Análises

S.T.A.L.K.E.R.: Legends of the Zone Trilogy – Review

O desastre nuclear ocorrido na usina de Chernobyl em 1986 é, sem sombra de dúvidas, o pior acidente desta natureza da nossa história. Quando o reator 4 explodiu, o mundo sabia que estava prestes a presenciar algo que jamais tínhamos visto e que mudaria tudo não só para a população daquela região até então pertencente à União Soviética, mas também para toda a humanidade.

Hoje, praticamente 40 anos depois, o assunto continua sendo muito delicado de ser abordado pela imprensa e pela mídia como um todo. Muito provavelmente, o maior e mais respeitado expoente seja a minissérie televisiva da HBO Chernobyl, mas bem antes dela, uma trilogia de jogos produzida na própria Ucrânia ganhou o mundo ao se localizar, sem filtros, naquela região rejeitada pelo resto do mundo.

O contexto geopolítico mudou, mas não quer dizer que as coisas por lá estejam fáceis. O país passa por sérios conflitos, algo que afetou e continua afetando praticamente todos os campos da cultura e da economia, e os responsáveis pela franquia, a GSC Game World, passaram por maus bocados até conseguiremfinalmente lançar, no ano de 2024, STALKER 2.

Sem muito alarde, também disponibilizaram para a geração passada a versão remasterizada dos games originais, uma trilogia que, vista em perspectiva, funciona com três narrativas complementares, quase que como três episódios de um mesmo jogo, e agora desembarca também nos consoles da atual geração pela versão Enhanced Edition. STALKER : Shadow of Chernobyl de 2007; STALKER: Clear Sky de 2008 e STALKER: Call of Pripyat de 2009 guardam, ainda que com algumas particularidades específicas, uma coesão que proporciona uma visão ampla e completa da proposta de seus idealizadores.

Sem suavizar sua estrutura de gameplay ou criar atalhos para uma geração acostumada com uma certa gentileza em jogos do gênero, a primeira coisa a se notar é que não importa por qual jogo decidamos começar – eles não são numerados e não apresentam, narrativamente, uma ordem obrigatória – é que o estilo cru adotado aqui é parte identitária da experiência. STALKER não tem nenhuma intenção em amenizar as coisas.

Isso significa que, ao adentrar este universo no papel de um combatente sem muita pompa, seremos apresentados aos principais recursos de suporte ao jogador, como mapas e interfaces primárias, mas pouco nos será ofertado gratuitamente sobre as mecânicas principais para além de alguns comandos básicos. Olhar pelo binóculo, se movimentar, mirar e atirar, coisas do tipo. O que fazer com isso, fica por conta do freguês.

Em mapas relativamente grandes e com alguns pontos de interesse possíveis marcados grosseiramente no mapa, o game fornece algumas indicações do que deve ser feito, seja na descrição das missões ou no diálogo com NPCs proponentes, mas a liberdade de escolha em seguir ou não pelos caminhos indicados é um grande diferencial. Poder de escolha, claro, gera grandes responsabilidades, sobretudo em um mundo que claramente não te quer por perto.

Os aprimoramentos gráficos em texturas, modelos e movimentos não tornam a trilogia algo próximo dos visuais com os quais estamos acostumados, e o próprio conceito entrega a sua idade, o que não significa que sejam games datados naquilo que se propõe a oferecer. São brutos, um tanto quanto desengonçados, pouco agradáveis, quase que uma versão brucutu dos padrões ocidentais, porém ainda sustentáveis.

Há melhorias notáveis, entretanto, seja na textura da água em lagos e córregos, seja em uma vegetação mais abrangente e viva. A iluminação global e os efeitos da radiação se mostram ao mesmo tempo intensos e opressores, e até mesmo as cenas de corte parecem muito melhor trabalhadas do que o upscaling medíocre visto em remasterizações recentes.

Rodando nos sonhados 4K a 60 fps no PS5 padrão (com algumas variações dependendo da escolha gráfica entre qualidade e performance) e prometendo até 120 fps no PS5 Pro, o game ainda se vale de uma sonorização dinâmica que não se aprofunda na tridimensionalidade sofisticada quando no uso do headset Pulse, mas que consegue ainda assim criar uma espacialidade imersiva. O mesmo vale para os efeitos de vibração do controle, que não chegam a se apropriar dos sensores hápticos com excelência, mas entrega bastante da sensação desconfortável do terreno onde estamos.

Isso pode, claro, afastar quem espera encontrar aqui uma versão moderna do que já vimos na série Metro, ou mesmo em jogos que tratam do mesmo período histórico. Os controles são pouco precisos, o uso de itens secundários (como granadas e facas, por exemplo) não é dos mais acessíveis e o sistema de mira, mesmo nas dificuldades mais amenas, está muito longe de ser fluido.

Se inicialmente tudo isso pode incomodar, a promoção do engajamento emergente precisa ser reconhecida. Tudo parece desenhado para manter o incômodo, a sensação de que nada aqui é para ser confortável. O mapa é esquisito, o relevo não ajuda, as explicações e diálogos são sisudos, seus companheiros pouco se importam em dar bom dia… é como se a desgraça estivesse sempre lá, independentemente de sermos ou não bem-sucedidos em nossas incursões.

Com tarefas bastante diretas, o jogo nos abre espaço para ações que variam pouco, porém. Tudo se resume macroscopicamente em explorar esse raio de algumas dezenas de quilômetros, tomar cuidado com os perigos à espreita, como hordas doentes de animais e algumas criaturas mutantes agressivas, e vez ou outra, invadir instalações eliminando milícias, facções e grupos paramilitares organizados, seja para fazer alguma extração, recuperar algum item valioso ou simplesmente investigar problemas ou resgatar aliados em apuros.

A recompensa por tais esforços se materializa em um modelo de progressão orgânico, com a descoberta de melhores equipamentos de combate e melhores proteções seja para defesas, seja para suportar as zonas mais afetadas pela radiação, uma ameaça constante cuja solução visual é muito bem trabalhada para oferecer a sensação de um perigo invisível pior do que qualquer monstro que possa cruzar o nosso caminho.

S.T.A.L.K.E.R.: Call of Prypiat

Talvez o aspecto que pior tenha envelhecido é a gestão de recursos e de inventário. Coletar armas, munições e apetrechos de sobrevivência de corpos dos inimigos vencidos é necessário e natural para que tenhamos o mínimo de condições para seguir adiante, mas carregar peso demais nos torna menos efetivos, cansando rápido e, por vezes, ficando indefesos em meio ao tiroteio hostil. Descobri da pior maneira que ficar sobrecarregado enquanto trocava chumbo é o jeito mais rápido de encontrar uma morte miserável.

Isso significa que até podemos carregar algumas armas do mesmo tipo, cada qual carregada com uma quantidade de munição que pode vir a ser útil, mas é uma estratégia traiçoeira. Não é possível equipar no acesso rápido muitas armas, e a falta de cuidado pode nos deixar sem balas na agulha mesmo estando lotados de armamentos poderosos. A cadência e o preparo resiliente é, quase sempre, a melhor escolha de abordagem.

A iconografia, por sua vez, não é das mais instintivas, e demora para que entendamos o que cada item faz, principalmente aqueles mapeados por padrão no acesso rápido. Kits de primeiros socorros, bandagens e outros complementos demandam um certo treino para serem utilizados com a parcimônia adequada, não só porque são raros, como também porque vários deles não tem efeito imediato.

Sem legendas e muito menos dublagem para o nosso idioma, também incomoda um pouco a tipografia de legendas, textos e descrições de itens, pequenos e mal diagramados. Por vezes, legenda e áudio, mesmo estando no mesmo idioma – joguei com ambos em inglês – parecem dessincronizados e tem algumas diferenças substanciais na redação. Porém, o principal entrevero aqui é que, por vezes, o jogo pesa demais em diálogos expositivos e extremamente didáticos, e por outros fica vago e vazio, pecando ora pelo excesso, ora pela falta.

E se pelos quesitos dos visuais e da solidez da jogabilidade, todo o pacote alcança um nível de coesão importante, no aspecto do desenvolvimento narrativo há alguns desequilíbrios. Enquanto em Shadow of Chernobyl há toda uma construção de tensão principalmente em sua introdução, com alguns mistérios e toques de horror social, Clear Sky já nos coloca em uma situação de conflito em campo aberto, valorizando a ação em detrimento do suspense.

Por sua vez, Call of Pripyat parece ser aquele que melhor se aproveita dessa mistura, mas ao mesmo tempo parece não se apropriar profundamente de nenhum dos dois lados, servindo como um meio termo que pode pender para o perfil de cada jogador e que. Curiosamente, mesmo parecendo um mais-do-mesmo se jogado por último, se tornou o meu favorito rapidamente por oferecer níveis de intensidade de tom e momentos de mais dinamismo em igual proporção.

Dito isso, é um pouco complicado conseguir fazer uma avaliação independente para cada terço deste pacote. Mesmo com os três jogos sendo instalados separadamente no console, acabei jogando-os em paralelo, indo e voltando em cada um deles, de modo que minha vivência em STALKER seja um tanto quanto embaralhada agora em minha mente. Se por um lado isso dificulta a análise isolada e independente, por outro me possibilita este olhar amplo e geral sobre a completude da trilogia como uma experiência pouco amistosa, mas ainda assim, bem satisfatória.

S.T.A.L.K.E.R. Legends of the Zone Trilogy Enhanced Edition está disponível para Playstation 5, Xbox Series e PC, além dos consoles da geração passada, onde já havia sido lançado no ano passado. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela GSC Game World Global.

Veredito

Sem fazer quaisquer concessões modernas para parecer mais simpático para uma nova geração, S.T.A.L.K.E.R. Legends of the Zone Trilogy Enhanced Edition é a forma definitiva de se aproveitar estes clássicos brutos que conseguem trabalhar em uma temática sensível de um modo cru e visceral como poucos de seu gênero.

75

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