Análises

Silent Hill f – Review

Há pouco mais de um ano, em meio a rumores e uma década de silêncio sepulcral, a franquia Silent Hill viu finalmente a luz brilhar em meio à névoa que assola a cidade. O anúncio de um novo filme, um título em formato de série interativa (Ascension, algo que prefiro não comentar e fingimos que não existiu) e o aguardadíssimo remake de Silent Hill 2, reacenderam a chama da esperança nos corações dos fãs. Mas o que ninguém esperava era o anúncio de um jogo spin-off completamente novo, trazendo uma ambientação inédita na saga: Silent Hill f. Um título que transporta a série, que sempre girou em torno da fictícia cidade de Silent Hill, nos Estados Unidos, para o Japão de 1960.

A Konami escolheu a NeoBards Entertainment para desenvolver o título, junto com o roteirista Ryukishi07 (nome relevante para o terror japonês, autor de Higurashi no Naku Koro ni) e, além disso, trouxe de volta Akira Yamaoka, o mestre da trilha sonora.

O novo título traz um “f” minúsculo no nome, e não por coincidência. Na botânica, essa letra refere-se às diferentes formas e variedades das plantas com pequenas diferenças morfológicas, mas que não chegam necessariamente a serem consideradas uma subespécie. Assim como na nomenclatura científica, este é um jogo que, como uma flor, irá florescer de maneira perturbadora e bela, enraizado em um terreno diferente de tudo o que a série já explorou.

Silent Hill f
Prepare-se para encarar seus maiores medos no papel de Hinako. Fonte: PS5 Create

Eu comecei minha aventura por Silent Hill f com uma desconfiança que acho que muitos estavam tendo com os primeiros trailers, aguardando apenas um jogo de terror japonês genérico. Ledo engano. A cada passo, a cada arquivo encontrado, a cada monstro enfrentado, o título respirava a essência de Silent Hill. Ele te envolve lentamente, de forma coesa e imersiva. A experiência cresce em você, e o que começa como uma viagem a um lugar estranho se transforma em um mergulho profundo nas emoções e na psicologia humana.

A história, que se passa na década de 1960, na cidade fictícia de Ebisugaoka, no Japão, parece simples à primeira vista, mas se desdobra em vertentes complexas e perturbadoras. A cada avanço, a narrativa te força a reinterpretar os personagens, a questionar suas motivações e a entender as diferentes camadas da trama. Os arquivos colecionáveis espalhados pelos cenários são essenciais para a experiência completa. Não que o jogo dependa disso para ser bom ou compreendido, mas o jogador consegue se aprofundar no que Hinako, personagem principal da trama, está passando.

A fusão do survival-horror com o terror psicológico da cultura japonesa é simplesmente genial, explorando temas como a fé e as tradições xintoístas, além do papel da medicina na época e as complexas relações pessoais eminentes na cultura.

Jogando o jogo, não pude deixar de notar algumas semelhanças com alguns títulos do mesmo gênero, especialmente com a franquia Fatal Frame, uma das franquias de terror orientais mais conhecidas. Isso não é ruim, nem de longe. Na verdade, acredito que esse padrão do terror japonês que me fez ficar tão deslumbrado e apaixonado por Silent Hill f.

O terror aqui é intenso e pesado. Ele não se baseia em jumpscares (apesar de você tê-los em diversos momentos com alguns inimigos te surpreendendo), mas em uma atmosfera sufocante e em imagens que realmente incomodam. Poderia dizer que os elementos de body horror estão em um nível muito elevado, algo que faz até sentido com a alta do gênero atualmente.

Existe uma cena em específico (que ao jogar acredito que todos saberão qual é), que me deixou profundamente desconfortável e sem ar, e é, na minha opinião, uma das mais perturbadoras de toda a franquia. Sequências inteiras de Silent Hill f são verdadeiras obras de arte do terror, alinhando visual, ruídos, trilha sonora, ângulos de câmera e diálogos para criar uma tensão insuportável. A escolha de Ryukishi07 para o roteiro foi perfeita, pois ele consegue injetar elementos do melhor do terror japonês na veia de Silent Hill.

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Os ângulos de Silent Hill f aumentam ainda mais a tensão do jogador, trazendo uma imersão muito maior ao medo. Fonte: PS5 Create

Shimizu Hinako é uma personagem vivendo uma verdadeira montanha-russa de emoções. Há momentos em que você, como jogador e espectador de toda essa desgraça, apoia suas atitudes, mas em outros, quer gritar com ela por suas escolhas ruins e pensamentos terríveis. Eu chego até a brincar dizendo que se fosse uma mulher latina atualmente, ela teria atitudes totalmente diferentes e não passaria por metade do que passou, resolvendo tudo no famoso “barraco”. Porém, esse exato choque cultural é parte da imersão e mostra como as mulheres precisavam lutar pelos seus direitos.

A família de Hinako, por exemplo, com todos os seus traços da cultura tradicional japonesa, reflete uma mentalidade de época (como o próprio jogo já avisa), fato que pode ser difícil de entender para quem não está familiarizado, mas que torna a personagem ainda mais complexa e real. É extremamente importante reforçar que o título é de outra época, por isso algumas cenas podem ser bem pesadas para parte dos usuários, causando uma revolta sincera.

A jornada de Hinako é uma evolução constante, tanto interna quanto em sua relação com as pessoas ao redor. Sua irmã Junko, uma figura misteriosa e que, para ela, é um exemplo a ser seguido; seus pais, que a tratam de forma severa; e seus amigos de escola, Sakuko, Rinko e Shu, todos desempenham papéis cruciais no desenvolvimento da trama e te fazem querer ir atrás da verdade sobre o ocorrido a todo custo.

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Existem muitos elementos de Silent Hill que tornam f um verdadeiro membro da família. Fonte: PS5 Create

Silent Hill f pega os elementos clássicos da jogabilidade e os moderniza com a ousadia de um título feito para ser moldado num terror asiático. A exploração da vila e a atmosfera são o foco principal, mas a ação também está presente em uma medida adequada, algo que é novo na franquia, já que o combate nunca foi exatamente um dos principais atrativos.

O novo sistema de “fé” (que funciona como dinheiro/pontos de atributo) permite comprar acessórios que te dão bônus ou melhorar suas barras de Vida, Vigor ou Sanidade. Você provavelmente deve estar pensando: “Mas de novo uma barra de vigor?”, sim, ela está aqui, mas tendo todo o contexto da história de Hinako e o quanto quiseram trazer a história de uma pessoa “real e comum” da época para o jogo, é possível compreender o porquê da existência do vigor.

A barra de Sanidade, por sua vez, é uma condição crucial que afeta a capacidade de dar contra-ataques de maneira mais fácil utilizando o “foco” e usar golpes carregados mais poderosos. Além disso, é preciso ficar muito atento porque quando a barra se esvazia por completo, qualquer condição que deveria consumir a Sanidade acaba drenando sua vida, levando à morte.

Gerenciar todos esses atributos pode ser um desafio, especialmente em níveis mais difíceis, mas nem de longe atrapalha a diversão. O combate, por sua vez, exige muita prática, já que o segredo está no timing e alguns padrões de ataques dos inimigos. Contra-ataques precisos e um bom equilíbrio entre as duas opções de ataques comuns (rápidos e pesados), além do tipo de arma escolhido (que pode variar de leves, médias e pesadas), são essenciais para a sobrevivência.

Não existem armas de longa distância, o que pode frustrar aqueles que estavam acostumados com as clássicas armas de fogo, porém, canos, machados e marretas estarão te esperando para serem usados com muito gosto. Só tome cuidado, pois aqui as armas são limitadas e podem quebrar para sempre, te forçando a cuidar bem do armamento (que é limitado a só três por vez, mas podem ser reparados antes da perda total) e também de seus itens.

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Nem todas as partes da vila ficam acessíveis o tempo todo ou a qualquer momento, mas ainda assim, a exploração é super divertida e agradável. Fonte: PS5 Create

Como de praxe, os puzzles estão presentes e devo dizer que foram muito elaborados. Eles não são simples enigmas de “pegar o item X e levá-lo para o local Y”. A solução exige atenção, interpretação de texto (muitas vezes leitura de poesias) e, em algumas dificuldades, uma dedicação que vai além do “tentativa e erro”. Me vi preso por um bom tempo em alguns que já havia resolvido antes, mas que mudavam ao jogar na dificuldade máxima de quebra-cabeça. Sim, você escolhe a dificuldade tanto de combate quanto dos puzzles. As mecânicas de chefe são muito bem pensadas, exigindo que você use tudo o que aprendeu até ali para vencer, incluindo a esquiva. Muita esquiva.

Os gráficos de Silent Hill f são belíssimos. A utilização de flores – que também está representada pela letra reconhecida cientificamente pela botânica – adiciona um toque de cor à cidade fria e gélida, criando um contraste perturbador com a atmosfera de terror. Fica uma mistura de beleza com desespero. No PlayStation 5 base, o jogo oferece as opções que são um padrão atualmente: modo gráfico e performance. Embora o visual seja notavelmente mais detalhado no modo de qualidade, jogar em 60 fps acaba sendo sempre a melhor opção, especialmente porque a fluidez é essencial no timing preciso dos contra-ataques e esquivas.

Por outro lado, as coisas no PlayStation 5 Pro não são tão flores assim. Aqui existe apenas um modo, chamado de “Aprimorado”. É inegável que os gráficos sejam lindos e visivelmente superiores ao PS5 base. O detalhe daquele sangue pegajoso, as lágrimas descendo pela face e pingando pelo queixo, tudo é uma obra de arte e muito bem apresentado. O desempenho, por sua vez, falhou em diversos momentos comigo, especialmente em ambientes em que existiam muitas flores, mato e monstros. Achei um erro deixarem isso como a única opção na versão mais recente do PS5, mas torço para que façam as devidas correções nesse modo no futuro.

A sonoplastia, por sua vez, é impecável, com sons de fundo sutis que aumentam a tensão, além daquele tradicional barulho no controle quando algum inimigo está por perto. E o que dizer da trilha sonora? Akira Yamaoka não decepciona. Seu trabalho é uma obra de arte, e aqui ele se mantém magnífico, como no aclamado Silent Hill 2. As composições reforçam a atmosfera, e a sua sensibilidade para o terror se manifesta em cada nota, cada arranjo.

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Em Silent Hill f, nem tudo que está ao alcance dos seus olhos é necessariamente real. Fonte: PS5 Create

Para terminar a primeira partida eu levei pouco mais de 9 horas e, embora possa parecer algo curto, afirmo que a ideia de Silent Hill é exatamente essa: te instigar a zerar o jogo mais de uma vez. A experiência completa está na ideia de você terminá-lo e, sabendo de tudo, jogar novamente para se aprofundar ainda mais na história. O New Game Plus se torna uma parada obrigatória não só para você desvendar mais mistérios e ter um complemento da história, mas para encarar tudo de novo em uma perspectiva diferente e tentar alcançar as condições para fazer um dos múltiplos finais disponíveis.

Ao terminar o jogo pela primeira vez, um menu novo aparecerá mostrando as condições que devem ser alcançadas para desbloquear um novo final. Mas a verdade é que se você jogou prestando atenção em cada detalhe e coletou a maior parte dos documentos, essas condições já seriam naturalmente concluídas pelo jogador seguindo a lógica da história. Isso pode parecer confuso sem dar spoilers, mas é a melhor forma de reforçar como esse elemento foi bem construído e como o jogo não reside apenas nas primeiras 10 horas. Caso você almeje a platina, terá que suar bastante para consegui-la.

Silent Hill f é uma prova de que a franquia pode se aventurar em novos caminhos e continuar relevante, sem precisar viver apenas do sucesso do passado. Aqui eu tive a sensação de que a série pode ser reinventada para um caminho excelente. Pra mim, Silent Hill é um estado de espírito que te leva para um lugar onde você deve encarar os seus próprios demônios sozinho, e não mais uma cidade fictícia dos Estados Unidos.

O jogo é um prato cheio, tanto para os fãs de longa data, que reconhecerão as referências e a identidade da série, quanto para novos jogadores, que não precisam de nenhum conhecimento prévio para mergulhar nessa história. É mais um acerto – após a decepção jogável de Short Message – na grande volta da franquia.

Silent Hill f me deixou ainda mais curioso e ansioso para o que poderemos ter no próximo título inédito, Townfall. Ouso dizer que sim, esse é, de longe, um dos melhores jogos da franquia, e prova que a série pode se reinventar sem perder sua identidade. Ele nos mostra que a essência da saga pode ser explorada de diversas formas, desde o terror psicológico puro até a ação mais frenética de jogos japoneses, mantendo a qualidade e a atmosfera que tanto amamos. É muito bom ver que Silent Hill realmente está viva.

Silent Hill f está disponível para PS5, Xbox Series e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão de PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Konami. 

Veredito

Tudo que a franquia Silent Hill já ofereceu ao longo dos anos está aqui em Silent Hill f. O puro suco do caos e do medo toma conta de você a cada passo e, embora tenha alguns problemas de performance no PS5 Pro, não diminui o quão artisticamente belo, divertido e horripilante esse jogo é. Sem dúvidas, um título que deve estar na coleção de qualquer jogador fã do gênero.

95

Rui Celso

Jornalista que decidiu se aventurar no mundo gamer desde o tempo em que as revistas eram a principal fonte de informação deste mundo do entretenimento. Hoje eu expandi meu universo e também faço parte do backstage deste universo atuando como Assessor de Imprensa. Só pra constar: Paper Mario é o meu jogo favorito da vida.

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