O texto abaixo foi publicado no PlayStation.Blog brasileiro por Anthony DiMento da Santa Monica Studio.
God of War foi criado com três pilares em mente que influenciaram todas as decisões de design do projeto: Combate, Pai/Filho, e Exploração. Quando comecei a trabalhar no Santa Monica Studio em maio de 2015, o pilar de Exploração ainda era o menos definido. A franquia era tradicionalmente uma experiência linear, mas a equipe buscava colocar pelo menos dez horas adicionais de conteúdo opcional fora da história principal. Para conseguir este objetivo, uma equipe concentrada na parte da “Exploração” do jogo foi criada. Fui encumbido de ajudá-los a definir o que seria este conteúdo, e no fim, criar as missões que ajudariam a fisgar o jogador nessas atividades opcionais.
AVISO: Spoilers à frente!
Estabelecendo Restrições
Um dos primeiros desafios que encaramos quando pensamos nas missões era que tínhamos um mundo com NPCs.Não há cidades ou mercados, e os personagens que existiam (Brok, Sindri, Freya) eram todos muito amarrados à narrativa central, que ainda estava sendo detalhada. Tentei criar alguém que desse missões e não incomodasse muito, sendo flexível o bastante para ser usado em múltiplos locais, ao mesmo tempo providenciando atividades variadas para cumprir. Meu protótipo inicial era um círculo funerário com um fantasma em Helheim. Os “espíritos perdidos” davam uma voz humana ao mundo mítico à sua volta. Poder contar histórias de pessoas que moravam neste mundo o tornava mais vivo, uma enorme ironia já que todos já estavam mortos ali.
Conforme o projeto progrediu, começamos a definir alguns baldes para colocar essas missões. Cada balde seria definido pela quantidade de trabalho necessário para colocá-lo num estado polido e acabado:
Missões “A”
- Fases inteiras de conteúdo dedicado
- Suporte cinemático, muita narrativa
- Missões adquiridas através de um membro conhecido do elenco (Brok e Sindri)
Missões “B”
- Incentiva a exploração nas ilhas e praias do Lake of Nine
- Sem suporte cinemático, pouco suporte narrativo
- Missões adquiridas com o módulo dos espíritos perdidos
Missões “C”
- Providencia descobrimentos adicionais com recompensas pela exploração
- Suporte narrativo bem leve, não muito importante
- Utiliza módulos como Treasure Maps e Artifacts
Missões “D”
- Listas, marcos, contadores de estatísticas
- Sem apoio narrativo
- Labors, Ravens, Challenges
“Tem tempo para um favor?”
Enquanto nos concentramos nas missões “A” e “B”, um dos primeiros passos foi definir como o jogador iria interagir com os NPCs para iniciar as missões. Concordamos num esquema mais ou menos assim:
Isso obviamente mudou bastante, muitas vezes após problemas serem identificados durante o playtest:
- Inicialmente, não havia um ícone dentro do jogo até depois da introdução do NPC terminar. Os jogadores acabavam correndo por NPcs de missões sem perceber que havia uma disponível. I ícone de interação foi então mudado para estar imediatamente disponível, para que os jogadores pudessem interromper a introdução e já começar a ler a missão.
- A explicação da missão geralmente é o grosso da interação, dizendo aos jogadores o que precisam fazer. Já que muito disso é informação, não há muito espaço para a narrativa sem prender o jogador por muito tempo. Uma explicação opcional em seguida foi adicionada com mais detalhes sobre história. Acabamos fazendo a mesma coisa após o término das missões.
- Por falar em prender o jogador, isso foi um ponto de discussão. Enquanto o jogador recebe uma explicação de abertura ou fechamento de missão, o que estão fazendo? Estão completamente imóveis? Podem sair correndo e interromper? Acabamos decidindo num sistema onde você ficava preso até uma certa distância, com câmera fixa, e forçado a andar. Dessa maneira, o jogador ainda mantinha algum controle, enquanto ouviam a informação pertinente.
- Haviam pessoas que desejavam fazer a missão pela recompensa, sem querer ouvir nada. Colocamos a possibilidade de poder pular o texto mais tarde durante o desenvolvimento.
Preenchendo os Espaços
Até começarmos a escrever e implementar as missões, a maioria dos espaços a serem explorados já estavam decididos pela equipe de Level Design:
- Fases Grandes: Konunsgaard, Viethurgaard
- Dungeons: Volundr Mines, Landsuther Mines, Fafnir’s Storeroom, Northri Stronghold
- Ilhas e Praias: Lookout Tower, Iron Cove, Isle of Death, Forgotten Caverns, Stone Falls, Cliffs of the Raven, The Mason’s Channel, Ruins of the Ancient, Buri’s Storeroom
Começando com os NPCs das missões “A”, Brok e Sindri, passamos a parear esses locais com suas respectivas missões. Sabia que queria tanto Brok quanto Sindri a cada um ter suas próprias missões que culminaram com uma missão compartilhada após fazerem as pazes. Com quatro dungeons, demos as duas minas à Brok e as outras duas à Sindri, deixando Konunsgaard para sua missão final.
Nossos NPCs de missões “B”, os espíritos perdidos, foram usados para incentivar a exploração pelas ilhas e praias, que tinham mais de uma configuração conforme o nível da água mudava. Queremos que os jogadores explorem tudo no lago após suas duas mudanças, e criamos missões para ajudar isso a acontecer naturalmente. Cada uma dessas missões e seus componentes serviram um propósito bem específico. Algumas áreas, como Viethurgaard eram apenas para serem descobertas, então uma missão poderia ser posicionada por perto, mas ainda caberia ao jogador explorar e descobrir… por si só uma recompensa.
Se a missão não tivesse um propósito específico, acabava sendo cortada na versão final do jogo. Foi o caso de uma das primeiras missões que criamos, “Oh Brother, My Brother.” Nela, um espírito pedia que você encontrasse seu irmão morto, sem saber. Após contar que o irmão havia morrido, o fantasma ficava bravo e amaldiçoava o nome do irmão. Você volta ao NPCs inicial da missão, apenas para descobrir que… surpresa… ele não sabia que também já estava morto. Era uma historinha legal, mas no fundo, uma missão de busca que não afetava nada. Queríamos com certeza evitar conteúdo que fosse apenas recheio. Algumas vezes, retirar conteúdo pode fazer o jogo ficar mais forte, e mais importante, aprendemos lições valiosas desta tentativa inicial.
“Não sou leva e traz.”
Muito da narrativa das missões começava com perguntas sobre a motivação dos nossos personagens. Para Brok e Sindri, era lógico que ferreiros lendários iam querer criar armas e armaduras lendárias. Para se encaixar na estrutura de missões, decidimos que ambos estariam procurando as ferramentas para criar a Dwarven Armor of Legend e que não encontrariam nada até a segunda missão. Fizemos a primeira missão de cada um terminar com um item sendo encontrado intencionalmente, mas não o item que estava sendo procurado. Isso nos ajudou a criar tempo entre as missões 1 e 2 enquanto os anões examinavam os itens que foram achados.
Após terminar a segunda missão para Brok e Sindri e recuperar suas ferramentas lendárias, você pode embarcar na missão compartilhada dos dois, Hail to the King. Esta missão, por sua vez, termina com a aquisição dos ingredientes que podem ser usados para criar o conjunto de armadura de Brok ou o de Sindri. A armadura serve como motivação para fazer a missão, mas falhamos em informar desde o começo que as quatro missões culminariam com um conjunto de armadura de nível alto. Se tivéssemos feito um trabalho melhor neste ponto, acho que menos pessoas teriam esperado até o final do jogo para completar essas missões.
A pergunta mais difícil para nós respondermos era a motivação de Kratos. Como personagem, Kratos não é o tipo que vai fazer muito esforço para ajudar um estranho. Enquanto fazia favores para Brok e Sindri, sempre martelamos a idéia que ele estava fazendo isso para conseguir itens melhores que o ajudasse em sua própria jornada. Isso ficou menos nítido no caso dos espíritos perdidos, mas a inocência e bondade de Atreus era sempre um fator positivo na hora de querer ajudar. As missões dos espíritos perdidos foram todas escritas tentando fazer com que Kratos ensinasse uma lição ao seu filho, que ajudava a estabelecer que a motivação dele apoiava o pilar do Pai/Filho. A ideia de usar missões como uma oportunidade de aprendizado se tornou parte de todas as missões “B”. Sabíamos que este conteúdo não receberia o mesmo apoio do jogo principal, mas com a história sendo uma parte tão importante do jogo, e com este tema amarrando tudo junto, conseguimos criar conteúdo leve e opcional que também vale a pena.
Amarrando Tudo Junto
Agora que o jogo já foi lançado, vejo vários fatores que foram chave para seu sucesso:
- “Vamos explorar!”: Este texto que foi dado à Atreus significou muito para nós. Foram poucas falas, mas deixaram bem claro ao jogador que estavam num ponto onde podiam continuar a história principal ou apenas explorar. As falas colocadas tiveram um impacto incrível no engajamento dos jogadores com a Exploração.
- Densidade & Posicionamento: Sempre tentamos colocar um pouco de tudo em cada espaço de Exploração. No cenário ideal, você estaria fazendo uma missão “A”, encontraria um Treasure Map que o levasse para perto de uma missão “B”, esbarrava num dragão acorrentado, o tempo todo coletando artefatos, encontrando informações e matando os corvos pelo caminho.
- Liberdade do Jogador: Foi importante para nós que os jogadores pudessem explorar no ritmo deles. Sabíamos que não queríamos missões que expiravam sozinhas, mas queríamos algum desafio. Quando Atreus descobre que é um deus, sua atitude muda e as missões secundárias são travadas por um breve período para evitar mudanças de tom bizarras. Também pensamos nos jogadores que tentariam explorar sem as missões. Marcadores e o corpo de Jormungandr foram usados para evitar que o jogador ficasse explorando um mesmo caminho por 10 minutos apenas para encontrar nada no fim.
- Itens: Vimos uma relação direta entre a recompensa que os jogadores recebiam por completar uma missão e a nota que davam para tal missão durante os testes. Quando não colocávamos recompensas, a pontuação era bem baixa. Quando os jogadores recebiam itens incríveis, os pontos aumentavam. Agradecemos ao Cory e á toda a liderança por não se assustarem e mudarem tudo nas missões quando bastava uma recompensa melhor.
Trabalhar nessas missões foi uma experiência extremamente recompensadora para mim. A equipe aqui do Santa Monica possui uma dedicação à sua arte que jamais tinha visto. Colocamos tudo que podíamos na criação de experièncias memoráveis e divertidas para todos vocês. Espero que tenham curtido jogar tanto quanto eu curti trabalhar no jogo.