Como bem disseram os desenvolvedores na entrevista exclusiva que gentilmente concederam aqui para o site, Space Chef é um jogo com diversas facetas e que tem como seu maior desafio equilibrá-las não só para que uma não escanteie a outra, mas principalmente para que o conjunto das ações em cada uma das atividades seja uma experiência coesa e prazerosa.
O jogo, como bem entrega o título, é um simulador de vida para um cozinheiro espacial. Em nosso trailer cósmico, temos a responsabilidade, herdada de nossa querida avó, de alimentar uma infinidade de clientes famintos por todo o sistema solar e, para tanto, precisamos expandir o negócio, descobrir novas receitas deliciosas e explorar lugares onde nenhuma pessoa ousou cozinhar.

O grande problema é que tudo isso começa como um trabalho de um mestre cuca só. O nosso avatar, customizável logo no início da aventura, precisa atuar em todas as frentes do processo. Será ele (ou ela) quem sairá espancando baratas mutantes para capturá-las, cozinhará, e sairá para a entrega em sua nave espacial. Ainda que, com o tempo, você possa ter alguns autômatos ajudando a agilizar certos processos, o trabalho é árduo.
Isso significa que essa vida será cheia de atividades, como visitar planetas para coletar ingredientes raros e deliciosos (são cinco deles, bem diversos entre si, disponíveis no jogo), descobrir novas receitas conforme vai aprendendo a lidar com clientes pouco ortodoxos, e ainda achar tempo para coletar tralhas que serão de grande ajuda na criação de ferramentas, mobília e itens bastante úteis a médio e longo prazo.
A questão é que por mais que o jogo seja bastante confortável e adaptável ao ritmo e ao tempo do jogador, empilhar todas estas atividades pode acabar se tornando custoso e enfadonho muito rápido, fazendo com que a sensação de descoberta dê lugar a uma rotina com ciclos cada vez mais repetitivos. Por mais que a vida de um cozinheiro espacial seja cheia de surpresas, a sensação de satisfação, em relação ao custo exigido, é no mínimo discutível.
Space Chef tem em sua adaptabilidade e na falta de uma sensação mais evidente de urgência, curiosamente, o maior de seus problemas: o ritmo. Nossa personagem, no aspecto pessoal, tem energia e vida limitadas, e precisa se alimentar, descansar, e tem até espaço para um certo desenvolvimento de romance, mas tudo isso parece não caber no tempo dela. Como exemplo, não é difícil se levantar logo de manhã, ir fazer alguma exploração em algum canto mais afastado, e sentir o esgotamento antes mesmo de sair do local.

Isso significa que o modelo de exploração, descoberta e ação acaba sempre interrompido por uma necessidade de parar tudo e voltar para descansar. É uma obrigatoriedade de se interromper a imersão, potencializada pela distância das coisas – afinal, estamos no espaço – que acaba, o tempo todo, cobrando que não se aproveite a falta de urgência das tarefas em benefício da imersão.
Isso torna toda a progressão, por mais acelerada que for a agenda e o planejamento do jogador, algo lento e pouco direcionado, cheio de travas e promessas para o futuro. Você logo libera algumas ferramentas importantes, por exemplo, mas não chegou no lugar onde se coleta seus ingredientes. Ou vice-versa, chega em um lugar com coisas importantes e necessárias, mas não fez o dispositivo que permite extraí-las, porque falta alguma coisa que só será liberada depois de cumprir uma missão secundária do outro lado do cosmos.

Ainda que seja um mecanismo bastante corriqueiro neste gênero, fazendo com que a nossa necessidade de retorno e novas formas de exploração sejam incrementadas gradualmente, aqui são obstáculos muito simplórios que servem somente para ampliar a vida útil do jogo de um modo um tanto quanto atravancado e artificial. O esforço vale a pena, mas não antes de uma promessa para mais esforço em um futuro vindouro.
Outro grande obstáculo colocado diante nós e o limite atarracado do inventário e dos espaços de armazenamento disponibilizados. Parece que há espaço para muita coisa, mas bastam duas ou três horinhas para que estejamos lá, escolhendo o que jogar fora e o que levar conosco, porque um dia simples de exploração lota nossos bolsos de maneira inapelável. Levar para casa e estocar? Sim, desde que fiquemos construindo uma infinidade de caixas e mais caixas com seis slots que não guardam quase nada. E comida, claro, precisa ir na geladeira, ainda mais limitada.

O resultado é que no tutorial, aprendemos que sucata é importante, vale a pena coletar para vender ou reciclar em materiais mais refinados; que vários ingredientes para a cozinha são ótimos para receitas diversificadas; que ter ferramentas como pá, faca e espátula é fundamental para todo tipo de caça e colheita… mas logo depois descobrimos que vai faltar muito espaço para lidar com esta diversidade de ações ao mesmo tempo.
Tudo isso para que, logo depois, desenvolvamos outros modos de expandir esse armazenamento e, aí sim, possamos retornar aos mesmos lugares para pegar finalmente aquilo que tivemos que deixar para trás. Ou para que enfim possamos atravessar um campo de tentáculos porque construímos um facão um pouco melhor que o anterior. Coisas assim funcionam para limitar a progressão e torná-la um processo contínuo, claro, mas o sacrifício de uma liberdade prometida (ou desejada), em Space Chef, parece grande demais.

A burocracia do avanço em camadas é também uma questão a se destacar na interface de interação com o controle, que demanda um certo aprendizado e uma aceitação de uma lógica interna um tanto quanto esquisita. A começar pelo princípio de cozinhar, que não é o mesmo de grelhar ou de usar um instrumento em si, o que é pouco instintivo e muito contraproducente.
O exemplo mais direto é o primeiro prato que aprendemos, que demanda que capturemos umas baratas enormes no próprio trailer onde vivemos. Espanque-as com a espátula e as leve para a cozinha, o que é bastante natural para o tom adotado pelo jogo. Aí, na churrasqueira improvisada com um latão e carvão, temos um minigame de precisão que lembra coisas como Overcooked e até mesmo Super Mario Party Jamboree. Perfeito.

Mas isso não é, na lógica do jogo, o ato de cozinhar em si. Para isso, é necessário acessar o sub-menu dedicado, clicar na receita com os ingredientes pré-preparados no inventário, e aí acionar o opção de cozinhar, sem nenhum instrumento específico, como um balcão, um fogão ou nada do tipo. Muito menos, uma animação pálida que seja. Basta estarmos no nosso cafofo que, pronto, a receita é preparada e fica no inventário. Não entendi a lógica de primeiro preparar a coisa em si e depois cozinhar por menu.
Isso significa, portanto, que não precisamos de um dispositivo dedicado para cozinhar, o que não faz sentido diegético, mas ao menos melhora a prática. Só que tem mais um detalhe: o ato só pode ser realizado quando estamos em casa. Ou seja, acionar o mesmo menu, com os mesmos ingredientes já prontos, em outro lugar, seja em trânsito no espaço, seja em um planeta ou estação, não é permitido.

O pior é que isso também serve para a confecção de instrumentos, ferramentas e basicamente tudo o que podemos produzir: só pode ser feito em casa. Assim, se você está em um planeta exótico, sua faca quebra no meio de um confronto, não basta ter tudo em mãos para fazer outra. É necessário sair correndo, pegar a nave, ir para casa, ficar em qualquer ponto do lugar, e acionar o menu.
Se isso, de fato, é uma tarefa comum em jogos de RPG e crafting, por exemplo, onde é necessário ir até um ferreiro, ou ter uma forja em casa, aqui é só um ato a se fazer sem nenhum pré-requisito que não seja estar em casa. Inexplicável, burocrático e, consequentemente, enfadonho e desnecessário.

Para piorar, o mapeamento do controle é um verdadeiro desastre, e o jogo parece ter sido idealizado somente para o acesso via mouse. Para não me alongar em cada escolha bizarra entre equipar um instrumento ou outro, selecioná-lo ou fazer outra coisa com ele, fico no exemplo do direcional d-pad, que ora tem a mesma função do direcional analógico, seja para seleção e movimentação, ora tem ações específicas, como abrir a loja ou acessar sub-menus.
Ou seja, você pode estar tentando navegar em uma lista de itens do inventário e, de repente, fechar a lanchonete para o público. Pode estar virando com precisão seu bife na grelha, e quando se der conta, estar mexendo no menu com mobiliário da casa. E enquanto isso, alguns botões de ação são sub-utilizados sem qualquer explicação. É um sistema de navegação que agrega muitas possibilidades, mas de uma forma tão caótica que fica difícil apreciar.

Uma pena, porque as mecânicas em si funcionam bem dentro da lógica do jogo. Cortar, grelhar e preparar alimentos são coisas que fluem bem dentro de seus núcleos. O combate é tão raso quanto se poderia esperar, mas diante sua proposta, é bem divertido. A exploração, tanto a pé quando em espaçonave, tem seus próprios conceitos, e cada qual não chega a brilhar na comparação com tantos outros jogos do tipo, mas também não ficam para trás de ninguém.
O que parece desandar o caldo mesmo é quando tudo isso precisar funcionar junto, como uma parte de um quebra-cabeças mais elaborado. É como se fossem vários e vários jogos simples, mas redondinhos por si, que ao mesmo tempo não conseguem fluir de forma equilibrada dentro do todo, seja pelo peso dado à microgestão de pequenas características, seja por uma interface pouco amistosa ao menos com quem joga no DualSense.

Já o aspecto audiovisual, por sua vez, se sai melhor enquanto concepção artística, mesmo ofuscado pela confusão da sobreposição de menus, caixas de diálogos e mecânicas secundárias. Inicialmente inspirado nos livros infantis do autor sueco Kjell Thorsson (como declarado pelos próprios desenvolvedores), o traço parece ter evoluído para uma mistura entre as visões nonsense de Futurama e Ricky and Morty, bem como outras animações bidimensionais dedicadas ao público adulto.
Este visual com traços firmes e expressividade cartunesca funciona muito bem para o tom absurdo do universo retratado, que lida bem com o total desprendimento com qualquer noção de realidade em favor de um humor mais leve, por vezes pueril e por outras ácido, mas que de uma forma geral, é coerente com um descompromisso com qualquer noção de sobriedade. Não há qualquer intenção aqui de se levar, narrativamente, a sério demais.

Em resumo, Space Chef é uma coleção de ótimas ideias unidas em um ecossistema complexo de sobrevivência, exploração, culinária e ficção científica, com algumas doses homeopáticas de romance situacional, combate e customização de ambientes.
Parece abraçar sucessos recentes em um único jogo, mas acaba falhando em não ser excelente em nada e, pior, deixar a coisa confusa, cansativa e perdida nas engrenagens que as unem. Acaba sendo uma prova de que quando tentamos segurar muitas coisas nas mãos ao mesmo tempo, algumas delas acabam escapando por entre os dedos.
Space Chef está disponível para PS5, Xbox Series, Switch e PC (via Steam e Epic Games Store) sem localização em legendas ou menus para o português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Kwalee.




