Análises

Sengoku Dynasty – Review

Não há dúvidas de que o período do Xogunato no Japão, aquele que popularmente chamamos aqui no Ocidente de Japão Feudal, está em alta na cultura pop, principalmente no universo dos videogames. E para olhares mais meticulosos, o momento entre a metade do século XV e o final do XVI, conhecido como o período Sengoku, tem sido dos mais profícuos para a criação de narrativas que sabem bem se aproveitar de toda a aura que envolve conflitos, cultura e até mesmo política.

Enquanto Assassin’s Creed Shadows se passa numa representação relativamente realista do final desta fase, Sekiro: Shadows Die Twice recria uma versão mais mística de um dos períodos de maior instabilidade e embates internos daquela parte do mundo, algo que só viria a se acalmar com a unificação do país pelas ações, sobretudo, dos líderes Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu.

Eis que Sengoku Dynasty chega finalmente aos consoles, incluindo o Playstation 5, com uma proposta bastante diferente destes exemplos anteriores. Aqui, o foco está na estratégia de gestão e construção; exploração e sobrevivência; e algumas boas doses de ação com elementos de RPG, uma mistura que parece um tanto quanto aleatória no papel, mas bem equilibrada na proposta do jogo.

Assim que somos contextualizados pelo ponto de vista de um (ou uma) jovem que acaba naufragando em viagem, nos encontramos em uma região até então desconhecida por nós. Nosso objetivo inicial é a de encontrar Ako, uma aliada que estava conosco e que acabou se perdendo em meio ao acidente. Os primeiros minutos da aventura, assim, nos permite conhecer algumas das principais mecânicas que vão nos acompanhar por dezenas de horas à frente.

Nosso personagem customizável é capaz de coletar uma série de recursos, como galhos, conchas, ervas e pequenas pedras usando as próprias mãos, e mais adiante manipulá-los para fabricar ferramentas das rústicas às mais avançadas, como machados, facas e picaretas que, por sua vez, possibilitam a busca por materiais mais difíceis, como metais, toras de árvores maiores e ingredientes provenientes de animais, como carne e couro.

A primeira interação com nossa amiga nos abre um universo surpreendentemente amplo de novas ações. Descobrimos que não somos as únicas pessoas no local e, ao contrário, há muita gente e muita história pregressa que nos imerge no alvoroço e nas consequências diretas dos eventos macro da região, causadas e causadoras de uma série de restrições e aflições para o sujeito comum.

Quando nem percebemos, já estamos imbuídos da responsabilidade da reconstrução, seja de si mesmo, compreendendo nosso lugar no mundo, seja de toda uma comunidade desorientada. É aqui que a jornada realmente se inicia, quando tomamos as rédeas da reorganização daquele lugar, enfrentando intempéries climáticas, hostilidades de todos os tipos e dificuldades no gerenciamento social.

Isso significa equilibrar ações como encontrar refugiados e os convencer a compor a nossa comunidade, se defender de inimigos pouco convencidos da nossa missão pacífica, enfrentar animais perigosos e desbravar novos territórios enquanto coleta madeira para construir moradias, adquire pacotes de sementes para plantio e sustento de seu povo e busca resolver os problemas mais inesperados, como a cura para enfermidades ou alguém se passando por demônio para assustar o povoado.

A mistura entre o microgerenciamento, como enfrentar bandidos ou coletar frutinhas para se alimentar e não morrer de fome; e a administração mais geral, como determinar quem trabalha com o que e onde vai morar, é o maior dos trunfos do jogo. Ao mesmo tempo que precisamos lidar com o combate, temos uma infinidade de menus que flertam com conhecimentos sobre economia e sustentabilidade para grupos cada vez maiores de pessoas.

Isso irá se traduzir, dentro dos ciclos de gameplay, na busca pelo equilíbrio também entre o imediato, com ações mais diretas, e o planejamento a médio e longo prazos, já que dúvidas entre construirmos uma forja ou uma serraria; se investimos em um templo religioso ou um bar; se criamos um campo alagado ou uma torre de vigilância, dentre tantas outras, são constantes.

A pouca organicidade do que está ao nosso entorno, por outro lado, acaba se provando cansativa com o passar do tempo. Uma vez que acomodamos alguém e lhe damos uma função, as coisas fluem, mas com quase nenhuma autonomia. Se você, por exemplo, destina alguém a ser agricultor e as sementes que você depositou no armazém acabam, o sujeito fica sem nada o que fazer e pode simplesmente ficar insatisfeito e se mudar.

Não há nenhum tipo de autonomia mais sofisticada da população, como pode ser visto em outros jogos do gênero, como na franquia Two Point, por exemplo, onde certos profissionais se ajustam às condições. Aqui, tudo deve ser ordenado, tudo deve ser meticulosamente atribuído, o que pode fazer um certo sentido cênico considerando o contexto histórico-cultural, mas acaba se tornando meio engessado quando as tarefas se acumulam.

O maior destaque na interação com os diversos NPCs que encontramos é a nossa capacidade de adaptação e evolução pessoal, permitindo que escolhamos alguns caminhos não só na seleção inicial de classe, como também no desenvolvimento ao longo do tempo, permitindo inclusive que desenvolvamos relacionamentos amorosos. Por mais que não haja uma diversidade aprofundada entre nossos co-cidadãos, há detalhes assim que acrescentam um certo valor imersivo e único a cada entrada que fazemos no jogo.

E por mais que esta customização de experiência seja pretensamente diversificada, Sengoku Dynasty não abre mão de um certo controle narrativo quando nos oferece certos pontos de foco em uma estrutura de missões e favores que evitam a sensação desnorteante de um sandbox puro e, ao mesmo tempo, estes apontamentos funcionam muito mais como sugestões do que travas, incluindo belíssimas ilustrações marcando passagens entre estações e trazendo a sensação de progresso.

Em outras palavras, é possível seguir adiante sem necessariamente buscar as ervas que uma personagem pediu ou sem construir a unidade determinada por outra pessoa. Claro que cada item cumprido da lista traz benefícios, aumenta o nível de satisfação da nossa comunidade e fortalece o vilarejo, mas ainda assim, o nível do poder de escolha que o jogo oferece é alto e, para os entusiastas do “faça o que você quiser”, bastante satisfatório.

Cuidar de tudo isso, porém, não é nada fácil. Contar pouco com o poder limitadíssimo de decisão das outras pessoas nos sobrecarrega a ponto de muitas vezes deixarmos algo mais interessante, como buscar por novas regiões, para fazer as obrigações, ao custo de perder muito rapidamente o controle da situação. Por mais que os comandos do jogo sejam extremamente simples, a quantidade de coisas a se fazer complica tudo.

Um bom exemplo de que mais não necessariamente é melhor está no sistema de batalha um tanto quanto simplório, sobretudo à distância. Caçar com lança ou usar flechas é extremamente tedioso, fugindo do dinamismo proposto pelo ritmo acelerado que se exige. A troca truncada de equipamentos também não ajuda. Fabricar um item, como um machado ou um martelo sequer garante que ele vá direto para a roda de acesso automaticamente, sendo necessário abrir o inventário e colocá-lo lá.

Esta ênfase no passo-a-passo também irrita em outras situações. Para esfolar um coelho, por exemplo, é necessário acertá-lo com uma arma de longo alcance, pegar de volta se for possível, mudar manualmente para uma faca e aí sim executar a ação. Parece simples e corriqueiro, realista até, considerando que seria uma ação esperada de um simulador, mas quando executada em volumes grandes por bastante tempo, é excessivamente burocrático.

O modelo de construção, por sua vez, nos permite acrescentar edifícios de diferentes portes em nossa vila, mas o ponto de vista, mesmo o de maior distanciamento, ajuda muito pouco no design e no posicionamento da obra. Sem ligar os facilitadores na escolha de dificuldade, ter que fabricar manualmente paredes e telhados também deixa de ser interessante para a monotonia em minutos. Novamente, não por ser difícil, mas por ser braçal demais.

O mesmo acontece na coleta de recursos, que é divertida e instintiva a princípio, lembrando quaisquer jogos de fazendinha que nos venham à mente. Cortar árvores, coletar plantas, cozinhar na fogueira… é tudo muito fácil de se fazer e de se reconhecer. Mas são atividades que perdem o charme e a relevância quando temos que cuidar de dezenas de pessoas e tomar uma série de decisões comparativamente mais importantes.

É nesta balança entre as escalas que o game acaba derrapando, com nossas ações se ampliando em termos de quantidade, mas não de qualidade. Por mais que algumas ações menores sejam naturalmente delegadas quando distribuímos o trabalho, elas não ficam menos volumosas. É como se minha personagem voltasse de uma exploração, chegasse com todo mundo reclamando da falta de recursos e percebesse que ninguém consegue, tal como uma criança de colo, se virar por um dia sem tutela.

Já pelo aspecto artístico, a dualidade entre escala e execução também marca a tônica do jogo, uma vez que considerando a multiplicidade de ações, Sengoku Dynasty apresenta, por um lado, gráficos belíssimos e historicamente bastante precisos na representação da região, com variações climáticas sofisticadas e ciclos de dia e noite convincentes, e por outro uma ausência de detalhes e efeitos para além do básico.

Há pontos extras pelo belo trabalho da pesquisa em figurinos e na arquitetura, tal como na presença de elementos da geografia, da fauna e da flora muito coerentes e corretos na representação do bioma característico do local em seu tempo. Contudo, há um conjunto de limitações estéticas visíveis, a começar pelo detalhamento deficiente dos modelos humanos e nos ciclos robóticos das animações pouco fluidas e sem tantas variações.

A física do jogo é outro aspecto que acaba sofrendo, e não são poucas as vezes onde nos vemos presos entre arbustos, tropeçando em desníveis invisíveis ou caindo de alturas diversas de forma estranha, além do inexplicável, pelo escopo da produção, surgimento popup de elementos em tela. A interação com o mundo à nossa volta, de forma geral, acaba pagando pela grandiosidade do mundo do jogo em constante transformação.

Ampliando este debate para o conjunto da obra, há aqui um produto muito valoroso em sua grandiosidade, seja pela multiplicidade de ações possíveis no controle desta nova dinastia em construção, seja nos desdobramentos de nossas ações para com uma infinidade de variáveis ao longo de horas e mais horas de uma jornada virtualmente sem fim.

Tudo isso, porém, funciona bem a despeito de detalhes um tanto quanto grosseiros, seja em uma jogabilidade relativamente simples que não brilha em nenhuma das funções existentes; seja nos visuais corretos historicamente, mas simplórios no caráter artístico; seja ainda no equilíbrio entre o micro e o macro. Entre a excelência e a grandiosidade, portanto, Sengoku Dynasty transita em um meio termo que pode propor horas muito ocupadas, mas que no final pode não ser tão memorável quanto o período que buscou retratar.

Sengoku Dynasty está disponível para PC (via Steam) e chega em 21 de agosto para PS5 e Xbox Series com legendas em português do Brasil. Esta análise foi produzida jogando no PS5 e realizada com um código fornecido pela Toplitz Productions.

Veredito

Sengoku Dynasty é tão diverso e ousado que certamente vai oferecer dezenas de horas densas de tarefas e deveres a serem feitos, mas não necessariamente da forma divertida e viciante que os melhores jogos do gênero conseguem fazer. Não há dúvidas sobre o quão grandioso e diverso o jogo consegue ser mesmo diante um escopo de produção modesto, mas são os detalhes artísticos e de jogabilidade que lhe tiram um pouco do brilho que merecia ter.

70

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