um tanto quanto grosseiras, e o refinamento dos sistemas de colisão carece de melhorias porque muitas vezes acaba sendo um incômodo passar por algumas trombadas descontroladas. Passagens de plataforma também sofrem, sobretudo quando exigem mais precisão por parte do jogador. Quando força demais os limites técnicos, o game entrega suas poucas limitações.

Impossível também não destacar o ótimo uso conjugado dos recursos do DualSense, trabalho especifico da equipe de desenvolvedores da Caracal Games para o Playstation 5 em um jogo que saiu antes na plataforma híbrida da Nintendo. Aqui, tanto o sistema de vibração quando o de gatilhos adaptáveis são consonantes com os efeitos sonoros emitidos pelo controle. Mais do que só usar a saída de áudio como um deslumbre, ela ajuda na composição espacial da experiência em um uso tecnicamente simples, mas muito eficiente.

Como conjunto da obra, Star Overdrive oferece uma mistura bastante singular de ótimos referenciais e, mais do que isso, os faz funcionar coerentemente em uma aventura leve e com um ritmo muito confortável para o estilo do jogador. Se a sua campanha base deve durar em torno das 15 horas, lá estava eu, mesmo com a pressão do prazo de entrega desta análise, passando das duas dezenas de horas só por gostar demais de sair por aí com a minha prancha curtindo inconsequentemente aquele lugar.

Esta é, creio, a principal essência de se adotar um mundo verdadeiramente aberto: oferecer um lugar não só para que o jogador possa ir onde quiser, mas principalmente que ele queira escolher, por vontade própria e prazer pessoal, desbravar por ele mesmo, não só para chegar de um ponto ao outro. E na companhia de BIOS à bordo de sua incrível prancha gravitacional, eu realmente estive contente em estar em Cebete, já desejando voltar para lá sempre que tiver uma justificativa qualquer.

Star Overdrive está disponível para Playstation 5, Xbox Series, Switch e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise foi produzida jogando no PS5 e realizada com um código fornecido pela Dear Villagers.

Veredito

O mundo aberto grande e disperso de Star Overdrive poderia ser o seu maior problema, mas graças a um sistema de deslocamento delicioso e divertido, acabou se tornando um dos seus maiores diferenciais frente à outras experiências do gênero. Com puzzles intrigantes, combates mornos, uma narrativa emergente potente, referências certas e belos visuais, é uma recomendação fácil para todo tipo de jogador, sobretudo aqueles que não tem tanta pressa para se deslumbrar.

85

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