Vamos direto ao ponto: as motocicletas sempre foram o “primo-pobre” dos jogos de corrida, sejam eles mais voltados à simulação, sejam mais ligados a um sistema arcade. Claro, algumas franquias consagradas são bastante populares dentre os fãs de esportes de simulação, e talvez alguns dos maiores expoentes atuais sejam as séries Manx TT Super Bike, MotoGP e, se consolidando dentre os grandes, está também Ride (da mesma desenvolvedora de MotoGP, aliás, a Milestone). Mas, sejamos sinceros, nenhuma destas marcas recebem a atenção da mídia especializada ou mesmo do público que as mais conhecidas séries com carros, como Gran Turismo, Need For Speed ou Forza. Não a toa, a comparação com esses jogos é a forma mais eficiente de se descrever o tom adotado para o esporte com as duas rodas.
Feita essa introdução, caso você não esteja ambientado com a franquia, Ride 4 chega com uma proposta calcada na simulação, algo como a franquia numerada de Gran Turismo. Ou seja, é um jogo que trabalha com corridas profissionais e um sistema de simulação mais apurado tanto na questão da pilotagem em si, com mais nuances (e obviamente mais chances de quedas ridículas para quem for displicente ou simplesmente dê uma bobeirinha na entrada de uma curva fácil), quanto para ajustes e configuração do equipamento, fortalecendo o freio em cada uma das rodas, tipo de pneu, amortecedores, e tudo mais. Essa quarta versão chega com modelos trabalhados praticamente do zero, uma atenção especial aos modos de jogo e uma jogabilidade afiada para tentar cavar seu lugar no primeiro escalão do gênero, e assim fugir do estereótipo do “uma versão de duas rodas de…”. A questão é que certos preciosismos acabam sendo mais divisivos.
O modo Carreira, o principal caminho para quem pretende aproveitar o jogo sozinho, traz uma série de novidades para a franquia, ainda que sejam todas muito reconhecíveis para os corredores virtuais. Você deverá disputar competições menores no começo em uma das três grandes ligas – a americana, a asiática e a européia – lidando com diferentes máquinas para diversas situações. As missões, além das corridas mais tradicionais de que ganha quem chegar primeiro, também trazem objetivos mais específicos como a capacidade do jogador em manobrar por “portais” – uma versão mais parruda do exercício para quem está buscando a habilitação na vida real – uma determinada quantidade de inimigos a serem ultrapassados antes que o cronometro zere ou aquelas voltas lançadas contra o tempo.
A curva de aprendizagem em Ride 4 não é amigável, e nem dará qualquer respiro ao jogador. Ela é bem exigente, muito intensa e, antes de você entender os conceitos iniciais já estará lhe cobrando acertos finos para buscar o erro zero na pista seguinte. A progressão depende muito das escolhas do jogador, mas certamente será necessário investir em atividades periféricas, aprender macetes, e, aos poucos, conseguir se livrar o máximo possível das assistências automatizadas, e, sim, muitas repetições, algo que pode afastar jogadores mais casuais. Definitivamente, não é aquele jogo de corrida que você vai colocar pra 15 minutos de bobeira, até por não tem sequer um modo multiplayer local. Ride 4 exige dedicação, e é implacável nesse aspecto. E mesmo os mais resilientes precisarão de uma dose extra de concentração para não desistir logo nas primeiras curvas.
A boa notícia é que o game recompensa a fidelidade e a insistência. Para os mais dedicados, o avanço significativo em termos de precisão e habilidade significam o crescimento palpável na carreira até a conquista daquele lugar nas competições de alto nível, as ligas mundiais, que se dividem em Superbike e Endurance. Outro modo de incentivo é a quantidade de veículos disponíveis, 176 no total (com a promessa de algumas outras dezenas em conteúdos adicionais) e 22 fabricantes licenciados, dentre eles as lendárias Kawazaki, Honda, Yamaha, Ducati, etc., cada qual com algumas particularidades e, para os mais entendidos, com suas nuances em termos de controle, tração, aceleração e outros que fazem necessário estudar bem aquilo que se precisa fazer e, só então, decidir pelo equipamento certo.
O sistema de progressão de níveis, que considera não só a sua experiência adquirida como também sua proximidade com a fabricante, também acrescenta camadas importantes nessa percepção do avanço. A cada nova corrida vencida, cada novo desafio superado, seremos seduzidos a voltar às concessionárias buscando novos modelos, ou ainda novas peças para aprimorar nossas máquinas. Essa customização, aliás, não é muito diferente do que já vimos em outros games do gênero, sendo possível comprar, com os pontos conquistados in game, novos motores, suspensões, pneus, freios e outras partes que podem acrescentar uma melhoria significativa no desempenho ou, no mínimo, dar mais alternativas dependendo do desafio imposto.
Também temos 30 pistas a disposição (sem contar as que virão no pós-lançamento), incluindo a nossa querida Interlagos (figurinha carimbada em tudo que é licenciamento de circuitos nos videogames, vale ressaltar), algumas delas criadas especificamente para o mundo digital e outras se mostrando versões fiéis às suas contrapartes reais. O diferencial no cenário, em relação ao seu predecessor, fica por conta também de um novo sistema climático, que deslumbra – sobretudo naquele pôr-do-sol cinematográfico que todo mundo adora ver – mas também acrescenta um elemento a mais para se preocupar, já que o clima importa na jogabilidade, e obviamente as pistas molhadas são um verdadeiro martírio quando se está a 100 milhas por hora, quase na horizontal buscando aquele bendito centésimo de segundo que faltou na tentativa anterior. Ainda assim, os efeitos de mudança climática acabam se tornando só mais um fator comum e não chega a ser inesquecível.
A relação de amor e ódio é uma constante em Ride 4. O nível do desafio é altíssimo, e certamente quem não é fã de motos pode até se frustrar ou ainda se distanciar pela exigência logo nos primeiros minutos. Para aqueles que se adaptam a ela, contudo, vale a regra citada acima sobre recompensas: o jogo oferece uma dimensão visual tão realista quanto o que persegue na jogabilidade. Cada moto foi, segundo os próprios desenvolvedores, modelada do zero a partir das tecnologias de escaneamento mais avançadas, buscando o ápice do realismo e das minúcias de cada peça. Os efeitos de material são um deslumbre e com uma versão refinada já prometida para a próxima geração, certamente será interessante ver onde eles podem dar um passo adiante nesse quesito. A imagem abaixo foi tirada dentro do jogo, com a ferramenta de fotografia. Os detalhes impressionam.
O mesmo vale para a ambientação, que consegue traduzir de forma muito competente esse mundo da velocidade. Não há detalhes ou texturas de baixa qualidade aparentes, e também não há aquele problema comum do mundo estar se construindo (tecnicamente, carregando) ao longo da corrida. Mesmo rodando no PS4 Padrão, o desempenho é muito bom. Jogos de corrida, tradicionalmente, são os que conseguem mostrar o ápice do poder do sistema onde estão rodando, e não é estranho que se utilize algum deles para mostrar do que um console é capaz e, nesse caso, Ride 4 consegue lidar bem com a geração atual já em sua aurora.
Já um aspecto bastante importante em jogos de corrida carece de uma revisão profunda: a inteligência artificial. Em Ride 4, os corredores controlados pela CPU tem um problema grave de incapacidade de auto-preservação, algo imperdoável em jogos de simulação. O que se vê nas corridas convencionais, contra 11 adversários, é uma agressividade estranha, não porque são competidores desleais, mas principalmente porque na tomada de decisões e na busca pelo melhor traçado, os adversários acabam cruzando a frente dos adversários, cortando trajetos ou, a pior parte, atropelando quem vem a frente. Não é raro que você esteja liderando uma prova e de repente seja simplesmente atropelado sem qualquer pudor por um NPC que simplesmente ignorou a sua presença na parte interna da curva, ou que espalhou para o seu lado mesmo sem a necessidade, só para seguir com o traçado ideal.
Esse problema não é exclusivo de Ride 4, claro, mas a soma dele e outros aspectos do game o tornam mais proeminente, já que a precisão e a busca por uma perfeição são essenciais para o sucesso no game. Uma queda, ou mesmo uma tomada de curva meio estranha para não ser abalroado e toda uma corrida é comprometida sem qualquer chance de salvação. Você pode estar liderando a corrida na primeira curva e um toque bobo significa uma queda, a última posição e a impossibilidade sequer de se recuperar. O resultado: qualquer erro, seja ele do jogador, seja uma infelicidade na disputa com a máquina, e é obrigatório que se reinicie o desafio do zero para não se perder tempo. Chega o momento onde serão muitas tentativas interrompidas (muitas mesmo) até se concluir uma corrida.
Isso significa também que os desafios single player mais justos, ou até mais divertidos para os amantes do game, sejam aqueles individuais, onde se tem a pista somente para si, e onde a única variável para se alcançar o sucesso seja o próprio jogador e sua capacidade de aprendizagem e de controle da moto, algo que pode significar uma inversão de valores quando se trata de um simulador de esporte competitivo. Sim, esses trechos continuam insanamente exigentes, mas ao menos o sucesso depende somente do jogador, e não de um adversário idiota que parece nem perceber que você existe. E aí entra o quesito diversão na história toda: como já dito, não espere aqui um jogo de corrida onde o improviso e a agressividade diante os adversários será premiado. Ride 4 valoriza a preparação, o planejamento e a execução próximos do ideal, da perfeição, e pune sem piedade aquilo que foge disso, mesmo que não seja por culpa de quem está jogando.
O modo on-line não chegam a estar muito frequentado nesse momento do lançamento, até porque são poucos os ousados a arriscar uma competição mais séria contra outros adversários humanos antes de conseguir um progresso significativo no modo Carreira, mas o pouco que se conseguiu testar está ok, dentro do esperado e adequado aos entusiastas. Já o modo de Resistência acrescenta um elemento de gestão maior, com o planejamento também precisando considerar consumo de combustível e desgaste dos pneus, além de, claro, uma longa jornada livre de erros na pista. Este provavelmente é o mais próximo de uma vivência real da simulação proposta pelo game, podendo alcançar as dezenas de horas seguidas. E também o que pode frustar mais pelos problemas citados anteriormente.
Outro elemento que pode assustar os corredores desavisados é que o game espera que você seja minimamente entendido do esporte. Sim, parece óbvio, mas isso significa que ele não só é pouco amigável com novatos, como também os afasta propositalmente. Não espere qualquer tipo de assistência para fazer suas escolhas no acerto prévio às corridas. Os ajustes tem lá suas descrições básicas, mas é você quem precisa saber quais as melhores opções para o seu estilo de pilotagem. A tentativa e erro é sempre uma possibilidade, mas sejamos sinceros: quem é que vai ficar fazendo ajustes, testes, corridas, e vai fazer a análise da telemetria para saber qual a melhor combinação possível dos ajustes? Sim, há quem esteja interessado nisso, mas certamente não são os que estão chegando agora. Nem mesmo com as assistências ligadas o jogo se torna mais simpático aos amadores. Pra ser sincero, elas mais atrapalham do que ajudam.
A soma de todos esses fatores não tornam Ride 4, por si, um jogo excelente ou uma porcaria, e dependem muito mais da expectativa dos jogadores por uma experiência mais exigente e perfeccionista. Confesso que me frustrei muito mais com a curva de aprendizagem absurda e com a inteligência artificial tenebrosa do que com a proposta do jogo. No vídeo que acompanha essa análise, nossos primeiros minutos com o jogo, fica clara essa proposta de perfeição, onde o primeiro desafio já é exigente, mas o segundo espera um nível incrível de precisão. Se essa for a sua expectativa, seja bem-vindo ao game, mas se espera poder aprender sobre o tema com calma e com margem de erro, esqueça. É possível que você reconheça todo o potencial do jogo em termos de qualidade audiovisual e de conteúdo, mas que não consiga sequer arranhar a superfície simplesmente porque vai desistir antes de passar pelos primeiros 3 ou 4 desafios.
Jogo analisado no PS4 padrão com código fornecido pela Deep Silver.
Veredito
Ride 4 é, definitivamente, um jogo de nicho, não só pela temática, mas pelo nível de exigência técnica que propõe. Visualmente, um dos melhores do gênero, traz muito conteúdo para os amantes das duas rodas, mas com uma inteligência artificial falha e uma curva de aprendizagem cruel, é recomendado somente para especialistas, ou ao menos, para os mais pacientes.
Veredict
Ride 4 is definitely a niche game, not only because of the theme, but because of the level of technical demands it proposes. Visually, one of the best of its kind, it brings a lot of content for lovers of the two wheels, but with a flawed artificial intelligence and a cruel learning curve, it is recommended only for specialists, or at least, for the most patient.