Análises

Sid Meier’s Civilization VII – Review

Certas franquias são tão excepcionais em inovar e transformar a indústria que se tornam, elas em si, um sinônimo do próprio gênero que lideram. São poucas, mas são icônicas, e Civilization certamente é uma delas. Não é à toa, portanto, que a chegada de Sid Meier’s Civilization VII esteve cercada por expectativa, preocupação e ansiedade pelos fãs de longa data. Felizmente, todo esse hype é justificável e bem atendido.

CivVII é, para quem ainda não teve a oportunidade de conhecer a série, um típico representante dos chamados jogos de estratégia por turno 4X (termo que sintetiza os conceitos de eXplorar, eXpandir, eXtrair, eXterminar) e basicamente propõe ao jogador uma viagem histórica de evolução da nossa civilização com todas as licenças poéticas possíveis, nos provocando a transformar um pequeno acampamento na maior potência do mundo.

Esta definição enciclopédica, claro, é bastante rasa para dizer exatamente do que o jogo se trata. A ideia central dos ciclos de gameplay está na nossa capacidade de lidar com uma infinidade de variáveis vívidas e muito bem amarradas, e fazer com que os nossos domínios prosperem, seja em consonância com outras civilizações, seja em detrimento delas. 

Para tal, é necessário aprender rapidamente a lidar com as mecânicas que envolvem desde o bom e velho militarismo conflitante com as demais nações; passando pela expansão territorial e/ou econômica de seus domínios ao explorar recursos naturais e tecnologias desenvolvidas; a diplomacia confusa para lidar com gregos e troianos; a cultura e outros meandros mais sofisticados na manipulação de todos ao mesmo tempo. É, antes de mais nada, um simulador de liderança.

Ao longo das últimas três décadas, a franquia trouxe uma série de novidades entre uma versão e outra, sejam elas estratégicas, sejam estéticas, mas é inegável que há uma grande identidade sólida sendo construída e estabelecida. Por mais que tenhamos recebido ótimos desafiantes sobretudo nos últimos anos, como Humankind, por exemplo, Sid Meier’s Civilization parece jamais perder sua essência, e esta sétima versão não foge à regra.

Porém, logo de cara encontramos uma nova situação muito interessante na composição do cenário inicial de cada partida que adentramos: se antes a fidelidade de uma ífnima, mas presentes coerência histórica era algo a se considerar, desta vez há muito mais liberdade para compor nossa base inicial, que nos dá as condições essenciais com as quais teremos que lidar ao longo das dezenas de horas que virão a seguir.

Civilization VII

É possível escolher uma liderança histórica inicialmente dentre as várias disponíveis, algumas inclusive em variações distintas. Em seguida, a decisão é pelo período onde a trama será ambientada dentre três: antiguidade, era moderna e idade contemporânea, cada qual com seus desafios tecnológicos e políticos a serem desvendados e superados.

Você pode escolher, por exemplo, a guerreira Amina para liderar os impérios russo ou americano na modernidade; ou colocar Benjamin Franklin para guiar um grupo de nômades em busca do domínio da roda nos tempos antigos, ou ainda colocar Confúcio e sua convicção pela harmonia entre os povos para dialogar com Harriet Tubman e criar uma aliança pela conquista naval. Basicamente, um grande exercício de “e se…”.

Esta composição da ambientação, vale lembrar, é muito mais profunda do que simplesmente jogar uma figura conhecida em uma situação inusitada, porque essas construções trazem uma série de características legadas. Claro que é mais fácil usar Napoleão na França moderna para uma campanha de conquista, e o jogo dá algumas dicas do que faz mais sentido, mas entender bem quais são as consequências de cada combinação é parte deste estágio inicial de pré-configuração da partida.

A mudança não só permite que o jogo já se inicie dentro de um contexto melhor desenvolvido do que uma carroça com meia dúzia de pessoas se assentando, mas também abre espaço para partidas mais diretas. Você ainda pode, portanto, começar do zero e dominar o mundo na era moderna, mas não precisa.

 

Quando a jornada se inicia, estes detalhes transbordam em cada ação de todo turno, quando somos impelidos a tomar várias e várias decisões importantes no desenvolvimento da nossa nação. Militarismo? Comunismo? Democracia? Você vai investir em uma nova religião? Ou vai colocar seu poder para o aprimoramento da educação ou da tecnologia? Você vai sair na porrada com todo novo povoado independente que seu batedor encontrar ou vai buscar as alianças comerciais? Tudo é escolha e consequência.

É importante compreender também que nem toda opção tem um resultado óbvio. Você pode estar todo cheio de boas intenções de paz e aceitar todos os convites para alianças com quem encontrar e, de repente, sem perceber, estar sendo invadido por um camarada transtornado contra seu povo. O motivo? Sem ter prestado atenção, você assinou um tratado de colaboração com um dos inimigos dele. Do nada, guerra!

Aliás, faz tempo que não vejo tanta sensibilidade e ego frágil de líderes mundiais quanto aqui em Civilization VII, o que sempre dá margem para o conflito e para problemas diplomáticos. Antes de colocar seus exércitos para uma campanha de dominação, nada melhor do que se preparar, estudar as instalações adversárias e estar disposto a girar o mundo até que alguém seja dizimado ou, antes disso, pedido arrego.

Estas relações entre nações carregam algumas limitações pouco divertidas. Ao acumular influência (um elemento que aumenta conforme criamos laços com os povos que encontramos) podemos usá-la tanto para coisas benéficas quanto para criar confusões, até o ponto de declarar guerra.

 

Mas todas as opções são genéricas, simplórias e pouco significativas. Você pode abrir linhas comerciais, por exemplo, ou enviar um contraespião, mas nada disso tem relação com o líder em questão ou qualquer nuance da relação. É sempre o mesmo vazio de personalidade. Há, no máximo, um painel dizendo se aquele sujeito gosta ou não de você, mas sem motivo aparente. Cheguei perto demais das fronteiras? Minha economia está derrubando a sua? A minha religião incomoda a sua população? Não dá pra saber.

Em tempos de paz, nada é tranquilo também. Há dezenas de construções possíveis que, organicamente, são liberadas conforme desenvolvemos as diferentes técnicas, tecnologias e conceitos sociais. Por exemplo, ao investir em pesquisa e educação, escolas, universidades e observatórios são construções possíveis. Se a tendência for para ferramentas bélicas, novos tipos de unidades de combate estão ali, ao toque de um comando.

As opções que são apresentadas não são somente administrativas, entretanto. Há uma enigmática linha narrativa contextual que resulta e é resultante das ações tomadas que dão mais substância ao pano de fundo desta civilização em desenvolvimento. São detalhes que fazem diferença muito mais para a nossa percepção das atitudes que tomamos do que para o desenrolar da trama. 

Para veteranos e novatos, é importante destacar também que Civilization VII nos dá um grau de autonomia e decisão profundo para elementos macro, mas torna o micro bastante acessível para quem não quer ficar se preocupando em mandar trabalhadores cortarem árvores ou definir o preço do algodão no mercado.

 

As decisões fundamentais são sobre as políticas a serem seguidas que vão guiar estes detalhes, algo mais adequado para um governante. Porém, o elemento de construção não está mais presente como em CivVI, automatizando processos que podem fazer falta para quem gostava de trabalhar nestes detalhes.

Isso não significa que estes elementos não sejam relevantes na estratégia de desenvolvimento do país. Ao colonizar uma nova área ou ampliar seus domínios, cada quadrante (na verdade, a grade é composta por núcleos hexagonais) dá uma prévia sobre o que esperar daquele pedaço de chão, incluindo a possibilidade até de quem colonizar aquilo ser mais feliz ou não.

A progressão da carreira, contudo, não é tão livre assim. A cada nova era iniciada, há uma série de pré-requisitos a serem alcançados, o que não necessariamente entra em conflito com escolhas, mas que nos tira um pouco a ideia de fazer o que quiser. Não é raro que você tenha uma estratégia clara em mente, mas precisa abrir mão de algumas certezas para não ficar para trás no seu objetivo.

Claro que estas metas são guias fortes e não inviabilizam que o jogador siga por outra direção, e sinceramente foi o que fiz quando compreendi a dinâmica do jogo nas minhas partidas mais interessantes. Mas ainda assim, a sensação é a de que estamos fazendo coisas incríveis que no fim não serão computadas, com heranças que não serão consideradas na passagem de uma era para outra. 

Por mais que logo todos esses elementos pareçam banais, as dificuldades mais elevadas são tão ajustadas no equilíbrio deste desenvolvimento que aprender todas as nuances destas tomadas de decisão é essencial para todo comando, para cada movimento. Um clique errado em um cenário de combate pode colocar toda a batalha em xeque. 

A boa notícia é que a otimização do jogo para os controles tradicionais está ótima, simplificada e bem inteligente. Por mais que tenhamos menus detalhados e alguns pontos um pouco mais enroscados, há um ótimo trabalho de mapeamento de comandos para que tudo seja o mais fluido possível, sem toda a burocracia que jogos de estratégia tradicionalmente exigem quando adaptados para esta forma de jogar.

Claro que há alguns engasgos, como sobreposições na interface de suporte e legenda sobre comandos com o cursor pré-localizado, ou mesmo um trabalho extra para se alcançar pontos que seriam muito mais instintivos com o uso do mouse, mas no geral, incluindo um suporte justo e surpreendente para as especificidades do DualSense (como gatilhos com pressão e vibrações mais sofisticadas), é muito confortável jogar sem os apetrechos tradicionais dos PCs.

Contudo, a navegação por mapas extensos tem os seus percalços. Gerenciar uma região com algumas cidades e meia dúzia de unidades móveis é relativamente tranquilo. Agora, imagine um domínio gigantesco, com frentes militares espalhadas por todos os cantos, batedores, colonos e exploradores andando por aí, inimigos circundando por todas as fronteiras… aí tudo começa a ficar mais complicado.

Quando nossos exércitos estão em estado de vigilância (reforçando as defesas em um ponto específico) eles não entram na lista de unidades a se movimentar a cada turno. Dependendo da região, você sequer consegue visualizar onde eles estão exatamente, e acaba nem passando por lá para dar ordens. Não foram poucas as vezes onde fui surpreendido com uma invasão simplesmente porque o inimigo chegou, devastou as unidades em descanso e eu só fui avisado quando a cidade mais próxima está sob ataque. 

Batedores em observação então, perdi vários pelo mapa. Algumas destes elementos, como navios, por exemplo, podem ficar sob alerta e parados até algum movimento hostil, mas nem todos. Automatizar algumas ações é necessário para que não tenhamos que mexer ou pular cada unidade em todos os turnos, mas o gerenciamento do todo acaba ficando comprometido, nos obrigando a fazer rondas pelo mapa sempre.

Já pelo aspecto estético, Sid Meier’s Civilization VII se distingue de seu antecessor se apropriando de uma certa maturidade na modelagem mais sóbria de cenários, construções e personagens. Animações mais robustas e texturas levemente mais realistas carregam consigo um certo tom mais sério, mesmo que as estrelas do show, os líderes que estão o tempo todo dando as caras, ainda tenham um forte apelo caricatural e cartunesco.

Efeitos de som e luz, explicitamente mais exuberantes em momentos de catástrofes naturais ou da revelação de novas maravilhas naturais, estão coesos à proposta e não fosse aquela sensação de que vai dar trabalho resolver, tempestades e erupções seriam motivos de celebração todas as vezes que ocorrem. A catástrofe nunca é um bom sinal, mas ao menos é um espetáculo visual.

O mesmo vale para todo um trabalho de construção sonora que esbanja valores altos de produção. As vozes interpretando ações e reações são em qualidade e quantidade maravilhosas e sempre valorizam o tom épico da coisa toda. Efeitos e ruídos são ótimos, mas o brilho está sobretudo na trilha musical sensacional, que inclui versões sutis de hinos nacionais e outras composições sempre grandiloquentes. Um espetáculo audiovisual que, diferente da média dos jogos deste estilo, valem o uso de um bom headset.

Como um daqueles jogos com um potencial gigantesco de nos deixar completamente viciados, os elementos técnicos de interface, acompanhamento e jogabilidade estão no lugar correto, mas é importante compreender que, por definição, é um jogo de ciclos, algo que pode não ser exatamente das preferências de todo tipo de jogador. Aquele sentimento de “só mais um torno” que perdura por mais duas ou três horas madrugada adentro é legítimo, mas pode cansar.

Isso porque o ritmo do jogo tende a se estabilizar conforme passam-se os anos diegéticos da campanha. Cada nova unidade a ser criada e cada nova tecnologia a ser desenvolvida tende a demorar um número cada vez maior de turnos. Criar um batedor lá no inicio, por exemplo, dura um turno, mas criar uma maravilha horas depois pode durar 20, 30, 40 turnos, o que deixa sua capital ocupada por todo esse tempo.

Quando a cidade já se desenvolveu o suficiente, muita coisa pode ser criada de forma instantânea usando o dinheiro acumulado dos cofres públicos, mas isso é somente recomendado em momentos de emergência, porque ganhar ouro é bem trabalhoso e cada centavo pode fazer falta mais tarde. Normalmente, só se usa esta opção no desespero, quando por exemplo sua capital está sendo invadida e suas unidades de defesa estão distantes demais para chegarem a tempo.

Isso se desdobra para outros pontos, como por exemplo o jogo informar que uma certa população não está muito contente, mas há poucas ações diretas que possam alterar este sentimento, e as que existem novamente podem durar dezenas de turnos para se completarem, tempo este onde a revolta pode aumentar e outros problemas mais sérios podem surgir. Você pode pedir pra fazer as pazes com um desafeto, ser aceito, mas isso demorar dez ciclos e neste meio tempo, ter que responder a invasões e ataques dele.

Mesmo assim, com tudo isso em mente, é difícil não recomendar Sid Meier’s Civilization VII tanto para os experimentados que compreendem sua lógica e ritmo, quanto para novatos que por ventura estejam interessados em adentrar esse mundo de conquistas e lideranças mundiais. Com comandos e ações intuitivas (que se aproveitam bem dos bons tutoriais iniciais) e uma certa acessibilidade no conjunto das funções administrativas, esta é uma ótima porta de entrada para a franquia.

É um jogo com algumas limitações e um certo desequilíbrio sobretudo nos ciclos de criação e acompanhamento do desenvolvimento das suas posses, mas que ainda assim corrige vários dos pontos onde os jogos anteriores falharam. Ao permitir a escolha de líderes e eras em composições cheias de variáveis, amplia muito sua vida útil e a qualidade de vida das possíveis centenas de horas que propõe.

Soma-se a tudo isso as possibilidades de construções, tecnologias, sistemas políticos, linhas ideológicas, ações para promover ou quebrar a paz entre os povos e tudo aquilo que já adoramos na franquia, e não há dúvidas que Sid Meier’s Civilization ainda é o ponto de referência máximo do gênero em sua sétima edição.

Jogo analisado no PS5 com código fornecido pela 2K Games.

Veredito

Com algumas escorregadas em termos de ritmo e gerenciamento raso de unidades, Sid Meier’s Civilization VII traz inovações que beneficiam a agilidade nas ações e a customização da experiência a partir de composições entre eras e líderes. E como mecânicas sólidas e visuais caprichados, continua sendo a maior referência do gênero 4X desta geração.

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